Entrevista de Harry e Meghan expõe polêmicas e conflitos da realeza britânica
Posicionamento da família real em relação à duquesa de Sussex contrasta com reações anteriores em controvérsias mais graves, como as do príncipe Andrew
*Holly Thomas é uma escritora e editora que mora em Londres. Ela também escreve no Twitter na conta @HolstaT. As opiniões expressas neste comentário são exclusivamente da autora.
Se você alguma vez já parou para refletir sobre as vantagens de estar em um negócio com a avó de seu marido, os acontecimentos da semana passada podem ter feito você mudar de ideia.
Na quarta-feira, o Palácio de Buckingham anunciou que estava iniciando uma investigação sobre as acusações de que Meghan Markle, a duquesa de Sussex, intimidou três funcionários da casa real. A decisão veio depois que o jornal The Times, do Reino Unido, publicou uma reportagem citando fontes que afirmam que Meghan expulsou dois assistentes de sua casa no Palácio de Kensington e minou a confiança de um terceiro membro da equipe.
O Palácio de Buckingham disse que estava “muito preocupado” com as alegações, tornadas publicas apenas alguns dias antes da exibição da tão esperada entrevista de Megahn e o príncipe Harry com Oprah Winfreu no domingo (7) – e logo após a divulgação de um trecho em que Meghan conta à apresentadora que a família real “perpetua mentiras” contra ela.
Depois que a investigação foi anunciada, o porta-voz de Meghan disse que a duquesa estava “triste com esse último ataque contra sua pessoa”, e um porta-voz dos Sussex classificou a reportagem do Times como “uma campanha de difamação calculada”.
Embora todos os detalhes das alegações contra Meghan ainda sejam desconhecidos, a ansiedade do palácio em responder a elas contrasta fortemente com reações anteriores e outras controvérsias, mais notavelmente as reclamações substancialmente mais graves contra o terceiro filho da rainha, o príncipe Andrew, Duque de York. Essas declarações têm sido mínimas, e firmemente favoráveis ao príncipe – para não mencionar uma visão esclarecedora de que a família parece ter mais valor.
Andrew deixou os deveres reais em novembro de 2019, depois que seus laços com o criminoso sexual condenado Jeffrey Epstein se tornaram um constrangimento nacional. Virginia Giuffre, uma das acusadoras de Epstein, disse que foi forçada a fazer sexo com o príncipe três vezes, incluindo uma ocasião em que era menor. Andrew nega ter tido qualquer tipo de relacionamento com Giuffre.
Seu retiro como um funcionário da realeza seguiu-se a uma desastrosa entrevista à BBC no mesmo mês, durante a qual o príncipe Andrew descreveu sua amizade com Epstein, incluindo o convite que fez a ele e a namorada, Ghislaine Maxwell, para se hospedarem em Sandringham e em Windsor. O príncipe também contou que esteve na casa de Epstein em Nova York, após o bilionário se declarar culpado de solicitar prostituição a uma menor e sair da prisão, em 2009.
Na entrevista, Andrew ainda disse que não se arrependia da amizade com Epstein, mesmo diante do dilúvio de novas alegações e evidências.
Quando o vídeo do príncipe dentro da casa de Epstein, em 2010, foi publicado pelo Daily Mail, em 2019, o palácio deu uma resposta curta, dizendo que o “duque de York ficou chocado com os relatos recentes dos supostos crimes de Jeffrey Epstein”.
O príncipe também foi por muitos anos amigo de Maxwell, que atualmente está na prisão e aguarda julgamento por acusações de tráfico sexual (do qual se declarou inocente) em Nova York. Em julho de 2020, o Daily Telegraph, do Reino Unido, relatou que Maxwell se sentou no trono da rainha durante uma excursão privada ao Palácio de Buckingham organizada pelo Duque de York, em 2002.
Conforme a CNN noticiou na época, o Palácio de Buckingham se recusou a comentar a fotografia, assim como um porta-voz do príncipe Andrew. Questionada pela BBC se Maxwell falaria sobre o duque como parte da investigação em andamento sobre Epstein, a ex-banqueira de investimento Laura Goldman, amiga de Maxwell, disse: “Ela sempre me disse que nunca, jamais diria nada sobre ele”.
A conexão de Andrew com supostos traficantes de sexo e as alegações de que ele estava envolvido nos crimes estão longe de serem as únicas marcas contra seu nome. No final de novembro de 2019, o Mail On Sunday divulgou que, enquanto servia como enviado comercial da Grã-Bretanha, uma posição financiada pelo contribuinte, o Duque de York supostamente usava viagens oficiais para promover um banco privado.
Em uma resposta vaga, o palácio delineou os devores do príncipe no papel, concluindo que “era promover os interesses britânicos e da Grã-Bretanha no exterior, não os interesses dos indivíduos”. O príncipe se afastou da posição em 2010, depois que sua amizade com Epstein veio à tona – mas não se afastou de seus deveres reais mais amplos até 2019, após a terrível entrevista à BBC.
Não houve indicação pública de que Andrew havia sido forçado a sair – ele foi autorizado a se aposentar no que foi descrito como “uma decisão pessoal”, tomada após discussões com a rainha e o príncipe Charles.
Embora a controvérsia em torno dele tenha sido incrivelmente séria, o Palácio ainda não divulgou qualquer declaração que enfraqueça sua posição como membro da família real. Tudo é calculado para minimizar o embaraço, notoriamente uma prioridade para sua mãe, a rainha Elizabeth II.
Um tema consistente da gafe real, até a recente rixa com os Sussex, é o de uma resposta muda da família – sempre breve e calculada para diminuir a história. Quando o príncipe Harry foi fotografado vestido de nazista em uma festa em 2005, Clarence House, a casa em Londres de seu pai, o príncipe de Gales, emitiu um rápido pedido de desculpas em seu nome.
Agora, aparentemente não desfrutando mais do forte apoio de sua família e talvez sentindo os efeitos em meio à atual tempestade da mídia, Harry fez uma comparação com a experiência passada de sua mãe, a princesa Diana, em um trecho da entrevista de Oprah divulgada esta semana.
“Estou muito aliviado e feliz por estar sentado aqui… com minha esposa ao meu lado”, diz ele. “Porque eu não posso imaginar como deve ter sido para ela (Diana) passar por esse processo sozinha, tantos anos atrás”. Não é a primeira vez que o príncipe faz uma conexão entre Meghan e Diana – particularmente em termos de perseguição da mídia à sua mãe.
A própria rainha Elizabeth II, uma figura ainda popular, provavelmente permaneceu assim em parte devido à sua abordagem taciturna às relações públicas ao longo dos anos – que, com a notável exceção de seu silêncio muito desprezível após a morte da princesa Diana, raramente deu errado.
Embora seja funcionária pública e beneficiária anual do subsídio soberano financiado pela contribuinte, avaliado em US$ 107,1 milhões (R$ 612, 6 milhões) em 2019, ela só deu uma entrevista durante o seu reinado de 69 anos.
Os valores considerados mais caros pela rainha e pelo palácio parecem ser consistentemente a lealdade e a disposição de seguir a linha real. Em uma troca desconfortável no final de fevereiro, o palácio tirou o príncipe Harry de seus títulos militares e disse “que não era possível continuar com as responsabilidade que vêm com uma vida de serviço público”.
Harry serviu nas forças armadas por 10 anos, incluindo duas missões ao Afeganistão – créditos aparentemente menos valiosos do que os de “membro sênior da realeza”. Os Sussex responderam rapidamente ao palácio dizendo: “Todos nós podemos viver uma vida de serviço”.
A sensação de que a dedicação inabalável à Coroa é o único caminho adequado para qualquer pessoa ligada à família real é ampliada pela mídia britânica, que tende a exagerar no fervor da população à realeza.
Quando Meghan divulgou uma fotografia anunciando sua segunda gravidez, houve uma resposta amplamente positiva, mas ela também foi saudada com uma reação cruel à luz de sua recente fuga. As zombarias aparentemente desconsideraram a necessidade de uma mulher irrevogavelmente conhecida do público, que havia sofrido um aborto espontâneo recentemente, de controlar a narrativa sobre sua própria gravidez.
No domingo (7), a entrevista completa dos Sussex com Oprah foi ao ar, gerando muito mais manchetes – e perguntas – sobre sua credibilidade ou não.
Embora muitas questões possam ser válidas, deveriam ser substancialmente menos interessantes para a instituições que o casal deixou para trás do que as questões que cercam Andrew, ainda aninhada ao seio da família real.
Enquanto ele gozar da proteção inabalável do palácio, suas investidas no suposto comportamento passado de Meghan Markle continuarão soando vazias.
(Texto traduzido; leia o original em inglês)