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    O que Putin quer com a Ucrânia? Veja a explicação do conflito

    Após acumular tropas e artilharia ao redor da fronteira do país vizinho, líder russo autorizou "operação militar especial"

    Eliza Mackintoshda CNN*

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    Após meses de escalada militar e intemperança na fronteira com a Ucrânia, a Rússia atacou o país nas primeiras horas de quinta-feira (24). A ação russa ameaça desestabilizar a Europa e envolver os Estados Unidos.

    A Rússia vem reforçando seu controle militar em torno da Ucrânia desde o ano passado, onde acumulou dezenas de milhares de tropas, equipamentos e artilharia nas portas do país. A mobilização provocou alertas de oficiais de inteligência dos EUA de que uma invasão russa poderia ser iminente.

    Nas últimas semanas, os esforços diplomáticos para acalmar as tensões não chegaram a uma conclusão. Foi reconhecida pelo presidente russo Vladimir Putin, nesta segunda-feira (21), a indepedência de Donetsk e Luhansk, duas áreas separatistas ucranianas.

    Poucos dias depois, na quinta-feira (24), o líder russo autorizou uma “operação militar especial” em Donbas, região separatista no leste da Ucrânia. Em discurso na TV estatal, Putin disse “os confrontos entre forças ucranianas e russas é inevitável”.

    Tropas russas ampliaram sua presença em todo o território ucraniano e há relatos de explosões em todo país. Segundo o ministro ucraninano de Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, “Putin ordenou uma invasão em larga escala da Ucrânia”. O presidente Volodymyr Zelensky impõs a lei marcial no país e pediu calma à população.

    Moscou negava repetidamente que estivesse planejando um ataque, insistindo que o apoio da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) à Ucrânia constitui uma ameaça crescente no flanco ocidental da Rússia. Uma escalada de bombardeios no leste da Ucrânia e uma explosão de veículos no Donbas, controlado pelos separatistas, aumentou os temores de que Moscou possa estar alimentando a violência para justificar uma invasão.

    A escalada no conflito de anos entre a Rússia e a Ucrânia desencadeou a maior crise de segurança no continente desde a Guerra Fria, levantando o espectro de um confronto perigoso entre as potências ocidentais e Moscou.

    Então, como nós chegamos aqui? A imagem no terreno está mudando rapidamente, mas aqui está um resumo do que aconteceu até agora.

    Putin reconhece indepedência de duas áreas separatistas ucranianas

    Vladimir Putin reconheceu a indepedência de duas áreas separatistas da Ucrânia: a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk.

    O presidente russo solicitou à Assembleia Federal que apoie a decisão e, que em seguida, ratifique os tratados de amizade e assistência mútua com ambas as repúblicas.

    Antes de assinar o acordo, Putin reafirmou que a situação é complicada no leste ucraniano e que o país faz parte da história da Rússia.

    “É importante entender que a Ucrânia nunca teve uma tradição consistente de ser uma nação de verdade. Começaram a copiar modelos estrangeiros que não faziam parte de sua cultura”, disse Putin. “Vamos começar com o fato de que a Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia, mais precisamente, pelos bolcheviques, a Rússia comunista. Esse processo começou quase imediatamente após a revolução de 1917”, completou.

    Para o líder russo, o país do Leste Europeu é uma “marionete dos EUA” e que, junto à Otan, transformaram a Ucrânia em um teatro de guerra.

    Como ficou a situação na fronteira?

    Mais de 150 mil soldados russos cercaram a Ucrânia como uma ferradura em três lados, de acordo com estimativas de oficiais de inteligência dos EUA e da Ucrânia. A Casa Branca alertou repetidamente que o presidente russo, Vladimir Putin, poderia lançar uma invasão em larga escala da Ucrânia a qualquer momento.

    Em 15 de fevereiro, Putin afirmou que estava retornando algumas tropas de volta à base depois de completar os exercícios e estava aberto a uma rota diplomática para sair do impasse.

    Mas a alegação foi recebida com ceticismo por autoridades ocidentais, seguida de frustração quando os EUA alegaram que, em vez de atrair forças, a Rússia estava mobilizando silenciosamente vários milhares de outros. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, alertou que os EUA não viram nenhum sinal imediato de uma retração militar russa, observando: “infelizmente, há uma diferença entre o que a Rússia diz e o que faz”.

    A Otan aumentou a prontidão de sua força de resposta rápida, enquanto os países membros colocam tropas de prontidão e enviam batalhões, aviões e navios para a região. Os EUA ordenaram que 3 mil soldados adicionais fossem enviados para a Polônia, elevando o número total de reforços enviados para a Europa nas últimas semanas para cerca de 5 mil. Os EUA dizem que não têm intenção de enviar tropas para a Ucrânia, que não é membro da Otan.

    Biden e líderes europeus alertaram que a Rússia sofreria sérias consequências, incluindo sanções, caso Putin avance com uma invasão. Mas isso não impediu a Rússia de continuar reforçando suas posições militares. No final de 2021 e início de 2022, imagens de satélite revelaram novos desdobramentos russos de tropas, tanques, artilharia e outros equipamentos surgindo em vários locais, incluindo próximo ao leste da Ucrânia, Crimeia e Belarus, onde suas forças estavam participando de exercícios conjuntos com o aliado internacional mais próximo de Moscou.

    Apesar de receber financiamento, treinamento e equipamentos dos EUA e de outros países membros da Otan, especialistas dizem que a Ucrânia seria significativamente superada pelas forças armadas da Rússia, que foram modernizadas sob a liderança de Putin. Se uma guerra total eclodir entre os dois países, dezenas de milhares de civis podem morrer e até 5 milhões de pessoas podem se tornar refugiados, segundo algumas estimativas.

    O que preparou o cenário para o conflito?

    A Ucrânia era uma pedra angular da União Soviética até que votou esmagadoramente pela independência em 1991, um marco que acabou sendo uma sentença de morte para a superpotência em queda.

    Após o colapso da União Soviética, a Otan avançou para o leste, trazendo para o rebanho a maioria das nações do Leste Europeu que estavam na órbita comunista. Em 2004, a Otan adicionou as ex-repúblicas soviéticas no Mar Báltico Estônia, Letônia e Lituânia. Quatro anos depois, declarou sua intenção de oferecer a adesão à Ucrânia algum dia em um futuro distante – cruzando uma linha vermelha para a Rússia.

    Putin indicou que vê a expansão da Otan como uma ameaça existencial, e a perspectiva de a Ucrânia se juntar à aliança militar ocidental um “ato hostil”. Em entrevistas e discursos, ele enfatizou sua visão de que a Ucrânia faz parte da Rússia, cultural, linguística e politicamente. Enquanto parte da população de língua russa no leste da Ucrânia sente o mesmo, uma população de língua ucraniana mais nacionalista no oeste tem historicamente apoiado uma maior integração com a Europa. Em um artigo escrito em julho de 2021, Putin sublinhou sua história compartilhada, descrevendo russos e ucranianos como “um só povo”.

    Os ucranianos, que nas últimas três décadas procuraram alinhar-se mais de perto com as instituições ocidentais, como a União Europeia e a Otan, se opuseram a essa ideia. No início de 2014, protestos em massa na capital Kiev, conhecida como Euromaidan, forçaram a saída de um presidente amigo da Rússia depois que ele se recusou a assinar um acordo de associação da União Europeia.

    A Rússia respondeu anexando a península ucraniana da Crimeia e fomentando uma rebelião separatista no leste da Ucrânia, que assumiu o controle de parte da região de Donbas. Apesar de um acordo de cessar-fogo em 2015, os dois lados não viram uma paz estável, e a linha de frente mal se moveu desde então. Quase 14 mil pessoas morreram no conflito e há 1,5 milhão de pessoas deslocadas internamente na Ucrânia, segundo o governo ucraniano.

    O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, no Kremlin de Moscou enquanto assistem a exercícios militares
    O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, no Kremlin de Moscou enquanto assistem a exercícios militares neste sábado (19) / Alexei Nikolsky/TASS/Getty Images

    O que Putin quer?

    Putin conseguiu aumentar a pressão sobre o Ocidente por meses sem nunca disparar um tiro ou atravessar um tanque através de sua fronteira com a Ucrânia.

    Moscou foi acusada de se envolver em guerra híbrida contra a Ucrânia, usando ataques cibernéticos, pressão econômica e propaganda para aumentar as tensões. O Departamento de Estado afirmou no início de fevereiro que a Rússia estava preparada para fabricar “um pretexto para uma invasão” por meio de um vídeo de desinformação.

    Ainda assim, as intenções do Kremlin no país permaneceram em grande parte um mistério. O que Putin deixou claro, porém, é que ele vê a expansão da Otan para o leste como uma ameaça existencial para a Rússia.

    Em dezembro, Putin apresentou aos EUA e à Otan uma lista de exigências de segurança. A principal delas é a garantia de que a Ucrânia nunca entrará na Otan e que a aliança reduza sua presença militar na Europa Oriental e Central – propostas que os EUA e seus aliados disseram repetidamente não serem iniciais.

    Putin indicou que não estava interessado em longas negociações sobre o assunto. “São vocês quem devem nos dar garantias, e vocês devem fazer isso imediatamente, agora”, disse ele em sua entrevista coletiva anual no final do ano passado. “Estamos implantando mísseis perto da fronteira com os EUA? Não, não estamos. São os Estados Unidos que chegaram à nossa casa com seus mísseis e já estão à nossa porta”.

    As negociações de alto nível entre o Ocidente e a Rússia terminaram em janeiro sem nenhum avanço. O impasse deixou os líderes europeus envolvidos em um frenesi de diplomacia, explorando se um canal de negociação estabelecido entre França, Alemanha, Rússia e Ucrânia para resolver o conflito no leste da Ucrânia – conhecido como as negociações do Formato da Normandia – poderia fornecer um caminho para acalmar a crise atual.

    Em uma entrevista coletiva com o novo chanceler alemão Olaf Scholz em 16 de fevereiro, Putin repetiu alegações infundadas de que a Ucrânia está realizando um “genocídio” de pessoas que falam russo na região de Donbas e pediu que o conflito seja resolvido através do progresso da paz em Minsk. ecoando uma retórica semelhante que foi usada como pretexto para anexar a Crimeia.

    Moscou e Kiev continuam em desacordo sobre os principais elementos do acordo de paz assinado em 2015. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou recentemente que não gosta de nenhum ponto dos acordos de Minsk, que exigem diálogo sobre eleições locais em duas regiões separatistas apoiadas pela Rússia em leste do país e – embora não esteja claro em que sequência – também restauraria o controle do governo ucraniano sobre suas fronteiras orientais. Críticos dizem que o acordo pode dar a Moscou uma influência indevida sobre a política ucraniana.

    Putin respondeu em termos contundentes, dizendo que, independentemente de Zelensky gostar do plano, ele deve ser implementado. “Goste ou não goste, é seu dever”, disse Putin em entrevista coletiva ao lado do presidente francês Emmanuel Macron. Zelensky, um ex-comediante e estrela de TV, venceu as eleições de 2019 com uma vitória esmagadora nas promessas de acabar com a guerra em Donbas, mas pouco mudou. Respondendo a uma pergunta sobre a linguagem dura e pouco diplomática de Putin, Zelensky respondeu em russo, dizendo sem rodeios: “Nós não somos dele”.

    Qual é a opinião da Ucrânia?

    O presidente Zelensky subestimou repetidamente o perigo de uma invasão russa, observando que a ameaça existe há anos e não se tornou maior nos últimos meses. É um clima semelhante em Kiev, onde os ucranianos continuaram realizando seus negócios diários, apesar das advertências internacionais e de governos estrangeiros retirarem seus funcionários diplomáticos da capital.

    O governo da Ucrânia insistiu que Moscou não pode impedir Kiev de construir laços mais estreitos com a Otan, ou interferir em sua política interna ou externa. “A Rússia não pode impedir a Ucrânia de se aproximar da Otan e não tem o direito de opinar em discussões relevantes”, disse o Ministério das Relações Exteriores em nota à CNN.

    As tensões entre os dois países foram exacerbadas pelo aprofundamento da crise energética ucraniana que Kiev acredita que Moscou tenha provocado de forma proposital. A Ucrânia vê o controverso oleoduto Nord Stream 2 – que conecta o fornecimento de gás russo diretamente à Alemanha – como uma ameaça à sua própria segurança.

    O Nord Stream 2 é um dos dois oleodutos que a Rússia colocou no leito d’água no Mar Báltico, além de sua tradicional rede de oleodutos terrestres que atravessa a Europa Oriental, incluindo a Ucrânia. Kiev vê os oleodutos na Ucrânia como um elemento de proteção contra uma invasão da Rússia, já que qualquer ação militar poderia interromper o fluxo vital de gás para a Europa.

    É apenas um dos inúmeros desafios que o governo de Zelensky enfrenta. O ex-ator, que interpretou um presidente na televisão ucraniana, teve um brutal batismo de fogo na política do mundo real desde que assumiu o cargo em 2019.

    A popularidade de seu governo estagnou em meio a vários desafios políticos domésticos, incluindo uma recente terceira onda de infecções por Covid-19 e uma economia em dificuldades.

    Muitos ucranianos estão insatisfeitos porque o governo não cumpriu as promessas que o levaram ao poder, incluindo reprimir a corrupção no sistema judicial do país. Mas a preocupação mais urgente é o fracasso até agora de Zelensky de trazer a paz ao leste do país.

    Em meio a advertências de líderes ocidentais de uma invasão russa “a qualquer dia”, o presidente ucraniano declarou 16 de fevereiro como o Dia Nacional da Unidade, insistindo que a Ucrânia não foi intimidada por “nenhum inimigo” e seria capaz de “se defender”.

    “Estamos fazendo o nosso melhor para defender nossos interesses e conquistamos o apoio diplomático de quase todos os líderes do mundo civilizado”, disse Zelensky em um discurso em vídeo, acrescentando: “A segurança da Europa e de todo o continente depende da Ucrânia e de nossos exércitos”.

    (* Tiago Tortella, Matthew Chance e Laura Smith-Spark contribuíram com esta reportagem)

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