Por que três policiais envolvidos na morte de George Floyd não foram acusados?
Dos quatro policiais na cena, apenas Derek Chauvin, flagrado com o joelho sobre o pescoço do homem, foi detido até o momento


O irmão de George Floyd, Philonise, tinha um questionamento claro para o chefe de polícia de Minneapolis no último domingo (31). “Quero saber se ele vai trazer justiça para o meu irmão, prender todos os agentes e condená-los”, disse à CNN.
A pergunta envolvendo o destino legal dos quatro policiais presentes durante a morte de Floyd tem grande significado, dados os protestos em escala nacional que já adentram o oitavo dia consecutivo.
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Derek Chauvin, o policial visto com o joelho sobre o pescoço de Floyd por quase nove minutos, foi acusado na última sexta-feira (29) de assassinato em terceiro grau — o equivalente a homicídio culposo. Os outros três agentes na cena — Thomas Lane, J.A. Kueng e Tou Thao — não foram acusados, apesar dos pedidos da família e dos manifestantes. Os quatro foram demitidos dois dias após a morte de Floyd, cujo vídeo causou um levante.
“Se eles querem que os protestos parem, o promotor do distrito deve se levantar e fazer seu trabalho”, disse o presidente da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, uma instituição americana de defesa dos direitos civis), Derrick Johnson. “É muito infeliz que tenha demorado tanto para indiciar uma pessoa, todos os três devem ser levados à Justiça”.
A decisão está nas mãos do advogado-geral de Minnesota, Keith Ellison, que foi nomeado no domingo pelo governador Tim Walz para liderar o caso. A família de Floyd e o conselho municipal da cidade de Minneapolis pediram que Ellison assumisse o caso do advogado do condado de Hennepin, Mike Freeman.
Ellison, um ex-deputado democrata, disse anteriormente que tinha “toda a expectativa” de apresentar queixas contra os agentes e que esperava que isso acontecesse logo.
No entanto, nesta segunda (1º), após assumir o caso, ele alertou contra um julgamento precoce e disse que os promotores serão cuidadosos e metódicos ao apresentar acusações.
“Estamos prosseguindo tão rápido e eficiente quanto podemos”, disse. “Mas preciso proteger o caso. Não vou criar uma situação em que se possa dizer que foi um julgamento apressado”.
‘Coniventes’
Ellison disse que qualquer acusação contra um policial precisa estar redonda, dada a dificuldade desses casos.
Agentes de polícia raramente são acusados por crimes de violência contra homens negros, e nessas raras situações, júris mostraram pouca disposição para condená-los. A lista desses casos é longa.
Os policiais envolvidos no espancamento de Rodney King em 1992 não foram condenados. Em 2014, um grande-júri rejeitou as queixas contra o policial de Nova York acusado de enforcar Eric Garner. O julgamento de Michael Slager, policial acusado de atirar em Walter Scott, um motorista negro desarmado, terminou em 2016 com um empate e nenhuma conclusão. Em 2016, nenhum dos seis policiais envolvidos na morte de Freddie Gray foram condenados. O policial que atirou em Philando Castile em 2017 não foi condenado por todas as acusações.
Os poucos processos bem-sucedidos envolvendo policiais, incluindo as condenações por assassinato do ex-policial de Minneapolis Mohamed Noor e a ex-policial de Dallas Amber Guyger, tinham dinâmicas diferentes de raça e gênero.
O chefe de polícia de Minneapolis, Medaria Arradondo, disse que o silêncio dos quatro policiais envolvidos na morte de Floyd e a passividade diante do caso fazia deles ‘coniventes’.
“Silêncio e passividade, você é conivente”, disse. “Uma única voz que interviesse e agisse, isso é o que eu esperava”.
Ellison disse nesta segunda que não poderia comentar a investigação, mas elogiou o comentário de Arradondo sobre a passividade.
“Eu confio plenamente nas observações do chefe”, disse. “Ele tem a experiência, o conhecimento e a integridade de fazer esse comentário”.
O papel de Ellison é decidir se essa conivência é criminosa.
Elie Honig, um analista legal da CNN e ex-promotor federal, disse que a acusação contra Chauvin era clara apenas pelo vídeo. No entanto, um caso contra os outros policiais vai requerer um exame mais meticuloso de suas ações — ou a falta delas.
“As questões-chaves são o que cada policial viu e ouviu, e o que eles fizeram e disseram”, disse. “Você tem que conseguir recriar a situação momento a momento para determinar se eles podem ser responsabilizados legalmente”.
Possível acusação de cumplicidade
Se os três policiais forem indiciados, seria provavelmente por cumplicidade, disse Honig. A ideia é que se você ajuda, aconselha ou facilita que alguém cometa um crime, você é responsável por aquele crime também, explica.
Don Lewis, o promotor do caso de Castile, disse que as acusações de cumplicidade eram “muito prováveis” e que esperava que acontecessem dentro de 30 dias.
“Eu acredito que você tem que se assegurar que a evidência apoia essas acusações. Mas também concordo que você tem que agir com urgência”, disse.
Porém, ele reconhece que o caso contra os policiais não é impecável.
“Tem algumas evidências fortes, mas também alguns pontos fracos que a defesa poderia se beneficiar”, opinou.
A declaração na queixa contra Chauvin dá algumas dicas. O texto diz repetidamente que os guardas não saíram de suas posições quando Chauvin se ajoelhou sobre o pescoço e a cabeça de Floyd, que suplicava dizendo que não conseguia respirar.
Um policial, identificado como Lane, se manifestou várias vezes, diz a queixa. Enquanto segurava as pernas de Floyd, ele pergunta “será que deveríamos colocá-lo de lado?”, o que Chauvin responde “não, vamos ficar onde o pegamos”. Lane diz então “Estou preocupado com delírio induzido [condição em que uma pessoa demonstra comportamento violento, insensibilidade a dor e força incomum] ou algo assim”, e Chauvin rebate “é por isso que colocamos ele de bruços”, diz o texto.
Após algum tempo, depois que o vídeo mostra que Floyd parou de falar ou respirar, Lane supostamente diz querer “colocar [Floyd] de lado. Kueng checa o pulso e diz que não encontra. Nenhum dos policiais sai de suas posições.
O relatório diz que o joelho de Chauvin permaneceu sobre o pescoço de Floyd três minutos depois que ele ficou inerte. O homem saiu do local em uma ambulância e foi declarado morto no Centro Médico do Condado de Hennepin, diz o documento.
Uma autópsia independente diz que Floyd morreu de “asfixia por pressão contínua“. Segundo o advogado da família, o exame mostra que todos os policiais deveriam ser condenados.
“A morte do sr. Floyd foi um homicídio dos policiais, que o provocaram enquanto o seguraram por oito minutos”, disse em nota. “E o policial que ficou lá e não fez nada era um escudo — um símbolo vivo do código de silêncio”.
(Texto traduzido, leia o original em inglês)