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    Primeiro-ministro diz que não entregará Kosovo à “milícia fascista” sérvia

    Declaração do premiê acontece após confrontos no norte do país, onde sérvios protestam violentamente contra as eleições de prefeitos de etnia albanesa

    Isa SoaresChristian Edwardsda CNN*

    O primeiro-ministro de Kosovo, Albin Kurti, disse à CNN que não entregaria o país ao que descreveu como uma “milícia fascista” sérvia, após violentos protestos no norte devido à alocação de prefeitos de etnia albanesa em uma eleição disputada.

    Dezenas de soldados da força de paz da Otan ficaram feridos na segunda-feira (29) depois que confrontos eclodiram e manifestantes sérvios tentaram impedir que os prefeitos recém-eleitos tomassem posse em Zvecan, no norte do país.

    A Força Kosovo da Otan (KFOR) disse na terça-feira que enviará forças adicionais para a região após os confrontos, que resultaram em alguns de seus soldados feridos por cassetetes, armas de fogo e coquetéis molotov.

    Os manifestantes se reuniram novamente na quarta-feira (31), do lado de fora dos prédios municipais em Zvecan, de acordo com a mídia estatal sérvia.

    “Não estamos enfrentando manifestantes pacíficos, estamos enfrentando uma multidão de extremistas”, disse Kurti à CNN. “Esta é uma milícia fascista que atacou nossos policiais e soldados da Otan – e os jornalistas que estavam no local relatando”.

    No entanto, o governo de Kurti foi criticado pelos Estados Unidos e outros por “escalar” o conflito.

    “A decisão do governo do Kosovo de forçar o acesso aos prédios municipais aumentou drasticamente e desnecessariamente as tensões”, disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em nota na terça-feira.

    “O primeiro-ministro Kurti e seu governo devem garantir que os prefeitos eleitos cumpram suas funções de transição em locais alternativos fora dos prédios municipais e retirem as forças policiais da vizinhança”, disse Blinken.

    Após a declaração de Blinken, os EUA anunciaram uma série de medidas contra Kosovo para a crise “desnecessária”, incluindo o cancelamento de sua participação nos exercícios conjuntos da Otan liderados pelos EUA.

    Soldados da Força de Kosovo (KFOR) protegem escritório municipal em Zvecan 30/05/2023 REUTERS/Ognen Teofilovski

    O presidente francês, Emmanuel Macron, também disse na quarta-feira que as autoridades de Kosovo são responsáveis pelas crescentes tensões na região norte.

    “Deixámos claro às autoridades do Kosovo que foi um erro proceder a estas eleições neste contexto de virtual não-participação”, disse Macron numa conferência de imprensa conjunta na Eslováquia na quarta-feira, referindo-se ao boicote sérvio à votação.

    Quando questionado por Isa Soares, da CNN, se atenderia aos apelos para retirar a polícia kosovar dos municípios do norte, Kurti disse: “Enquanto houver uma multidão violenta do lado de fora do prédio, não posso ter apenas poucos policiais. Preciso ter policiais que mantenham a ordem, a paz e a segurança”.

    “Todos os organismos internacionais reconheceram as eleições que tivemos. Depois de reconhecer o processo eleitoral e seus resultados, os prefeitos devem ir aos municípios. Quem mais deveria estar nesses prédios municipais senão os prefeitos?”, ele adicionou.

    Eleições disputadas

    A violência de segunda-feira irrompeu depois que as tensões aumentaram por meses no norte de Kosovo devido às controversas eleições locais. Em 5 de novembro, quatro prefeitos pertencentes ao partido da Lista Sérvia renunciaram coletivamente, disse Kurti à CNN.

    Eles renunciaram em parte em protesto contra a emissão de placas de carros. Kosovo há anos deseja que os sérvios que vivem no norte troquem suas placas sérvias pelas emitidas por Pristina, a capital de Kosovo.

    Primeiro-ministro de Kosovo, Albin Kurti / 10/08/2022 REUTERS/Fedja Grulovic

    Em julho, o governo de Kosovo anunciou uma janela de dois meses em que as placas deveriam ser trocadas, mas adiou a data após protestos. Quando a nova data chegou em novembro, quatro prefeitos sérvios renunciaram, junto com juízes locais e cerca de 600 policiais, segundo a Reuters.

    Depois disso, Kurti disse que as eleições deveriam ser adiadas novamente, desta vez para abril.

    No entanto, o presidente sérvio Aleksandar Vucic pediu aos sérvios da região que boicotem as eleições, dizendo que não devem mais tolerar uma “ocupação” estrangeira. A Lista Sérvia apoiou o boicote, deixando candidatos de etnia albanesa concorrerem sem competição.

    Após o encerramento das urnas, as autoridades eleitorais disseram que apenas cerca de 1.567 pessoas votaram nos quatro municípios de maioria sérvia – uma participação de apenas 3,5%, de acordo com a mídia local. Em Zvecan, local da violência de segunda-feira, o prefeito albanês venceu a eleição por pouco mais de 100 votos, provocando protestos de que sua autoridade é ilegítima.

    “A participação foi bastante baixa por causa da pressão, chantagem e ameaças de Belgrado a todos os cidadãos sérvios, e em particular aqueles que planejavam concorrer”, disse Kurti à CNN.

    “Agora temos quatro prefeitos cuja legitimidade é baixa. Mas, no entanto, não há ninguém mais legítimo do que eles. Temos que ter o Estado de Direito. Somos uma república democrática”, acrescentou.

    Policiais inspecionam cabines de votação no Kosovo; pleito sofreu forte boicote dos sérvios / Reprodução/Reuters

    Meliza Haradinaj, ex-ministra de Relações Exteriores de Kosovo, disse à CNN que “as eleições foram avaliadas como justas e democráticas posteriormente por todos os países da Quint”, referindo-se ao grupo informal de tomada de decisão composto pelos EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Itália.

    “Agora que os prefeitos eleitos democraticamente (albaneses étnicos) querem começar a trabalhar em seus escritórios municipais, o mundo testemunhou violentas gangues sérvias impedindo à força a democracia de acontecer”, disse Haradinaj.

    Kosovo é uma “história de sucesso da Otan”

    Mas muitos sérvios étnicos da região se sentem sub-representados. A maioria dos sérvios do Kosovo vive nas regiões do norte e cada vez mais exige maior autonomia da maioria étnica albanesa.

    O governo de Kurti foi acusado de impedir a implementação de municípios autônomos para os sérvios, previstos nos termos do Acordo de Bruxelas de 2013 mediado pela União Europeia e destinado a normalizar as relações entre os vizinhos dos Bálcãs.

    Sob o acordo, a Sérvia poderia criar “municípios autônomos” no norte de Kosovo, mas estes teriam que operar sob o sistema legal kosovar, com a polícia kosovar permanecendo a única autoridade de aplicação da lei.

    Mais de uma década depois, esses municípios não foram criados, deixando acirradas as disputas sobre o grau de autonomia dos sérvios de Kosovo.

    “Temos uma comunidade sérvia em Kosovo que representa 4% da população. 93% são albaneses. E o restante, 3%, são outras minorias: ciganos, bósnios, turcos, egípcios, goranis. Queremos viver em uma sociedade multicultural”, disse Kurti à CNN.

    “Mas não podemos ter uma minoria privilegiada porque Belgrado lamenta a perda de Kosovo em 1999, quando a Otan interveio para impedir o genocídio do regime de (Slobodan) Milosevic”, acrescentou.

    Confrontos entre a polícia do Kosovo e manifestantes étnicos sérvios na cidade de Zvecan, Kosovo / 26/05/2023 REUTERS/Miodrag Draskic

    O Kosovo declarou independência da Sérvia em 2008, após a guerra de 1998-99, na qual os albaneses kosovares tentaram se separar do que era então a Iugoslávia, composta pela atual Sérvia e Montenegro.

    A Otan interveio para proteger a maioria albanesa do Kosovo de uma campanha de limpeza étnica orquestrada por Milosevic, inclusive conduzindo uma campanha de bombardeio aéreo na Iugoslávia.

    “Kosovo é uma história de sucesso da intervenção da Otan – é isso que incomoda tanto Belgrado quanto o Kremlin”, disse Kurti à CNN.

    Crescente influência russa

    Kurti traçou fortes contrastes entre Kosovo e a vizinha Sérvia, afirmando: “Somos uma república democrática e pró-europeia. Nosso vizinho do norte, a Sérvia, é uma autocracia pró-Rússia. Então não tem muita democracia lá, mesmo tendo eleições – já que eles têm um partido, um estado, um líder”.

    Ele também afirmou que muitos dos “extremistas ultranacionalistas de direita” que protestaram em Kosovo na segunda-feira “estão sendo pagos e recebem ordens de Belgrado e que admiram o despótico presidente Putin”.

    “A situação é clara: a Sérvia não quer a paz, porque serve para manter as tensões no norte do Kosovo, para que o Ocidente desvie sua atenção da Ucrânia”, disse Haradinaj à CNN. “Este é o manual de Putin, montar os Bálcãs como a próxima etapa da guerra na Ucrânia”.

    Soldados da força de paz da Otan entram em confronto com manifestantes sérvios do Kosovo na cidade de Zvecan / 29/05/2023 REUTERS/Laura Hasani

    Alguns temem que Vucic, que continua envolvido em turbulências políticas em casa, também esteja tentando usar o nacionalismo sérvio como um grito de guerra para seus apoiadores.

    Em comentários na terça-feira, Vucic afirmou que a violência pode representar uma ameaça para os sérvios étnicos na região, dizendo que a Sérvia tem “preocupação com a sobrevivência e segurança dos sérvios em Kosovo”.

    “Kosovo o está ajudando”, disse Bosko Jaksic, comentarista de política externa em Belgrado, à CNN.

    “Ele está construindo sua estatura patriótica em Kosovo. Ele é um grande defensor da causa sérvia. Ele é o salvador do povo sérvio […] Toda aquela retórica que ouvimos várias vezes antes está sendo usada novamente. E tem muita gente comprando”.

    Os manifestantes se reuniram novamente em Zvecan na quarta-feira, com funcionários do governo local, que costumavam trabalhar para o ex-prefeito sérvio, reunindo-se do lado de fora dos prédios municipais, segundo a mídia estatal sérvia RTS.

    Os manifestantes também carregaram uma bandeira sérvia de 250 metros de comprimento pelas ruas de Zvecan e penduraram mais bandeiras sobre barreiras e cercas antimotim colocadas pelas tropas da KFOR.

    *Com informações de Allegra Goodwin, Laura Ford, Jessie Gretener, Sugam Pokharel, Tara John, Sharon Braithwaite, Lauren Kent e Irene Nasser, da CNN.

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