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    Primeiro-ministro diz que não entregará Kosovo à “milícia fascista” sérvia

    Declaração do premiê acontece após confrontos no norte do país, onde sérvios protestam violentamente contra as eleições de prefeitos de etnia albanesa

    Soldados da Otan fazem guarda em edifício de Leposavic, no Kosovo
    Soldados da Otan fazem guarda em edifício de Leposavic, no Kosovo 31/05/2023REUTERS/Fatos Bytyci

    Isa SoaresChristian Edwardsda CNN*

    O primeiro-ministro de Kosovo, Albin Kurti, disse à CNN que não entregaria o país ao que descreveu como uma “milícia fascista” sérvia, após violentos protestos no norte devido à alocação de prefeitos de etnia albanesa em uma eleição disputada.

    Dezenas de soldados da força de paz da Otan ficaram feridos na segunda-feira (29) depois que confrontos eclodiram e manifestantes sérvios tentaram impedir que os prefeitos recém-eleitos tomassem posse em Zvecan, no norte do país.

    A Força Kosovo da Otan (KFOR) disse na terça-feira que enviará forças adicionais para a região após os confrontos, que resultaram em alguns de seus soldados feridos por cassetetes, armas de fogo e coquetéis molotov.

    Os manifestantes se reuniram novamente na quarta-feira (31), do lado de fora dos prédios municipais em Zvecan, de acordo com a mídia estatal sérvia.

    “Não estamos enfrentando manifestantes pacíficos, estamos enfrentando uma multidão de extremistas”, disse Kurti à CNN. “Esta é uma milícia fascista que atacou nossos policiais e soldados da Otan – e os jornalistas que estavam no local relatando”.

    No entanto, o governo de Kurti foi criticado pelos Estados Unidos e outros por “escalar” o conflito.

    “A decisão do governo do Kosovo de forçar o acesso aos prédios municipais aumentou drasticamente e desnecessariamente as tensões”, disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em nota na terça-feira.

    “O primeiro-ministro Kurti e seu governo devem garantir que os prefeitos eleitos cumpram suas funções de transição em locais alternativos fora dos prédios municipais e retirem as forças policiais da vizinhança”, disse Blinken.

    Após a declaração de Blinken, os EUA anunciaram uma série de medidas contra Kosovo para a crise “desnecessária”, incluindo o cancelamento de sua participação nos exercícios conjuntos da Otan liderados pelos EUA.

    Soldados da Força de Kosovo (KFOR) protegem escritório municipal em Zvecan 30/05/2023 REUTERS/Ognen Teofilovski

    O presidente francês, Emmanuel Macron, também disse na quarta-feira que as autoridades de Kosovo são responsáveis pelas crescentes tensões na região norte.

    “Deixámos claro às autoridades do Kosovo que foi um erro proceder a estas eleições neste contexto de virtual não-participação”, disse Macron numa conferência de imprensa conjunta na Eslováquia na quarta-feira, referindo-se ao boicote sérvio à votação.

    Quando questionado por Isa Soares, da CNN, se atenderia aos apelos para retirar a polícia kosovar dos municípios do norte, Kurti disse: “Enquanto houver uma multidão violenta do lado de fora do prédio, não posso ter apenas poucos policiais. Preciso ter policiais que mantenham a ordem, a paz e a segurança”.

    “Todos os organismos internacionais reconheceram as eleições que tivemos. Depois de reconhecer o processo eleitoral e seus resultados, os prefeitos devem ir aos municípios. Quem mais deveria estar nesses prédios municipais senão os prefeitos?”, ele adicionou.

    Eleições disputadas

    A violência de segunda-feira irrompeu depois que as tensões aumentaram por meses no norte de Kosovo devido às controversas eleições locais. Em 5 de novembro, quatro prefeitos pertencentes ao partido da Lista Sérvia renunciaram coletivamente, disse Kurti à CNN.

    Eles renunciaram em parte em protesto contra a emissão de placas de carros. Kosovo há anos deseja que os sérvios que vivem no norte troquem suas placas sérvias pelas emitidas por Pristina, a capital de Kosovo.

    Primeiro-ministro de Kosovo, Albin Kurti / 10/08/2022 REUTERS/Fedja Grulovic

    Em julho, o governo de Kosovo anunciou uma janela de dois meses em que as placas deveriam ser trocadas, mas adiou a data após protestos. Quando a nova data chegou em novembro, quatro prefeitos sérvios renunciaram, junto com juízes locais e cerca de 600 policiais, segundo a Reuters.

    Depois disso, Kurti disse que as eleições deveriam ser adiadas novamente, desta vez para abril.

    No entanto, o presidente sérvio Aleksandar Vucic pediu aos sérvios da região que boicotem as eleições, dizendo que não devem mais tolerar uma “ocupação” estrangeira. A Lista Sérvia apoiou o boicote, deixando candidatos de etnia albanesa concorrerem sem competição.

    Após o encerramento das urnas, as autoridades eleitorais disseram que apenas cerca de 1.567 pessoas votaram nos quatro municípios de maioria sérvia – uma participação de apenas 3,5%, de acordo com a mídia local. Em Zvecan, local da violência de segunda-feira, o prefeito albanês venceu a eleição por pouco mais de 100 votos, provocando protestos de que sua autoridade é ilegítima.

    “A participação foi bastante baixa por causa da pressão, chantagem e ameaças de Belgrado a todos os cidadãos sérvios, e em particular aqueles que planejavam concorrer”, disse Kurti à CNN.

    “Agora temos quatro prefeitos cuja legitimidade é baixa. Mas, no entanto, não há ninguém mais legítimo do que eles. Temos que ter o Estado de Direito. Somos uma república democrática”, acrescentou.

    Policiais inspecionam cabines de votação no Kosovo; pleito sofreu forte boicote dos sérvios / Reprodução/Reuters

    Meliza Haradinaj, ex-ministra de Relações Exteriores de Kosovo, disse à CNN que “as eleições foram avaliadas como justas e democráticas posteriormente por todos os países da Quint”, referindo-se ao grupo informal de tomada de decisão composto pelos EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Itália.

    “Agora que os prefeitos eleitos democraticamente (albaneses étnicos) querem começar a trabalhar em seus escritórios municipais, o mundo testemunhou violentas gangues sérvias impedindo à força a democracia de acontecer”, disse Haradinaj.

    Kosovo é uma “história de sucesso da Otan”

    Mas muitos sérvios étnicos da região se sentem sub-representados. A maioria dos sérvios do Kosovo vive nas regiões do norte e cada vez mais exige maior autonomia da maioria étnica albanesa.

    O governo de Kurti foi acusado de impedir a implementação de municípios autônomos para os sérvios, previstos nos termos do Acordo de Bruxelas de 2013 mediado pela União Europeia e destinado a normalizar as relações entre os vizinhos dos Bálcãs.

    Sob o acordo, a Sérvia poderia criar “municípios autônomos” no norte de Kosovo, mas estes teriam que operar sob o sistema legal kosovar, com a polícia kosovar permanecendo a única autoridade de aplicação da lei.

    Mais de uma década depois, esses municípios não foram criados, deixando acirradas as disputas sobre o grau de autonomia dos sérvios de Kosovo.

    “Temos uma comunidade sérvia em Kosovo que representa 4% da população. 93% são albaneses. E o restante, 3%, são outras minorias: ciganos, bósnios, turcos, egípcios, goranis. Queremos viver em uma sociedade multicultural”, disse Kurti à CNN.

    “Mas não podemos ter uma minoria privilegiada porque Belgrado lamenta a perda de Kosovo em 1999, quando a Otan interveio para impedir o genocídio do regime de (Slobodan) Milosevic”, acrescentou.

    Confrontos entre a polícia do Kosovo e manifestantes étnicos sérvios na cidade de Zvecan, Kosovo / 26/05/2023 REUTERS/Miodrag Draskic

    O Kosovo declarou independência da Sérvia em 2008, após a guerra de 1998-99, na qual os albaneses kosovares tentaram se separar do que era então a Iugoslávia, composta pela atual Sérvia e Montenegro.

    A Otan interveio para proteger a maioria albanesa do Kosovo de uma campanha de limpeza étnica orquestrada por Milosevic, inclusive conduzindo uma campanha de bombardeio aéreo na Iugoslávia.

    “Kosovo é uma história de sucesso da intervenção da Otan – é isso que incomoda tanto Belgrado quanto o Kremlin”, disse Kurti à CNN.

    Crescente influência russa

    Kurti traçou fortes contrastes entre Kosovo e a vizinha Sérvia, afirmando: “Somos uma república democrática e pró-europeia. Nosso vizinho do norte, a Sérvia, é uma autocracia pró-Rússia. Então não tem muita democracia lá, mesmo tendo eleições – já que eles têm um partido, um estado, um líder”.

    Ele também afirmou que muitos dos “extremistas ultranacionalistas de direita” que protestaram em Kosovo na segunda-feira “estão sendo pagos e recebem ordens de Belgrado e que admiram o despótico presidente Putin”.

    “A situação é clara: a Sérvia não quer a paz, porque serve para manter as tensões no norte do Kosovo, para que o Ocidente desvie sua atenção da Ucrânia”, disse Haradinaj à CNN. “Este é o manual de Putin, montar os Bálcãs como a próxima etapa da guerra na Ucrânia”.

    Soldados da força de paz da Otan entram em confronto com manifestantes sérvios do Kosovo na cidade de Zvecan / 29/05/2023 REUTERS/Laura Hasani

    Alguns temem que Vucic, que continua envolvido em turbulências políticas em casa, também esteja tentando usar o nacionalismo sérvio como um grito de guerra para seus apoiadores.

    Em comentários na terça-feira, Vucic afirmou que a violência pode representar uma ameaça para os sérvios étnicos na região, dizendo que a Sérvia tem “preocupação com a sobrevivência e segurança dos sérvios em Kosovo”.

    “Kosovo o está ajudando”, disse Bosko Jaksic, comentarista de política externa em Belgrado, à CNN.

    “Ele está construindo sua estatura patriótica em Kosovo. Ele é um grande defensor da causa sérvia. Ele é o salvador do povo sérvio […] Toda aquela retórica que ouvimos várias vezes antes está sendo usada novamente. E tem muita gente comprando”.

    Os manifestantes se reuniram novamente em Zvecan na quarta-feira, com funcionários do governo local, que costumavam trabalhar para o ex-prefeito sérvio, reunindo-se do lado de fora dos prédios municipais, segundo a mídia estatal sérvia RTS.

    Os manifestantes também carregaram uma bandeira sérvia de 250 metros de comprimento pelas ruas de Zvecan e penduraram mais bandeiras sobre barreiras e cercas antimotim colocadas pelas tropas da KFOR.

    *Com informações de Allegra Goodwin, Laura Ford, Jessie Gretener, Sugam Pokharel, Tara John, Sharon Braithwaite, Lauren Kent e Irene Nasser, da CNN.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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