Os conselhos de Kissinger que poderiam ter evitado a deflagração na Ucrânia
Ex-secretário de Estado americano e um dos nomes mais importantes da diplomacia global apontou já em 2014 possível ingresso da Ucrânia na Otan
Diante da tela da tevê e da rolagem no celular, uma guerra de disparos e informações se entrelaça como nunca na história da humanidade. É possível ver ao mesmo tempo o deslocamento de tropas russas dentro do perímetro urbano de Kiev, capital da Ucrânia, enquanto o ex-presidente do país Petro Poroshenko, cercado de soldados, para tudo que está fazendo para falar, ao vivo, com a CNN Internacional, às 6h30 da manhã, horário dos Estados Unidos.
Meia hora mais tarde, um correspondente da empresa, trabalhando em Kiev, entrevista, via internet, o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov. Ele garante que a Rússia não quer ver o país vizinho “nas mãos do Ocidente e dos neonazistas”.
A guerra de versões é forte e disputa cada segundo da atenção e das mentes da população mundial. A China tenta ocupar o lugar do que os americanos gostam de chamar de “o adulto na sala”.
Ou seja, as crianças estão brigando e alguém tem que apartar a briga e estabelecer as regras. O governo de Pequim não deu apoio à invasão militar da Ucrânia, mas condenou a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que levou ao conflito com a Rússia.
Nesse ponto, concorda com o ex-secretário de estado americano Henry Kissinger. Em um artigo publicado em 2014, no Washington Post, o republicano e estrategista da direita americana, pontificou: “A Rússia tem que aceitar que a Ucrânia não pode se tornar um satélite da Rússia e o Ocidente tem que compreender que a Ucrânia não poderá nunca ser apenas um país estrangeiro”.
Para Kissinger, era claro, já naquela época, que a Ucrânia deveria ser sempre uma ponte entre a Rússia e o restante da Europa.
Visionário, o ex-secretário de Estado listou as medidas essenciais a serem adotadas para evitar um conflito. E destaco duas.
- A Ucrânia não deve ter permissão para entrar na Otan, o braço armado dos aliados europeus, mas deve ter a liberdade de associação econômica e política com quer quiser.
- A Rússia não pode anexar a Crimeia. Ela deve ter eleições livres, com a presença de observadores. E o status da frota do mar negro, base naval Russa, deve ser claro.
Sem essas medidas, disse Kissinger em 2014, a marcha rumo a um confronto vai se acelerar.
A Ucrânia era a gota d’água que faltava para transbordar a insatisfação Russa com a expansão da Otan rumo à sua fronteira. O último bastião.
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A diplomacia chinesa
Entra em cena a diplomacia chinesa que, em meio à crise, ganha espaço para exercitar suas posições. Em comunicado do Ministério das Relações Exteriores, na semana passada, Pequim buscou argumentos na história mundial recente.
“Quando os Estados Unidos comandaram cinco ondas de expansão da Otan para o leste, até a porta da Rússia, e instalaram armas de ataque estratégicas rompendo uma promessa feita à Rússia, eles pensaram nas consequências de empurrar um grande país contra a parede?”
A crítica da China aos passos de Washington continua com outras perguntas:
- Os Estados Unidos respeitaram a soberania e a integridade do Iraque quando lançaram um ataque militar à Bagdá baseado em acusações não comprovadas?
- Os Estados Unidos respeitaram a soberania e a integridade do Afeganistão quando drones americanos mataram pessoas inocentes em Kabul e em outras cidades?
Na ONU, a China não deu apoio à invasão armada da Rússia e continuou pedindo uma saída negociada, diplomática. Na mesma ONU que se reuniu para discutir a situação da Ucrânia na noite da quarta-feira, dia 23 de fevereiro deste ano de 2022, e no meio da reunião descobriu que o presidente Vladimir Putin estava dando o sinal verde para iniciar a ofensiva militar.
A situação deixou no ar uma pergunta que volta à tona vez ou outra.
Em março de 2003 o governo americano declarou ao Conselho de Segurança da ONU que “a diplomacia falhou”. Depois de apresentar provas falsas a respeito de um suposto programa de armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein, os Estados Unidos não conseguiram convencer o Conselho de Segurança da ONU.
Apenas 4 dos 15 países presentes votaram a favor de uma intervenção militar no país. Apesar de derrotado no organismo internacional, os Estados Unidos formaram uma coalizão com os países que conseguiram angariar e marcharam para a guerra.
Agora, o Conselho de Segurança da ONU votou uma resolução condenando a Rússia pela invasão da Ucrânia e exigindo que o país retire todas as tropas que tem no país vizinho imediatamente e incondicionalmente.
Dos 15 países do Conselho, 11 votaram a favor, entre eles o Brasil, 3 se abstiveram e apenas um votou contra: a Rússia. Mas ela é um dos cinco membros permanentes, com poder de veto no Conselho. Por isso a resolução foi rejeitada.
Mas é como disse o diplomata francês. Ninguém votou contra. A China não se alinhou com a Rússia, mas, para evitar confrontos, preferiu a abstenção, como a Índia e os Emirados Árabes.
Mas os dois momentos históricos reforçam uma desesperança no mecanismo mundial de mediação de conflitos. Na possiblidade da ONU exercer o papel para o qual foi criada: evitar novos confrontos militares nesse nosso planeta.
Aparentemente, nossa espécie tem uma irremediável tendência suicida que vê solução na guerra como também parece acreditar que os recursos do planeta são infinitos.