Opinião: A Europa já não conta com Trump para defendê-la
Durante um comício, Donald Trump disse que, se eleito presidente, diria à Rússia para fazer o que quiser com oa países-membros da OTAN que não cumprissem com suas metas de defesa
Madeline Albright chamou a América de “nação indispensável”. O ex-presidente Donald Trump está tornando a América a nação mais irrelevante?
Trump finalmente quebrou dias de silêncio sobre a morte da figura da oposição russa, Alexey Navalny, mas não mencionou a Rússia nem condenou o presidente Vladimir Putin em seus primeiros comentários públicos. Entretanto, os congressistas republicanos continuaram a seguir o seu exemplo, atrasando a assistência à Ucrânia, a única nação que enfrenta os exércitos de Putin.
O presidente da Câmara, Mike Johnson, resistiu aos apelos para que um pacote de ajuda à Ucrânia aprovado pelo Senado fosse submetido a votação rápida, permitindo, em vez disso, que a Câmara fosse suspensa para um recesso de quase duas semanas.
Pode haver apoio maioritário à ajuda à Ucrânia na Câmara como um todo, mas Johnson enfrenta forte oposição dos conservadores à ajuda adicional, com Trump incentivando os republicanos a rejeitá-la.
Estas medidas acontecem após a recente ameaça de Trump de dizer à Rússia para “fazer o que quiser” a qualquer país-membro da OTAN que esteja atrasado em suas despesas militares.
O resultado? Os receios crescentes de uma nova e assustadora mudança nos Estados Unidos deixaram um número cada vez maior de líderes europeus determinados a agir por conta própria.
Até comentários do presidente Joe Biden dirigidos a um Congresso obstinado de que “a forma como se afastam da ameaça da Rússia, a forma como se afastam da ameaça da OTAN, a forma como se afastam do cumprimento da nossa obrigação, é chocante”, não ajudou.
Na verdade, muito foi feito na Conferência Anual de Segurança de Munique sobre os fracassos do Congresso. A maioria dos líderes europeus voltaram de Munique, mais convencidos do que nunca de que os Estados Unidos estão prestes a abandoná-los.
Para muitos, é claro que as democracias devem começar a considerar, em termos concretos, como se defenderem sem o guarda-chuva nuclear e de segurança dos Estados Unidos sob o qual prosperaram durante mais de meio século.
Antes de partir, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, chegou a anunciar que a Dinamarca entregaria toda a artilharia do seu país à Ucrânia, bem como os caças F-16. “Temos que fazer mais”, disse Frederiksen, a poucos dias do aniversário de dois anos da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Os primeiros passos rumo a uma nova direção para uma tal Europa – sem a América – já estão sendo dados. Em Berlim, Ursula von der Leyen, a antiga ministra da Defesa alemã, que dirigiu habilmente o continente durante cinco anos como presidente da Comissão Europeia, anunciou na segunda-feira (19) que iria tentar um segundo mandato. No topo da sua agenda, diz ela, estaria a criação do primeiro comissário de defesa da Europa.
Contudo, a criação de um ministério pan-europeu vai muito além da simples remodelação dos burocratas em Bruxelas. Primeiro, há a questão dos orçamentos.
A redução do financiamento da América já pode ser sentida em toda a Europa. Como noticiou a CNN, o apoio americano à Ucrânia ainda está sangrando os recursos do Comando do Exército dos EUA para a Europa e África, agora com três bilhões de dólares restantes para custear cinco bilhões de dólares em necessidades operacionais, incluindo o transporte de armas e equipamentos para a Ucrânia e até para a Polônia, membro da OTAN.
Sem a ação do Congresso, o financiamento para as operações dos EUA na Europa poderá chegar ao fim em maio, com a secretária do Exército, Christine Wormuth, esperando “vender o almoço para pagar o jantar”.
Von der Leyen também disse que aumentar a produção europeia de defesa seria uma prioridade máxima para o seu segundo mandato – sem mencionar a análise de orçamentos muito divergentes dos vários países.
No que diz respeito à Ucrânia, apesar dos seus votos iniciais de solidariedade eterna, o governo do presidente francês Emmanuel Macron comprometeu apenas 640 milhões de euros (cerca de 686 milhões de dólares), em comparação com os 17,7 bilhões de euros (equivalente a 19,1 bilhões de dólares) da Alemanha em ajuda militar, segundo cálculos do Instituto Kiel da Alemanha, um instituto de pesquisa econômica e think tank. Embora o valor francês tenha sido contestado, o instituto afirma que “as contribuições de França “estão muito abaixo das do Reino Unido”, que se encontra apenas na categoria intermediária dos fornecedores europeus.
Ainda assim, como bloco, a Europa, com cerca de 85 bilhões de euros (92 bilhões de dólares), já ultrapassou os Estados Unidos, com 66,2 bilhões de euros (71,6 bilhões de dólares), em compromissos totais com a Ucrânia. A assistência militar dos EUA tem sido superior à da UE, embora tenha sido agora interrompida diante da inação do Congresso, enquanto a ajuda da UE está aumentando.
Depois, há a questão nuclear. Os EUA têm cerca de 100 armas nucleares instaladas em bases aéreas na Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia – embora todos os códigos de lançamento estejam nas mãos dos EUA. A França é o único país da União Europeia com o seu próprio arsenal – o quarto maior do mundo. Com 290 ogivas operacionais, é o maior da Europa, embora tenha apenas 5% do tamanho da Rússia.
A França se recusou a ceder o controle de tais armas a qualquer outra potência, embora isso possa mudar. Em uma recente visita à Suécia, Macron sugeriu que, embora a dissuasão nuclear seja do “interesse vital da França”, tais planos deveriam ter uma “clara dimensão europeia, o que nos confere uma responsabilidade especial”.
O Reino Unido, embora já não faça parte da UE, possui um arsenal de 225 armas nucleares. Na Conferência de Segurança de Munique, o Secretário dos Negócios Estrangeiros Britânicos, David Lammy, que é da oposição, disse que o Partido Trabalhista, se eleito nas eleições deste ano, proporia “um novo pacto de segurança entre o Reino Unido e a União Europeia”.
Todos estes esforços e compromissos representam uma mudança dramática de direção para um continente que durante décadas permaneceu inabalavelmente acorrentado à América como sua garantia. Para supervisionar este processo, a Europa precisa de um indivíduo forte e resoluto para o seu primeiro czar da defesa.
Um dos favoritos é a primeiro-ministra da Estônia, Kaja Kallas, que já assumiu a liderança em um plano da UE para entregar 1 milhão de projéteis de artilharia à Ucrânia.
“Precisamos de uma Europa eficaz no combate, capaz de assegurar a sua própria defesa. Esta é a única forma de construir uma dissuasão através da negação que seria crível o suficiente para evitar a guerra e parar o ciclo de agressão da Rússia”, escreveu Kallas no ano passado para o Politico Europe.
“Desde que a invasão começou, vimos a Rússia disparar a produção mensal de artilharia da Europa em um único dia na Ucrânia. A capacidade e a sustentabilidade determinarão o resultado desta guerra.”
Kallas tem uma motivação clara para assumir tal cargo – um alvo russo nas costas. Na semana passada, o Kremlin a colocou em uma lista de procurados, como aparentemente, a primeira chefe de governo a ser alvo. (Moscou acusou Kallas e a outros de destruir ou danificar monumentos em memória dos soldados soviéticos.) E em Munique, ela propôs confiscar todos os bens da Rússia congelados no estrangeiro e entregá-los à Ucrânia – antes das eleições presidenciais dos EUA em Novembro.
A prova mais evidente, porém, de quão longe a Europa se afastando da América e em direção à autossuficiência foi uma coluna de opinião do Presidente da Estônia, Alar Karis, na segunda-feira (19), que discutiu a defesa da região sem uma única referência aos Estados Unidos ou a Donald Trump.
“Qualquer país europeu teria dificuldade em enfrentar a Rússia sozinho”, observou Karis. “Mas quando estamos unidos, somos invencíveis.”
Ou, em um tapa direto a Trump, a revista alemã Der Spiegel observou: “A OTAN, claro, não é uma agência de cobrança (de dívidas)”.