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    O Talibã bateu na porta dela três vezes. Na quarta, eles a mataram

    'Sair ou fazer qualquer outra coisa pode colocar nossas vidas em risco', afirmou uma mulher que vive em Cabul e preferiu não se identificar

    Mulheres no Afeganistão temem pelo futuro, relembrando a opressão exercida pelo Talibã no passado
    Mulheres no Afeganistão temem pelo futuro, relembrando a opressão exercida pelo Talibã no passado Foto: Paula Bronstein/Getty Images

    Anna Coren, Sandi Sidhu, Abdul Basir Bina e Hilary Whiteman, da CNN

    Najia estava em casa com seus três filhos pequenos e a filha em um pequeno vilarejo no norte do Afeganistão quando combatentes do Talibã bateram em sua porta.

    A filha de Najia, Manizha, de 25 anos, sabia que eles viriam – sua mãe contara que eles tinham feito a mesma coisa nos três dias anteriores, exigindo que ela preparasse comida para até 15 combatentes.

    “Minha mãe falou para eles: ‘Eu sou pobre, como posso cozinhar para vocês?’”, contou Manizha. “(Um talibã) começou a espancá-la. Minha mãe desmaiou e eles bateram nela com suas armas, as AK47s”.

    Manizha disse que gritou para que eles parassem. Eles pararam por um momento antes de jogar uma granada na sala ao lado e fugir enquanto as chamas se espalhavam. A mãe de quatro filhos morreu como resultado do espancamento.

    O ataque mortal de 12 de julho à casa de Najia na província de Faryab foi uma prévia assustadora da ameaça que as mulheres enfrentam agora no Afeganistão após a tomada da capital Cabul pelo Talibã. A CNN está usando pseudônimos para Najia e Manizha para proteger sua identidade por razões de segurança.

     

    Em dez dias, militantes do Talibã capturaram dezenas de capitais de província vulneráveis pela retirada das tropas americanas e aliadas.

    A velocidade do avanço dos militantes pegou os moradores desprevenidos.

    Algumas mulheres disseram que não tiveram tempo para comprar uma burca para cumprir as regras do Talibã de que elas devem ficar cobertas e serem acompanhadas por um parente do sexo masculino quando saem de casa.

    Para as mulheres do Afeganistão, o tecido esvoaçante representa a perda repentina e devastadora de direitos conquistados ao longo de 20 anos – o direito de trabalhar, estudar, se mover e até mesmo viver em paz – que elas temem nunca mais serão reconquistados.

    Trabalhadores cobrem fotos de mulheres em parede em Cabul
    Trabalhadores em um salão de beleza cobrem grandes fotos de mulheres em parede em Cabul, em 15 de agosto de 2021
    Foto: Kyodo News/Getty Images

    Desconfiança profunda

    Quando o Talibã governou o Afeganistão pela última vez entre 1996 e 2001, as escolas foram fechadas para as meninas e as mulheres foram proibidas de trabalhar.

    Depois da invasão dos Estados Unidos em 2001, as restrições diminuíram e, mesmo com o avanço da guerra, um compromisso local para melhorar os direitos das mulheres, apoiado por grupos internacionais e doadores, levou à criação de novas proteções legais.

    Em 2009, a lei da Eliminação da Violência contra as Mulheres criminalizou o estupro, a agressão e o casamento forçado e tornou ilegal impedir que mulheres ou meninas trabalhassem ou estudassem.

    Desta vez, o Talibã está prometendo formar um “governo islâmico inclusivo no Afeganistão”, embora não esteja claro que forma isso ocorrerá e se a nova liderança incluirá mulheres.

    Farzana Kochai, que era membro do parlamento afegão, diz que não sabe o que vem a seguir. “Não houve um anúncio claro sobre a forma de governo no futuro. Será que teremos um parlamento no futuro governo ou não?”, questionou.

    Ela também está preocupada com suas liberdades futuras como mulher.

    Isso é algo que me preocupa mais. Toda mulher está pensando nisso. Estamos apenas tentando ter uma pista. Será que as mulheres poderão trabalhar e ocupar um emprego ou não?

    Farzana Kochai

     

    O porta-voz do Talibã, Suhail Shaheen, disse na segunda-feira (16) que, sob o governo do Talibã, as meninas terão permissão para estudar. “As escolas serão abertas e as meninas e as mulheres irão para as escolas, como professoras, como alunas”, declarou.

    Entretanto, as histórias dos moradores locais pintam um quadro diferente – e há uma profunda desconfiança nos militantes que causaram tanta tristeza durante seu último governo.

    Mulher chama familiares durante evacuação de cidades
    Mulher chama familiares durante evacuação de cidades ao norte do país, ocupadas pelo Talibã
    Foto: Paula Bronstein/Getty Images

    Em julho, a Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão disse que em áreas controladas pelo Talibã as mulheres receberam ordens de não comparecer aos serviços de saúde sem um tutor. A TV foi proibida e professores e alunos foram instruídos a usar turbantes e deixar a barba crescer.

    Segundo a comissão, acadêmicos religiosos, funcionários do governo, jornalistas, defensores dos direitos humanos e mulheres foram vítimas de assassinatos seletivos. Uma delas foi Mina Khairi, uma jovem de 23 anos morta em um carro-bomba em junho. Seu pai, Mohammad Harif Khairi, que também perdeu a esposa e outra filha na explosão, disse que a jovem jornalista vinha recebendo ameaças de morte há meses.

    Quando o Talibã controlou o Afeganistão pela última vez, as mulheres que desobedeceram às ordens foram espancadas.

    Janela da casa de Najia
    A filha de Najia disse que combatentes do Talibã jogaram uma granada dentro de sua casa
    Foto: Cedida à CNN

    O Talibã negou ter matado Najia, a mãe na província de Faryab mencionada do início da reportagem, mas suas palavras são desmentidas por testemunhas e autoridades locais que confirmaram a morte de uma mulher de 45 anos cuja casa foi incendiada.

    Uma vizinha que gritou para os homens pararem disse que muitas mulheres na aldeia de Najia são viúvas de soldados afegãos. Eles ganham a vida vendendo leite, mas o Talibã não permite isso. 

    Não temos homens em nossa casa, o que vamos fazer? Queremos escolas, clínicas e liberdade como outras mulheres, homens – como outras pessoas

     

    Alta nos preços das burcas

    A conquista do país pelo Talibã foi tão rápida que algumas mulheres se viram sem o uniforme feminino necessário para o governo talibã.

    Uma mulher, que não foi identificada por motivos de segurança, disse que sua casa tinha apenas uma ou duas burcas para dividir entre ela, sua irmã e sua mãe. “Se a situação piorar ainda mais e não tivermos burca, teremos que conseguir um lençol ou algo parecido para torná-lo uma cobertura maior”, explicou.

    Burcas à venda em mercado em Cabul
    Burcas penduradas em um mercado em Cabul em 31 de julho. O preço disparou à medida que as mulheres correm para se cobrir para evitar atrair a atenção dos militantes.
    Foto: CNN

    O preço das burcas subiu até dez vezes em Cabul, já que as mulheres correram antes do avanço dos militantes, de acordo com outra fonte, que também não foi identificada por motivos de segurança. Algumas não chegaram aos mercados antes de fecharem no domingo, enquanto os donos das lojas corriam para voltar para casa.

    Ela disse que passou horas em um banco no domingo tentando sacar o máximo de dinheiro possível para ver a família nos próximos dias de incerteza.

    Foi tão inesperado que ninguém esperava que acontecesse tão cedo. As pessoas até diziam que Cabul conseguiria se defender por um ano ou mais, mas o moral está perdido. O exército está apenas entregando o controle ao Talibã.

     

    Ela teme por sua vida, mas também pelo colapso de um governo que o povo lutou tanto para construir e pelo fim das liberdades para as mulheres afegãs.

    “Como mulher, eles apenas nos mantêm dentro de casa. Lutamos anos para sair, precisamos lutar de novo pelas mesmas coisas? Para ter permissão para trabalhar, permissão para ir ao hospital sozinha?”, perguntou.

    “Tudo por nada”

    Nos últimos dez dias, uma sucessão de vitórias do Talibã em dezenas de capitais de província levou as mulheres afegãs para mais perto de um passado que elas queriam desesperadamente deixar para trás.

    Pashtana Durrani, fundadora e diretora executiva da Learn, uma organização sem fins lucrativos focada na educação e nos direitos das mulheres, disse que seus olhos estão secos de chorar por seu país.

    “Eu chorei tanto que não há mais lágrimas para lamentar. Há faz tempo que lamentamos a queda do Afeganistão. Portanto, não estou me sentindo muito bem. Pelo contrário, estou bem desesperada”, disse.

    Durrani disse que recebeu mensagens de texto de meninos e meninas desesperados porque os anos de estudo foram “em vão”.

    Ela disse que o Talibã continua falando sobre a educação das meninas, mas não definiu o que isso significa. Os estudos islâmicos devem ser mandatórios, “mas e a educação de gênero? E a educação profissional?”, questionou. “Se a gente pensar muito, perde a esperança, porque não há resposta para isso.”

    Em um tuíte, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, pediu o fim de todos os abusos. “O Direito Internacional Humanitário e os direitos humanos, especialmente os ganhos duramente conquistados por mulheres e meninas, devem ser preservados”, afirmou.

    Em cenas caóticas no aeroporto de Cabul na segunda-feira (16), afegãos desesperados escalaram uma ponte na tentativa de embarcar em aviões para fora do país. Mas, para muitos milhões de pessoas, não há como escapar.

    A mulher em Cabul que passou horas no banco no domingo disse que, mesmo que conseguisse um voo, ela não tinha para onde ir pois não tem visto. A única outra opção era ficar dentro de casa e torcer para não chamar a atenção.

    “Sair ou fazer qualquer outra coisa pode colocar nossas vidas em risco”, afirmou.

    Enquanto os governos dos Estados Unidos e seus aliados evacuavam suas equipes no país, Patricia Gossman, diretora associada para a Ásia da Human Rights Watch, pediu aos doadores internacionais que não abandonem o Afeganistão.

    “Muitíssimas pessoas não podem sair e terão grande necessidade tanto de assistência humanitária urgente quanto de outros serviços essenciais como a educação. É a hora errada agora para os doadores dizerem que o trabalho no Afeganistão está acabado”.

    Mulheres em todo o país vivem com medo da mesma batida na porta que Najia ouviu no mês passado. A filha dela, Manizha, disse que não voltou para casa desde a morte da mãe. De qualquer forma, ela não sai muito.

    “O Talibã não deixa nenhuma mulher sair sem um parente do sexo masculino. Os homens são os únicos autorizados a sair. Eles podem ir trabalhar”, contou.

    “Se eu precisar de algo, como vou conseguir? É uma punição. Não é o Islã. Eles se autodenominam muçulmanos. Não é certo que eles punam as mulheres”.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês).