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    PNUD diz que propostas do Brasil vão ajudar a resolver dívidas de países em desenvolvimento

    Em entrevista exclusiva à CNN, durante a COP28, chefe do programa de desenvolvimento da ONU diz que presidência do G20 vai ser fundamental para discussões sobre reformas das instituições financeiras globais

    Homem passa em frente a bandeiras antes da reunião de cúpula do G20 em Nova Delhi, Índia
    Homem passa em frente a bandeiras antes da reunião de cúpula do G20 em Nova Delhi, Índia 08/09/2023 REUTERS/Anushree Fadnavis

    Américo Martinsda CNN

    Enviado especial a Dubai, Emirados Árabes Unidos

    O chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Achim Steiner, disse em entrevista exclusiva à CNN que a presidência do Brasil no G20 vai ser fundamental para ajudar a resolver o problema do endividamento dos países em desenvolvimento.

    “Com a presidência do Brasil e com o que o presidente Lula já sinalizou em termos de arquitetura e reforma das instituições financeiras internacionais, talvez este seja o momento em que finalmente o G20 possa dar o sinal para um avanço, porque o problema (das dívidas dos países em desenvolvimento) está realmente piorando”, disse ele.

    Na entrevista, Steiner também deu detalhes sobre uma nova iniciativa lançada pelo PNUD na COP28 para apoiar o acesso dos países em desenvolvimento aos mercados de carbono e mitigar os seus riscos sociais e ambientais.

    O chefe do PNUD disse à CNN que a iniciativa vai dar mais credibilidade ao sistema de compra e venda de créditos de carbono e vai diminuir o poder dos países mais ricos, que ditam as regras desse mercado, impondo os valores que querem pagar aos países mais pobres por seus créditos.

    O programa vai envolver governos, empresas do setor privado, investidores, sociedade civil, povos indígenas e comunidades locais para colaborarem em formas de alcançar mercados de carbono de alta integridade.

    O PNUD promete ainda oferecer assistência técnica e jurídica aos governos dos países em desenvolvimento e vai tentar ainda operacionalizar princípios de alta integridade na tomada de decisões e práticas dos países anfitriões para todos os tipos de mercados de carbono.

    Steiner nasceu no Brasil, na cidade de Carazinho, no Rio Grande do Sul. No entanto, ele construiu sua carreira na Alemanha, país de origem de sua família, antes de entrar no sistema da ONU.

    Leia abaixo os melhores trechos da entrevista exclusiva à CNN

    CNN – Um dos elementos-chave no combate às mudanças climáticas é o financiamento. E os países em desenvolvimento não acreditam que vão conseguir um acordo justo para compensá-los. Como podemos mudar isso?

    Achim Steiner – Bem, antes de mais nada, acho que vimos aqui em Dubai um avanço: o fundo de perdas e danos é um avanço significativo, alcançado apenas um ano após a decisão de criá-lo. Ele já recebeu promessas de aportes de cerca de US$ 700 milhões. Portanto, estes são exemplos de como os países podem trabalhar juntos, investir juntos, financiar juntos e penso que isto é muito importante. Às vezes parece que apenas um lado tem que financiar o combate às mudanças climáticas. Mas os países em desenvolvimento já estão gastando bilhões de dólares em transição energética, em adaptação, em lidar com perdas e danos. Então acho que isso é uma parte do co-investimento do Norte e do Sul.

    Em segundo lugar, temos que alavancar os mercados de capitais e também temos de olhar para outras oportunidades, como os mercados de carbono. E o PNUD lançou aqui em Dubai uma proposta de regular os mercados de carbono com alta integridade para ajudar particularmente os países em desenvolvimento a terem uma posição de negociação mais forte devido à essa integridade.

    CNN – Isso será crítico para esse mercado no futuro. O que esta iniciativa implica? Quais são os detalhes que o senhor pode antecipar?

    Achim Steiner – Bem, para nós, está bastante claro que até agora foi o lado da demanda que ditou os termos destes mercados de carbono. Geralmente os poluidores do chamado Norte Global são capazes de comprar créditos de carbono do Sul Global e toda a negociação ocorre do ponto de vista dos compradores. O PNUD é um programa de desenvolvimento e o nosso compromisso é ajudar os países em desenvolvimento a fortalecerem a sua posição numa negociação com parceiros internacionais. Mas também criaremos um padrão que garantirá que os créditos de carbono dentro dos nossos compromissos realmente resistam ao teste do tempo e da qualidade. Vamos trabalhar com 50 países em desenvolvimento ao longo dos próximos anos, a fim de construir capacidade e padrões nacionais para garantir a sua participação no mercado global de carbono. Seremos um forte parceiro nas negociações, mas também um forte guardião da qualidade do mercado.

    CNN – O presidente Lula tem sido muito insistente em dizer que a desigualdade é um problema que atrasa a luta contra as mudanças climáticas. O senhor concorda com isso e o que mais poderia ser feito em relação a isso?

    Achim Steiner – Concordo 100%. Penso que a história das mudanças climáticas no mundo de hoje é uma ilustração do século XXI, de como as desigualdades se manifestam na nossa época. O relatório de desenvolvimento humano do PNUD, há apenas alguns anos, identificou as alterações climáticas e a digitalização como os dois motores do desenvolvimento da próxima década e que podem criar mais ou menos desigualdades. As COPs são tentativas de superar a desigualdade estrutural e histórica no que diz respeito à responsabilidade pelas alterações climáticas e à capacidade de enfrentá-las. Esse é um aspecto.

    Em segundo lugar, já sabemos hoje que os danos causados pelas alterações climáticas afetam muito os países em desenvolvimento, afetando comunidades vulneráveis que praticamente não contribuíram para o problema de emissões de carbono. E são elas que pagam o preço mais elevado. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente produz um relatório sobre a lacuna de emissões e um relatório de adaptação e sabemos que a lacuna no financiamento da adaptação para os países em desenvolvimento já é enorme.

    É por isso que precisamos falar de desigualdade quando falamos de parceria para enfrentar as alterações climáticas.

    CNN – John Kerry, o enviado especial para o clima dos Estados Unidos, continua insistindo que parte da solução poderia vir destes mercados de capitais. Qual papel o capital privado poderia ter nesse processo?

    Achim Steiner – Você sabe que o capital privado pode ir em várias direções. Por exemplo, financiando empresas de combustíveis fósseis ou investindo em energias renováveis. Com os preços da energia tão elevados, impulsionados pelas guerras em todo o mundo, de repente vemos empresas obtendo lucros extraordinários utilizando mais combustíveis fósseis.

    Mas há capital privado que investe em energias renováveis e infraestrutura energética. Um país não muito longe do Brasil, o Uruguai, no ano passado recebeu US$ 1,5 bilhão com títulos de desempenho com vínculo de sustentabilidade, onde a remuneração varia dependendo do desempenho do Uruguai em termos de seus compromissos climáticos.

    O PNUD está trabalhando hoje com uma dúzia de países em todo o mundo para lançar no mercado bonds vinculados à sustentabilidade, títulos verdes, títulos climáticos. O capital pode investir na transição energética e essa é outra forma pela qual podemos alavancar o capital privado para o desenvolvimento nacional.

    E também temos que lidar com a questão das dívidas de muitos países em desenvolvimento. Grande parte dessa dívida também é detida por credores privados, e eles não fazem parte do Clube Paris, não vão ajudar os países em desenvolvimento a resolver esse problema.

    CNN – E como podemos mudar isso?

    Achim Steiner – Em primeiro lugar usando as instituições financeiras internacionais, o Banco Mundial, o FMI e o G20, em particular –que agora está sendo presidido pelo Brasil. Participei em muitas das reuniões do G20, em reuniões de ministros das Finanças, por exemplo, e vi muito pouca disponibilidade para agir nesta questão da dívida dos países em desenvolvimento. Penso que com a presidência do Brasil e o que o presidente Lula já sinalizou em termos de arquitetura e reforma das instituições financeiras internacionais, talvez este seja o momento em que finalmente o G20 possa dar o sinal para um avanço, porque o problema está realmente piorando.

    CNN – O Brasil vai sediar a COP 30 em 2025, na cidade de Belém, na Amazônia. Qual é a importância disso?

    Achim Steiner – Em primeiro lugar, penso que o fato de o mundo se unir num dos ecossistemas mais ameaçados do planeta é muito importante. Porque, de acordo com a ciência e a pesquisa brasileiras, um aquecimento global de 3,5 °C a 4 °C (em relação aos níveis pré-industriais) fará com que o ecossistema amazônico deixe de funcionar como hoje. Sabemos que os fluxos de água na América do Sul dependem desta bomba d’água que chamamos de floresta amazônica e acho que é outro lembrete de quão vulneráveis somos, como nações, como economias, como pessoas, à falta de ação.

    Em segundo lugar, é também um momento em que o mundo vai chegar aos dez anos do Acordo de Paris. Quando nos reunimos em 2015, o mundo estava caminhando para um aquecimento de cerca de três graus e meio de aquecimento global. Neste momento, estamos talvez em torno de dois graus e meio, talvez um pouco mais. Agora, imagine se a próxima geração de estratégias nacionais forem ambiciosas o suficiente para nos levar a um grau e meio, 10 anos depois de Paris? Isso seria um avanço para a humanidade, para o planeta. E provaria que o multilateralismo é a única base sobre a qual podemos enfrentar as alterações climáticas no mundo de hoje.