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    Com estigma racial nos EUA, negros relatam temor de usar máscara em público

    Recomendação de utilizar as peças improvisadas em público vai muito além da questão de saúde

    Fernando Alfonso III , Da CNN

    O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) recomenda agora que todos os norte-americanos usem máscaras caseiras ao saírem de casa para ajudar a conter a disseminação do novo coronavírus. Mas Trevor Logan, professor de economia na Universidade do Estado de Ohio, não seguirá essa recomendação.

    “Temos muitos exemplos de suposta criminalidade de homens negros em geral”, afirmou Logan, que é negro, à CNN. “E então recebemos o conselho de sair em público com algo que certamente pode ser interpretado como criminoso ou ilegal, principalmente quando aplicado ao negro.”

    Logan não está sozinho. Nas redes sociais e em entrevistas à CNN, um grande número de pessoas negras – ativistas, acadêmicos e norte-americanos em geral – expressaram o medo de que as máscaras caseiras possam exacerbar um perfil racial e colocar negros e latinos em perigo.

    “Não me sinto seguro usando um lenço ou algo parecido, que não é claramente uma máscara de proteção, cobrindo o meu rosto em uma loja porque sou um homem negro vivendo neste mundo”, escreveu no Twitter Aaron Thomas, professor em Ohio. “Quero viver, mas também quero continuar vivo.” O tuíte dele tem mais de 121 mil curtidas.

    A recomendação do CDC de usar máscaras feitas em casa surgiu após a disparada no número de casos confirmados do novo coronavírus, e a escassez de suprimentos médicos tornou as máscaras cirúrgicas de nível profissional praticamente indisponíveis à maioria dos norte-americanos.

    Em entrevista à CNN, Logan esclareceu que, durante a pandemia, faz sentido pedir às pessoas para protegerem os rostos de qualquer forma possível. Mas também faz sentido não usar essa proteção se você for uma pessoa negra, afirmou ele.

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    “Isso [usar uma máscara caseira] parece uma resposta sensata, a menos que você meio que tire uma parte da sociedade disso. Quando você faz isso, está praticamente dizendo às pessoas para parecerem perigosas, dado os estereótipos raciais que estão por aí”, explicou.

    “Isso ocorre no contexto mais amplo de homens negros que se encaixam na descrição de um suspeito com um capuz, que tem o rosto coberto”, ressaltou Logan. “Parece com quase todo retrato falado de qualquer suspeito negro.”

    Estigmas

    Nos EUA, a justiça criminal e a moda criam uma combinação fatal. Bandanas, principalmente de algumas cores, são muito associadas a membros de gangues e à violência, afirmou Cyntoria Johnson, professora assistente no Departamento de Justiça Criminal e Criminologia da Universidade do Estado de Ohio.

    A gangue Bloods and Crips, das ruas da Califórnia, costumam usar bandanas coloridas ou lenços como um sistema de identificação, de acordo com o Departamento de Polícia de Los Angeles. A corporação também descreve o “uniforme de gangues hispânicas”, incluindo “uma bandana amarrada na testa, similar a uma faixa”.

    “As pessoas negras precisam tomar decisões conscientes todos os dias sobre a forma com que se mostram ao mundo e são perseguidas por outros, especialmente a polícia”, afirmou Johnson.

    Os perfis raciais feitos pela polícia nos EUA têm sido documentados em estudos como o Projeto de Policiamento Aberto de Stanford, que examinou 100 milhões de revistas em traficantes e pedestres, de 2011 a 2017, e descobriu que os agentes costumam parar mais pessoas negras do que brancas. Nos últimos anos, a violência de policiais contra negros aumentou o medo desta população em relação aos agentes.

    Mas esta nuance não foi levada em consideração na sexta-feira, quando o CDC instruiu as pessoas a usarem “peças para cobrir o rosto em locais públicos onde outras medidas de distanciamento social são difíceis de manter”.

    A recomendação também inclui um vídeo do Cirurgião Geral dos EUA (chefe do Corpo de Comissionados do Serviço de Saúde Pública do país), Jerome Adams, mostrando como transformar uma bandana, cachecol ou uma antiga camiseta em uma máscara.

    “Igualdade na saúde e interações complexas entre etnia e saúde sempre foram as áreas de foco do meu escritório”, disse Adams em um comunicado enviado à CNN. “Entendo o medo que as comunidades negras têm com a questão dos perfis raciais, e estou trabalhando com a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas Negras (NAACP, em inglês), a Associação Médica Nacional (NMA, em inglês) e outras organizações que representam pessoas negras para garantir que ninguém seja indevidamente prejudicado pela COVID-19 ou pela resposta a ela”, afirmou.

    O guia do CDC sobre fazer máscaras caseiras é um exemplo de efeitos heterogêneos, destacou Robynn Cox, professor assistente no Departamento de Mudança Social e Inovação da Universidade do Sul da Califórnia.

    “Só porque uma coisa pode funcionar ou ser verdadeira para a maioria, não quer dizer que seja verdade também, ou que funcione da mesma forma, para grupos diferentes”, disse Cox à CNN por e-mail. “Claramente, há custos adicionais que os negros precisam considerar quando escolhem qual item de proteção vão usar.”

    Dilema

    Uma organização muito familiarizada com o histórico problemático dos EUA com a questão da etnia é a União Norte-Americana pelas Liberdades Civis (Aclu, em inglês). Andrea Young, diretora executiva da Aclu na Geórgia, caracterizou o guia do CDC como “mais um exemplo de insensibilidade racial que permeia a resposta a esta pandemia”.

    “Até o momento, nem as autoridades federais e nem as estaduais da Geórgia estão tratando das disparidades raciais no que diz respeito ao acesso à assistência médica, à internet e à habilidade de fazer home office (trabalho remoto). Os negros norte-americanos estão sofrendo desproporcionalmente com esta pandemia”, afirmou ela.

    O CDC não respondeu aos pedidos da CNN para comentar o assunto.

    Esse temor sobre usar máscaras caseiras surgiu após dados do governo mostrarem que o surto da COVID-19 está mais concentrado em áreas metropolitanas dos EUA, como Nova York e região sudeste, onde vive grande parte das comunidades negras e latinas. Trabalhadores de ambos os grupos também estão “menos propensos” a conseguirem trabalhar de casa, de acordo com um relatório do Instituto de Política Econômica.

    “Os guias para fazer máscaras caseiras falharam em lidar com essa realidade”, disse ReNika Moore, diretora do Programa de Justiça Racial da Aclu. “Para muitas pessoas negras, decidir entre usar e não usar uma bandana em público para proteger a si e aos outros de contrair o novo coronavírus é uma situação na qual perdem dos dois lados, pois pode resultar em consequências com risco de morte em ambos os caminhos”, explicou Moore.

    “Não usar uma bandana de proteção vai contra as recomendações do CDC e aumenta o risco de contrair COVID-19, mas usá-la pode significar correr o risco de levar um tiro ou ser morto por causa da segmentação racialmente tendenciosa”, ressaltou ela.

    Mesmo assim, Che Johnson-Long, funcionária negra do Centro de Ação para Justiça Racial, em Atlanta, afirmou que planeja usar a peça em público. “Usarei uma máscara porque ela pode proteger outras pessoas do que eu posso ter”, disse ela. 

    “Mas o que eu também vou fazer enquanto estiver com a máscara é tudo que já faço por ser uma negra em Atlanta. Mandarei mensagens para outras pessoas antes de sair de casa para que alguém saiba onde estou. Vou me certificar de viajar com alguém que conheço ou avisar quando voltar para casa”, contou.

    “Se eu for caminhar, vou lembrar de cumprimentar as pessoas para que elas possam me reconhecer e ver que moro no bairro”, disse Johnson-Long. “Farei todas as coisas que eu faria se tivesse medo de ser parada por um policial.”

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