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    Qual a cor da liberdade?

    Representações de princípios e qualidades quase sempre aparecem na cor de pessoas brancas. Mas a história prova que foram os escravos negros que viveram na pele o real sentido de ser alguém livre, fugitivo ou preso

    Estátua da Liberdade com a Lua ao fundo
    Estátua da Liberdade com a Lua ao fundo Foto: Brendan McDermid/Reuters

    Basília Rodriguesda CNN

    em Washington

    Uma representação negra da Estátua da Liberdade é a figura central da exposição Afro-Atlantic Histories na Galeria Nacional de Artes, em Washington. A fotografia é de uma mulher negra com pele e roupas reforçadas de preto, como se fossem uma mesma matéria, na mesma tonalidade. Daí, a sensação de que a foto mais parece uma escultura.

    Em meio a objetos do passado escravizado e do presente ainda de luta, essa madona negra, de semblante sereno, e olhar para o horizonte, se encaixaria na história de um mundo ideal, em que o respeito à diversidade seria comum.

    A obra de 2016 é assinada pela artista sul-africana Zanele Muholi, autora de uma série de vídeos e fotografias sobre raça, gênero e sexualidade.

    representação negra da Estátua da Liberdade
    Representação negra da Estátua da Liberdade exposta na exposição Afro-Atlantic Histories / Reprodução/National Gallery of Art

    “A ideia de liberdade – a liberdade que todas mulheres deveriam ter – e de orgulho de sermos seres com corpo de mulher e com a pele negra”, afirma Muholi no painel de apresentação da obra.

    A intenção, sob o olhar da artista, é provocar questionamentos: De qual tipo de liberdade estamos falando? Qual a cor que se imortalizou como a da Estátua da Liberdade? E qual seria então a cor da liberdade?

    Quando a Estátua da Liberdade como conhecemos foi erguida, em meados de 1886, possivelmente estas perguntas não eram motivo de dúvidas. Buscou-se um símbolo da liberdade e a arte daquela época entregou uma mulher branca, como presente da França aos Estados Unidos. A escolha pelo gênero feminino, sem dúvida, tratou-se de um salto de paradigmas.

    Cento e trinta e cinco anos depois, a arte de Muholi reivindica uma representação negra sobre liberdade. Não foi por falta de argila de outra cor que, além da liberdade, as representações de beleza, inteligência, poder, e tantos outros princípios e qualidades, quase sempre são representados pela cor branca.

    O Brasil também aparece na galeria de arte, em Washington. Uma foto do carnaval carioca com homens negros e a palavra “poder” pintada de branco em seus corpos, em sinal de protesto, estampa uma das paredes da galeria.

    Também direto do Rio de Janeiro, vem outra impressionante peça dessa exposição: um anúncio datado de 1854 denuncia que há um “crioulo fugido”. Fortunato era o nome dele. Um homem de “vinte e tantos anos” – os donos não sabem ao certo sua idade. “Sabe cozinhar, trabalhar de encardenador, e entende de plantações de roça”, descrevem. É também “mal encarado”, “falla apressado e com a bocca cheia olhando para o chão”, destacam com a grafia da época. Se achado, deveria ser entregue na Rua dos Inválidos, no centro do Rio. Valia até recompensa.

    Fortunato é também um símbolo. Não nasceu livre mas fugiu para alcançar sua liberdade.
    A exposição fica em cartaz até 17 de julho. A entrada é gratuita.

    * Basília Rodrigues viajou a convite da embaixada dos Estados Unidos.