Premiê do Kosovo já admite refazer eleições para encerrar conflitos
Mesmo a contragosto, Albin Kurti admitiu a possibilidade de realizar novo pleito nos quatro municípios ao norte do país para conseguir uma “desescalada do atual clima de violência” com a população sérvia


O primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti, já admite refazer as eleições nos quatro municípios ao norte do país, que resultaram em confrontos com a população de maioria sérvia na região e criou o temor de uma nova escalada de violência que reeditasse a sangrenta guerra com o governo de Belgrado. As informações são do jornal italiano Corriere della Sera.
“Para conseguir uma desescalada do atual clima de violência, estou pronto para continuar no caminho do reconhecimento mútuo”, diz Kurti, afirmando que pretende seguir os termos do acordo assinado em fevereiro com o presidente da Sérvia, Alexsandar Vucic, que estabelece índices de autonomia para a população sérvia. Embora estes sejam minoria em todo o Kosovo, representa a ampla maioria na região norte do país.
Dentro dessa lógica de seguir os termos do acordo, Kurti cogita a realização de novo pleito. “Depois haverá novas eleições. E quando não houver mais nenhuma ameaça, tirarei a Polícia Kosovar das ruas, como muitos setores me pedem para fazer”, comenta. “Este é o roteiro que ofereço a todos, em nome da paz”.
As declarações chegam um dia após a presidente do Kosovo, Vjosa Osmani, afirmar que o país ‘está pronto” para realizar novas eleições locais, desde que sejam “desencadeadas por um processo legal”. A frase veio durante uma cúpula com países da Otan e convidados, na Moldávia. Na ocasião, ela foi pressionada pelo presidente francês Emmanuel Macron e pelo chanceler alemão Olaf Scholz a dar um posicionamento mais aberto em relação ao tema.
As declarações recentes, tanto da presidente quanto do premiê do Kosovo deixam claro que ambos agem por pressão do Ocidente. Os países integrantes da Otan têm deixado claro que não apoiam os atos de Pristina e que eles têm colaborado para a escalada de violência. Essa pressão fez com que Kurti e Osmani se pronunciassem em prol da realização de novas eleições, mas a medida não segue os ímpetos dos líderes kosovares.
“França, Alemanha e Estados Unidos são nossos parceiros indispensáveis. Mas isso não significa que eles estão sempre certos. Somos o país mais democrático dos Bálcãs, isso significa alguma coisa. Exigimos respeito e justiça. Entre o Kosovo europeu e a Sérvia de Putin, a escolha deveria ser lógica”, afirmou Kurti, também ao Corriere.
Mesmo de mau grado, as palavras de Kurti devem provocar um apaziguamento, ainda que temporário, na conturbada situação envolvendo as quatro cidades do norte do Kosovo envolvidas. Afinal de contas, representa um degrau a menos no tom, já que dois dias antes afirmou que os sérvios que protestavam contra as eleições eram “multidão de extremistas” e “milícia fascista”.
Em meio às falas, os confrontos seguiram fortes. A população sérvia dos quatro municípios do norte se mobilizaram para impedir a posse dos novos prefeitos, todos de etnia albasena-kosovar, resultando em confrontos com a Polícia do Kosovo e também com as forças de paz da Otan. Os conflitos deixaram mais de 70 feridos, entre militares e manifestantes.
Sérvia não reconhece o Kosovo
Desde o fim da guerra de independência do Kosovo, em 1999, o país segue em momentos alternados de paz e tensão com a Sérvia. Desde 2008, um acordo de paz entre os países reduziu a temperatura, embora jamais tivesse arrefecido totalmente os ânimos de ambos os lados.
Ao fim e ao cabo, a situação segue inalterada na sua raiz: a Sérvia não reconhece o Kosovo como um país independente e continua afirmando que faz parte de seu território. Etnicamente a população do Kosovo é de origem albanesa, diferente dos sérvios, que compõem a população eslava dos Bálcãs. Belgrado argumenta que admitir a independência do Kosovo seria apenas um passo para que o país fosse posteriormente incorporado à Albânia. O único fator que impede que a Sérvia ataque o Kosovo é a presença de tropas da Otan no território.
Início das novas tensões
Em meio a esta coexistência tensa, o governo do Kosovo – não reconhecido pela Sérvia – anunciou no ano passado uma determinação que foi a origem dos conflitos desta semana: a troca das placas de veículos da população sérvia por outras emitidas pelo governo de Pristina. Os protestos fizeram com que o prazo fosse estendido de julho para novembro, mas quando a medida finalmente entrou em vigor os prefeitos das quatro cidades com maioria sérvia no norte do país – Zvecan, Zubin Potok, Leposavic e Mitrovica – renunciaram a seus cargos.
Os problemas aumentaram quando o governo do Kosovo anunciou eleições em dezembro para substituir os prefeitos que renunciaram. A ameaça de confrontos fez com que as eleições fossem adiadas. Nesse período, a fervura já era incontrolável e, quando o pleito foi realizado, no dia 23 de abril, a população sérvia boicotou as eleições, alegando que elas eram ilegítimas.
Mesmo sem os sérvios, as eleições foram realizadas, gerando ira entre os sérvios. Apenas 3,47% dos eleitores (1.566 albaneses e 13 sérvios) compareceram às urnas. Mesmo assim, Kosovo anunciou que os prefeitos tomariam posse. O primeiro assumiu no último dia 19, em Mitrovica.
A posse do primeiro alcaide fez com que os sérvios corressem às prefeituras das outras três cidades para impedir que os prefeitos de origem albanesa assumissem os cargos. Houve confrontos intensos em Zvecan e Leposavic. Enquanto isso, a Sérvia colocou tropas na fronteira em prontidão.