Por que se formam as nuvens de gafanhotos?
O animal forma grupos com milhares de indivíduos e acaba atacando plantações - locais com uma abundância de alimento para os insetos


As nuvens de gafanhotos voltaram a chamar a atenção nesta quinta-feira (10) após invadirem mais de 100 fazendas na África do Sul e devastarem plantações, em situação semelhante à ocorrida na Argentina em setembro – que quase atingiu o Brasil.
De acordo com a pesquisadora especialista em gafanhotos e doutora em Zoologia pela PUCRS, Kátia Matiotti, as tais nuvens de gafanhotos que podem destruir plantações em segundos são formadas por espécies migratórias, que ao encontrar condições adversas, como falta de alimento e condições climáticas desfavoráveis, juntam-se em enormes grupos para viajar.
Por esse motivo, o animal forma grupos com milhares de indivíduos e acaba atacando plantações – locais com uma abundância de alimento para os insetos.
A espécie de gafanhoto que vem causando devastação no sul do continente africano é a Schistocerca gregaria, mais conhecida como gafanhoto-do-deserto. Ela é nativa da região semiárida do Carú, distribuída ao longo de três províncias no país, e é conhecida regionalmente pelo potencial destrutivo.

Ela pertence ao mesmo gênero que causou danos a plantações na Argentina e assustou agricultores brasileiros: o Schistocerca.
A prima sul-americana é a Schistocerca cancellata. De acordo com a pesquisadora, esta é uma espécie bastante voraz, e pode provocar um dano significativo para a economia nacional.
Este gafanhoto, de acordo com os especialistas, pode se alimentar de diversos tipos de plantas – ou seja, pode ser um problema para os mais diversos tipos de produções agrícolas.
O grupo que chamou a atenção em setembro possuía cerca de 40 milhões de gafanhotos e formou-se no Paraguai. Ela devastou plantações em alguns países vizinhos, como a Argentina, e quase chegou ao Rio Grande do Sul, mas se dispersou antes.
“A sorte dos brasileiros foi a chegada de uma frente fria no RS”, Matiotti afirma. “Os grupos do Schistocerca cancellata se dispersam diante de temperaturas baixas e chuvosas. Naquela semana, em que os gafanhotos poderiam chegar às plantações, as temperaturas caíram drasticamente”.
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Ela esclarece que estes animais preferem locais mais quentes e secos para se reproduzir e viver, e portanto grandes grupos se separam em busca de melhores ambientes quando desafiados por temperaturas baixas.
A formação destes bandos enormes do inseto não é um evento totalmente isolado. Foram registrados outras vezes na América do Sul e África, mas são raros.
Algumas condições ambientais facilitam a formação destas nuvens. Invernos mais quentes, conhecidos como “invernos benignos”, e uma quantidade de chuvas adequada podem fazer com que a espécie chegue a reproduzir três gerações em apenas um ano, aumentando exponencialmente o número de indivíduos em um curto período de tempo.
No Brasil
Na semana passada, algumas notícias sobre um novo surto de gafanhotos colocaram em alerta agricultores do Brasil, em especial os do Rio Grande do Sul, mais próximos do fenômeno.
Apesar do alarde, Kátia Matiotti afirma que não há necessidade de pânico. Este novo grupo de insetos que surgiu recentemente, não é uma nuvem.
“É preciso ter cuidado no uso dos termos. Em setembro, de fato vimos uma nuvem de gafanhotos, agora, temos focos de aglomeração menores, mas não nuvens”, explica. “Essa confusão de termos pode causar um alerta maior que o necessário”.
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Katia Matiotti, que identificou as espécies de gafanhoto responsáveis pelos focos, explica que os animais em questão são bastante diferentes do Schistocerca cancellata.

Foram identificados grupos de indivíduos adultos da espécie Zoniopoda iheringi e de ninfas da espécie Chromacris speciosa. “As duas são de uma mesma família, a Romaleidae, que não possui hábitos migratórios, e portanto, não formam nuvens”, esclarece a especialista.
“São espécies endêmicas, de ocorrência natural e que normalmente não são pragas de importância agrícola. A ocorrência é esperada, devido ao clima seco e à baixa precipitação acumulada nas últimas semanas de verão”, adiciona.
Os focos foram registrados nas cidades gaúchas de Santo Augusto, São Valério do Sul, Chiapeta, Coronel Bicaco, Campo Novo e Bom Progresso.
Gafanhotos na natureza
Apesar de algumas espécies de gafanhotos poderem arrasar plantações quando acumuladas, o impacto desses animais na natureza é amplamente positivo.
“Tentar matar muitos indivíduos [de gafanhotos] com químicos, por exemplo, pois a morte desses animais, pode prejudicar outras espécies, como os inimigos naturais destes insetos”, explica Matiotti. Inimigos naturais de espécies são aqueles animais que se alimentam destes, que no caso dos gafanhotos, são pássaros, sapos, entre outros. No caso de uma queda muito grande na população de gafanhotos, esses animais ficam com menos opções de alimento.
“Os gafanhotos são considerados desfolhadores naturais que fazem parte da reciclagem de nutrientes no solo e, por consequência, são elementos indispensáveis nas cadeias alimentares de uma comunidade”, afirma. Desta forma, ao se alimentar, os gafanhotos trituram pedaços das folhas, e alguns destes atingem o solo, que a partir da decomposição destes materiais, se torna mais fértil.
*sob supervisão de