“Problema não reside na ONU, mas no mundo”, diz embaixador sobre fracassos no Conselho de Segurança
Em entrevista ao podcast CNN Pelo Mundo, o embaixador Marcos Azambuja aponta que a Organização das Nações Unidas é prejudicada pelas divisões de interesses entre grandes potências mundiais
Após repetidos fracassos em encontrar consenso por parte do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o embaixador e ex-chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos em Genebra Marcos Azambuja avalia que “o problema não reside nas Nações Unidas, e sim no poder mundial, que é dividido entre potências que não se entendem”.
Em entrevista ao podcast CNN Pelo Mundo, o também conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) afirmou que as Nações Unidas “têm um poder consultivo intacto e foram sempre muito prejudicadas pelas divisões de interesses entre as grandes potências”.
“O que a ONU não tem é poder para resolver a controvérsia dos interesses dos seus grandes sócios-fundadores – quando a Rússia, a China, a Inglaterra, a França e os Estados Unidos não estão de acordo, um deles tem poder para paralisar o sistema”, avalia.
Na quarta-feira (25), uma nova resolução da Rússia sobre a guerra foi rejeitada em votação no Conselho de Segurança da ONU. Estados Unidos e Reino Unido vetaram, e houve nove abstenções, incluindo o Brasil.
No mesmo dia, a resolução dos Estados Unidos foi vetada pela Rússia, China e Emirados Árabes Unidos. Dez membros votaram a favor e dois se abstiveram (Brasil e Moçambique).
Já o Brasil tenta um acordo entre os Estados Unidos e a Rússia por uma nova resolução que envolva russos e britânicos – que se abstiveram do texto brasileiro apresentado e derrotado em 18 de outubro – e os próprios americanos, que votaram contra.
Para Azambuja, a palavra que define o papel do Brasil como presidente do Conselho de Segurança é “liderança”. O diplomata, que já serviu como embaixador do Brasil na Argentina e na França e também já coordenou a Rio-92, afirma que está “orgulhoso de como o profissionalismo do Itamaraty voltou a existir”.
“Dos vários projetos de resolução que o Conselho examinou, o que teve melhor votação longamente foi o nosso”, lembra. No texto, segundo Azambuja, o Brasil reafirma o seu horror ao terrorismo, e, por outro lado, dá legimitidade às queixas dos palestinos em Gaza. “Há de se entender que o que está acontecendo em Gaza é a intolerância da vítima com a continuação do sofrimento”, destaca.
“A passagem [na presidência do Conselho] mostrou o Brasil de volta como um país que procura harmonia, entendimento e vê os bons argumentos de um lado e de outro. Mas, sobretudo, que no nosso país há paz. Eu não quero dizer que nós somos exemplares, mas o Oriente Médio teria muito o que aprender conosco.”
Sobre a resolução de um conflito marcado pela escalada da violência e de uma grave crise humanitária, Marcos Azambuja faz um alerta para a urgência de se chegar a um consenso: “Quando uma crise não é resolvida logo, ela tende a se deteriorar. Novos atores se metem, novas tensões surgem, novos riscos aparecem. O que eu não vejo, no momento, são mediadores eficazes. O mundo está sem líderes capazes de falar com autoridade”.
Reforma do Conselho de Segurança da ONU
O Conselho de Segurança tem cinco membros fixos desde que foi criado, junto com a fundação da ONU, em 1945: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China. Os cinco países possuem poder de veto durante debates e votações.
Existe um apelo de países emergentes e de outras lideranças para que seja feita uma reforma nessa configuração atual, a fim de incluir outros países com papéis importantes na diplomacia global.
O comunicado final da 15ª Cúpula dos Líderes dos Brics de agosto deste ano, por exemplo, defende uma reforma das instituições de governança global. “Apoiamos uma reforma abrangente da ONU, incluindo o seu Conselho de Segurança, com vista a torná-lo mais democrático, representativo, eficaz e eficiente”, diz o comunicado.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, também já defendeu a reforma durante uma Assembleia-Geral da entidade. Em seu discurso, ele afirmou que “a governança global está presa no tempo. O mundo mudou. Nossas instituições, não”.
De acordo com o embaixador Marcos Azambuja, “há países que não estão dentro do Conselho como membros permanentes e deviam estar”, porque “têm estatura e poder” para isso. São exemplos Japão, Alemanha, Brasil, Índia e Indonésia.
“Essencialmente, todo candidato tem na sua própria região geográfica um país que não tem os mesmos títulos que ele, mas o suficiente para criar o obstáculo a que isso aconteça”, resume. “Por isso, eu não vejo no horizonte próximo possibilidades de mudar as regras do jogo, porque eu não vejo ninguém querendo abrir mão do poder que já tem.”
(Com produção de Isabel Campos)