Opinião: Passado colonial? O que significa possível mudança de nome da Índia
Segundo autora, resolução do governo de Narendra Modi de mudar nome para “Bharat” vai além das raízes coloniais, é uma tentativa de apagar ainda mais os muçulmanos e outras minorias da Índia
A Índia mudou os nomes de muitas de suas vilas e cidades ao longo dos anos. Como fizeram com a cidade portuária e antiga capital Calcutá, em 2001. Com nome da capital financeira da Índia, Bombaim, que foi alterado para Mumbai em 1996. Nesse mesmo ano, Madras foi renomeada para Chennai.
Ao longo dos anos, até algumas estradas, estações ferroviárias e mercados foram renomeados. A ideia, diziam sempre a nós, indianos, era permitir que a nação rompesse de uma vez por todas com o seu passado colonial.
Agora, a mudança mais dramática de todas pode estar iminente. No início do mês, a Índia realizou a reunião do G20 das nações mais ricas do mundo. Um convite para jantar da presidente indiana Draupadi Murmu descreveu-a como a “Presidente de Bharat”, provocando especulações nos círculos políticos e jornalísticos de que uma mudança formal de nome poderia estar no futuro do país.
À medida que as sessões inaugurais do G20 começaram, as suspeitas aumentaram: a placa de identificação na cadeira do primeiro-ministro Narendra Modi, identificando o país que ele representava, dizia “Bharat” em vez de “Índia”. Enquanto isso, as autoridades indianas usavam distintivos com as palavras “Autoridade de Bharat”.
Essas pistas divulgadas no G20 podem ter sido uma grande revelação.
Vários meios de comunicação estão informando que o governo Modi poderá apresentar uma resolução durante uma sessão especial do parlamento indiano esta semana para mudar oficialmente o nome do país para Bharat, embora nenhuma agenda tenha sido anunciada oficialmente.
Na terça-feira (19), Modi propôs um novo nome para o antigo edifício do parlamento, sugerindo que daqui para frente ele se chamaria Samvidhan Sadan.
A questão que passa pela cabeça de muitas pessoas que acompanham os acontecimentos na Índia é por que seria necessária qualquer mudança de nome. Bharat, que significa “Índia” em hindi, já é um dos dois nomes oficiais do país. Na verdade, o Artigo 1 da constituição da nação diz: “A Índia, isto é, Bharat, será uma união de estados”.
O que me parece evidente é que esta proposta de reformulação não tem nada a ver com a eliminação dos vestígios de um passado colonial insultado. O objetivo, que tem estado na vanguarda da agenda do governo Modi, é apagar todas as facetas da história indiana que não alimentem a sua ideologia hindu de direita.
Na verdade, o objetivo estatal do governo do Partido Bharatiya Janata (BJP) de Modi é tornar a Índia uma “nação hindu”. Uma mudança de nome para “Bharat” seria, antes de mais nada, uma questão de nacionalismo hindu. É uma oportunidade para reforçar a identidade hindu da Índia, até mesmo no nome pelo qual é chamada. Eliminar os vestígios do domínio britânico já não é o objetivo principal, se é que alguma vez o foi.
Desde que chegou ao poder em 2014, Modi tornou a vida dos 200 milhões de muçulmanos da Índia cada vez mais difícil, o maior grupo minoritário do país (representam cerca de 14% da população), que enfrenta discriminação na procura de trabalho e na obtenção de educação, e que são cada vez mais alvos de violência comunitária.
Desde a sua reeleição em 2019, as condições para os muçulmanos da Índia só pioraram, à medida que o governo intensifica políticas que, segundo os críticos, tentam privar os muçulmanos dos seus direitos.
Neste contexto, as mudanças de nome feitas pelo governo Modi podem parecer um desrespeito relativamente pequeno, mas o apagamento é mais um insulto a uma comunidade já sitiada. Na verdade, nos últimos anos, várias vilas e cidades cujos nomes refletem os impérios muçulmanos que dominaram o subcontinente indiano há séculos atrás foram renomeadas pelos governos do BJP.
Em 2018, a cidade de Allahabad, no norte, fundada pelo imperador mongol Akbar, foi alterada para Prayagraj. Uma estação ferroviária histórica próxima, Mughalsarai Junction foi renomeada como Pandit Deen Dayal Upadhyaya Junction, em homenagem a um líder nacionalista hindu do século 20. A lista de mudanças de nomes é longa e crescente.
A decisão de Modi de sinalizar a mudança de nome no G20 foi curiosa. Durante meses antes do início do evento, as autoridades que planejavam o evento referiam-se ao país anfitrião como “Índia”. Talvez a ideia fosse testar o novo nome no terreno no G20, onde o mundo estaria atento, para avaliar qual seria a reação internacional e para farejar uma possível desaprovação pública na Índia.
Na verdade, tem havido uma oposição considerável à mudança do nome da Índia. Durante uma recente viagem à Europa para se encontrar com políticos e membros proeminentes da diáspora indiana, o líder da oposição Rahul Gandhi qualificou de “absurda” a proposta de uma mudança de nome.
Mesmo que Modi proponha mudar o nome do país para Bharat, alguns especialistas dizem que a mudança do nome da Índia exigiria uma alteração constitucional e, portanto, o apoio de dois terços de ambas as câmaras do parlamento – um trabalho pesado, uma vez que seria pouco provável que a oposição o apoiasse.
No entanto, o debate é vivo: alguns discordam, dizendo que não seria necessária qualquer alteração à Constituição para mudar o nome da Índia.
Se a medida fosse bem sucedida, haveria um preço a pagar, como sempre acontece com este tipo de mudanças simbólicas e radicais. Segundo alguns, esta mudança de nome específica poderia custar dezenas de milhões de dólares. Os pontos de referência teriam de ser reinscritos, os mapas redesenhados, os livros reimpressos.
E caso essa mudança de nome seja concretizada, há a questão de como ela será implementada e até que ponto as autoridades planejam levar a mudança de nome. O RBI – o Reserve Bank of India – se tornaria RBB? Os Institutos Indianos de Tecnologia do país se tornariam IBTs? Alguma coisa disso foi pensada?
É uma enorme despesa de capital naquela que é a quinta maior economia do mundo, que tem a maior população do mundo, mas um rendimento per capita que é um quarto do da China.
O que mais Modi poderia fazer com esses fundos para melhorar a vida do povo da Índia (ou de Bharat, se preferir)? E para onde mais ele poderia direcionar o foco e as energias da nação? Para começar, a Índia está assolada por uma violência étnica desenfreada.
Não ouvi Modi abordar a alarmante espiral de violência no estado de Manipur, no nordeste do país, onde uma agressão sexual particularmente horrível captada em vídeo continua a chocar a consciência da nação.
Aqui estão algumas coisas que eu abordaria no lugar de Modi: Vários ativistas, poetas, advogados, jornalistas, acadêmicos e músicos ainda estão presos sob uma lei “antiterrorismo” draconiana que o governo exerce por sua própria vontade, sem responsabilização ou qualquer indicação de um cronograma.
Penso que a maior democracia do mundo poderia trabalhar no sentido de fazer jus ao seu nome e libertar ou, pelo menos, processar e julgar adequadamente os ativistas que foram presos.
Poderia também procurar formas de abordar as taxas de desemprego surpreendentemente elevadas do país. E talvez o governo pudesse procurar formas de abordar a situação das mulheres, das minorias religiosas e das minorias baseadas em castas que continuam inseguras, enquanto o seu registo em matéria de direitos humanos está cada vez pior.
Existem alguns sinais de esperança. As Nações Unidas e os grupos humanitários condenaram as ações de Nova Delhi contra a minoria muçulmana, embora o BJP tenha repetidamente rejeitado as críticas, afirmando de forma dúbia que “respeita todas as religiões”.
Encorajadoramente, no início deste ano, no meio da corrida desenfreada para mudar o nome das cidades e aldeias da Índia, o Supremo Tribunal rejeitou uma petição para mudar o nome de um grande número de locais históricos, dizendo que a proposta ia contra o princípio do secularismo consagrado na Constituição.
“Somos seculares e devemos proteger a Constituição. Você está preocupado com o passado e desenterra-o para colocar seu fardo sobre o presente”, disse a decisão do tribunal.
É uma mensagem que Modi e os seus companheiros políticos deveriam prestar atenção.
*Nota do editor: Akanksha Singh é uma escritora baseada em Mumbai cujo trabalho apareceu na BBC, no The Independent, no South China Morning Post e em várias outras publicações. As opiniões expressas neste artigo são dela. Leia mais opinião na CNN.