Pai de iraniana morta por mau uso do véu diz que governo mente
Mahsa Amini morreu sob custódia policial e pai da jovem disse que médicos não permitiram que ele visse corpo da filha; protestos se espalharam em todo o país e governo provocou apagão da internet
O pai de uma mulher iraniana que morreu sob custódia policial na semana passada acusou as autoridades do Irã de mentir sobre a morte filha, em meio aos protestos que acontecem em todo o país, apesar da tentativa do governo de conter as manifestações com um apagão da internet.
Amjad Amini, cuja filha Mahsa morreu após ser presa na capital do país, Teerã, pela polícia da moralidade, disse que os médicos se recusaram a deixá-lo ver sua filha após a morte dela.
Autoridades iranianas alegaram que ela morreu após sofrer um “ataque cardíaco” e entrar em coma, mas sua família disse que ela não tinha problemas cardíacos pré-existentes, de acordo com o Emtedad News, um meio de comunicação pró-reforma iraniano. O ceticismo público sobre o relato das autoridades sobre a morte da jovem provocou uma onda de raiva que se espalhou em protestos mortais.
“Eles estão mentindo. Eles estão contando mentira. Tudo é mentira… não importa o quanto eu implorei, eles não me deixaram ver minha filha”, disse Amjad Amini à BBC Pérsia, na quarta-feira (21).
Quando ele viu o corpo de sua filha antes do funeral, ela estava totalmente embrulhada, exceto os pés e o rosto – embora ele tenha notado hematomas nos pés. “Eu não tenho ideia do que eles fizeram com ela”, disse ele.
A CNN não pôde verificar as acusações dele de forma independente com funcionários do hospital.
Imagens de câmeras de segurança divulgadas pela mídia estatal iraniana mostraram Mahsa Amini desmaiando em um centro de “reeducação”, onde ela foi levada pela polícia da moralidade para receber “orientações” sobre seu traje.
Sua morte provocou uma onda de raiva que se transformou em uma bola de neve para incluir questões que vão desde as liberdades na República Islâmica aos impactos econômicos incapacitantes das sanções.
Protestos e confrontos mortais com a polícia eclodiram em vilas e cidades em todo o Irã, apesar das tentativas das autoridades de conter a propagação de manifestações por meio de apagões da internet.
Apagões da internet
As redes móveis foram em grande parte desligadas e o acesso ao Instagram e Whatsapp foi restrito, disse o NetBlocks, órgão de vigilância da internet, na noite de quarta-feira. Uma segunda perda de conectividade em “escala nacional” no Irã foi relatada pela NetBlocks na quinta-feira (22).
Houve uma interrupção quase total no acesso à internet em partes da província do Curdistão ocidental do Irã a partir da noite de segunda-feira e apagões regionais em outras partes do país, incluindo Sanandaj e Teerã.
Isso ocorre depois que o ministro das Comunicações do Irã alertou que poderia haver interrupções na Internet “para fins de segurança e discussões relacionadas a eventos recentes”, de acordo com a ISNA, agência de notícias semi-oficial do país.
A última vez que o Irã viu um apagão tão severo foi quando as autoridades tentaram conter protestos em massa no final de 2019, depois que os preços dos combustíveis aumentaram em até 300%.
Na época, o Irã ficou quase totalmente offline – o que a Internet Intelligence da Oracle chamou de “o maior desligamento da Internet já observado no Irã”.
Esta semana, vários sites do governo estatal iraniano – incluindo os sites oficiais do presidente e do Banco Central do Irã – também ficaram offline, com o coletivo de hackers Anonymous assumindo a responsabilidade.
“(Saudações) Cidadãos do Irã. Esta é uma mensagem do Anonymous para todo o Irã. Estamos aqui e estamos com vocês”, tuitou uma conta de mídia social afiliada ao grupo na terça-feira.
“Apoiamos sua determinação pela paz contra a brutalidade e os massacres. Sabemos que sua determinação não deriva da vingança, mas de seu desejo de justiça. Todos os tiranos cairão diante de sua coragem. Viva as mulheres iranianas livres”.
O coletivo de hackers também assumiu a responsabilidade de derrubar temporariamente o site da agência de notícias Fars, alinhada ao governo do Irã, na manhã de quarta-feira, de acordo com um tweet do Anonymous. Desde então, o site voltou a ficar online.
Fúria crescente por confrontos mortais
Pelo menos oito pessoas, incluindo um adolescente, foram mortas nos últimos dias devido a confrontos nos protestos, segundo o grupo de direitos humanos Anistia Internacional.
Pelo menos quatro pessoas dessas oito “morreram de ferimentos sofridos por forças de segurança disparando balas de metal à queima-roupa”, disse a Anistia em um relatório publicado na quarta-feira.
Quatro outras pessoas foram baleadas por forças de segurança, disse a Anistia, citando fontes no Irã. A organização acrescentou que relatos de testemunhas oculares e análises de vídeo mostram um padrão de “forças de segurança iranianas disparando ilegalmente e repetidamente projéteis de metal diretamente nos manifestantes”.
A polícia de choque foi mobilizada para dispersar os manifestantes na noite de quarta-feira na capital Teerã e foi vista prendendo várias pessoas, segundo testemunhas oculares que não quiseram ser identificadas por razões de segurança.
A polícia de choque lançou gás lacrimogêneo, com uma “repressão pesada” perto da Universidade do Teerã, disse uma testemunha ocular.
Outra testemunha ocular no distrito leste da cidade disse que os manifestantes foram ouvidos gritando “Morte ao ditador”, uma referência ao líder supremo do Irã, e “eu mato qualquer um que matou minha irmã”, referindo-se a Amini.
Vídeos de protestos em todo o país mostram pessoas destruindo cartazes do Líder Supremo e mulheres queimando seus hijabs e cortando os cabelos em uma demonstração simbólica de desafio e provocação.
A CNN entrou em contato com a polícia e a Guarda Revolucionária Iraniana, que se juntou à tropa de choque na noite de quarta-feira em Teerã, para comentar sobre os casos.
A Guarda Revolucionária Iraniana emitiu um alerta aos manifestantes em um comunicado na quinta-feira e pediu ao Judiciário que identifique os responsáveis por espalhar “rumores” nas redes sociais.
A Guarda acusou os manifestantes de “tumultos” e “vandalismo” e pediu à polícia que “proteja a segurança da nação”.
Enquanto isso, a agência de notícias Fars informou na quinta-feira que dois membros da organização paramilitar iraniana Basij – um grupo paramilitar voluntário ligado à Guarda Revolucionária Iraniana – foram mortos separadamente durante protestos nas províncias iranianas.
“Desordeiros” esfaquearam um membro do Basij em Tabriz, capital da província do Azerbaijão Oriental, no noroeste do Irã, informou a Fars. A estatal Al Alam disse que outro membro do Basij foi morto na província de Qazvin.
Um vídeo em estilo de propaganda intitulado “When the Basij Enters” (“Quando o Basij entra”, na tradução livre), publicado pela Fars na quinta-feira, supostamente mostrava membros do Basij em motocicletas limpando barricadas e detendo homens na rua. O vídeo não especifica um local ou uma data.
Ativistas e líderes internacionais também expressaram preocupação com os protestos e a suposta violência policial.
O ministro das Relações Exteriores da Suécia disse na quarta-feira que a Suécia está de luto com os iranianos por Amini e exigiu que as autoridades respeitem seu direito de protesto pacífico. A Alemanha também pediu às autoridades iranianas que “permitam manifestações pacíficas e, acima de tudo, não usem mais violência”, durante uma entrevista coletiva na quarta-feira.
O ministro das Relações Exteriores britânico, Tariq Ahmad, disse que o Reino Unido está “extremamente preocupado com os relatos de maus-tratos graves de Amini e muitos outros pelas forças de segurança”.
“O uso da violência em resposta à expressão de direitos fundamentais, por mulheres ou quaisquer outros membros da sociedade iraniana, é totalmente injustificável”, disse ele em nota.