O que Putin pode estar planejando para a Ucrânia
Conforme a batalha acontece, o presidente da Rússia tem em suas mãos diversos cenários sobre o que fazer com o território ucraniano ocupado
Demorou algumas horas na quinta-feira (24) para o presidente russo, Vladimir Putin, romper a paz e a segurança da Europa em sua tentativa de tirar dos ucranianos o direito à autodeterminação.
Com ataques aéreos, marítimos e terrestres, a invasão em grande escala à Ucrânia continuou nesta sexta-feira (25), com fontes americanas familiarizadas com a Inteligência alertando que a capital, Kiev, pode cair em poucos dias.
Putin foi muito claro sobre seus objetivos básicos na invasão: ele quer desarmar o país, cortar seus laços com a aliança militar da Otan e acabar com as aspirações do povo ucraniano de se juntar ao Ocidente.
“Vamos tentar desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia”, disse Putin sobre o país – que é liderado por um presidente judeu, Volodymyr Zelensky -, em um discurso transmitido minutos antes do início dos ataques na quinta-feira.
“Além de levar a julgamento aqueles que cometeram vários crimes sangrentos contra civis, inclusive contra cidadãos da Federação Russa”, acrescentou, repetindo uma alegação infundada de genocídio em áreas da região de Donbass, na Ucrânia, controladas por separatistas apoiados pela Rússia.
Esses, em suma, são os objetivos de Putin. Mas adivinhar exatamente como ele planeja executar esse plano é uma questão diferente.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se recusou, nesta sexta-feira, a responder perguntas sobre os objetivos da invasão e quando as hostilidades podem terminar. Mas a história pode servir de guia para entender os possíveis finais de Putin.
Desde a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, vários cenários possíveis se tornaram aparentes:
Anexação da Crimeia 2.0
O governo russo já reconheceu os estados separatistas das Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk no Leste da Ucrânia. Esta semana, os militares russos conquistaram territórios muito maiores, pressionando uma ofensiva em torno de Kharkiv, a maior cidade do Leste da Ucrânia, e, no Sul, em torno da cidade de Kherson.
Se as forças russas forem capazes de capturar a cidade portuária de Odessa, é possível imaginar uma ponte terrestre estendendo-se por todo o sul da Ucrânia, potencialmente ligando o município a Transnístria – um enclave separatista na Moldávia, onde as tropas russas estão estacionadas -, Crimeia e outras regiões ucranianas.
Ucrânia dividida
Putin, em sua história tendenciosa de ucranianos e russos como “um só povo”, observou que a borda ocidental da Ucrânia moderna foi incorporada à União Soviética pelo falecido ditador Joseph Stalin.
Partes desta região pertenceram anteriormente a Polônia, Tchecoslováquia (atual República Tcheca) e Romênia durante guerras e, antes disso, ao Império Austro-Húngaro. Se Putin tem em mente a divisão da Ucrânia, a Galícia e a cidade de Lviv – perto da fronteira polonesa – poderiam ser parte de uma espécie de estado ucraniano remanescente, enquanto a Rússia concentra suas atenções no Leste do país.
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Uma divisão nesse sentido poderia fazer a Ucrânia “parecer a Alemanha na era da Guerra Fria, com a parte ocidental mais dependente da Europa e a parte oriental sugada nas esferas de influência russas, que incluem Belarus”, disse à CNN o historiador e autor russo Alexander Etkind.
Esse tipo de redesenho de fronteiras pode ser uma fantasia expansionista, mas pode separar o que Moscou – justificadamente ou não – percebe como uma parte mais nacionalista da Ucrânia.
“Putin adoraria que todos os (ucranianos) politicamente ativos e independentes deixassem sua parte da Ucrânia”, acrescentou Etkind.
Dividir o país foi sugerido por Putin durante uma transmissão na manhã de quarta-feira. “Deixe-me lembrá-los que as pessoas que vivem em territórios que fazem parte da atual Ucrânia não foram questionadas sobre como queriam construir suas vidas quando a URSS foi criada ou após a Segunda Guerra Mundial”, afirmou, indicando um referendo no estilo da Crimeia.
“A liberdade orienta nossa política, a liberdade de escolher independentemente nosso futuro e o futuro de nossos filhos. Acreditamos que todos os povos que vivem na Ucrânia de hoje, quem quiser fazer isso, deve poder desfrutar desse direito de fazer uma escolha livre”, disse Putin.
Estado pró-Rússia
Autoridades de Inteligência ocidentais alertam que a Rússia está planejando derrubar o governo democraticamente eleito da Ucrânia, substituindo-o por um regime fantoche.
Putin sugeriu que vê o atual governo como ilegítimo e lamentou a deposição do presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych, em 2014. A Ucrânia tem outros políticos que podem estar ansiosos para preencher as vagas do governo pró-Rússia, possivelmente instalado à força.
Um dos principais aliados de Putin na Ucrânia é Viktor Medvedchuk, um proeminente político e oligarca. Ele enfrenta acusações de traição e está em prisão domiciliar.
Um sombrio presidente Zelensky prometeu permanecer em Kiev na quinta-feira, dizendo que grupos de sabotagem russos já entraram na capital e o marcaram “como alvo número um, e minha família como alvo número dois”. “Eles querem destruir a Ucrânia politicamente ao destruir o chefe de Estado”.
Ocupação inquieta
A Rússia diz que não quer fazer uma ocupação, mas é fácil imaginar um cenário em que tente impor sua forma de domínio pesado à Ucrânia.
Isso seria muito difícil para os ucranianos aceitarem: eles vivem em um país com imprensa livre, política local livre e uma tradição de protestos de rua. Muitos ucranianos veem o sistema político russo – no qual protestos genuínos da oposição são amplamente proibidos, ou muito difíceis de se organizar – com grande receio.
Ocupação violenta
Putin não teve problemas em apoiar homens locais fortes, violentos e com pouca consideração pelos direitos humanos.
A força aérea da Rússia apoiou o presidente Bashar al-Assad na guerra civil síria, fornecendo poder de fogo para esmagar os grupos armados de oposição do país e arrasando bairros inteiros no processo.
A própria ascensão política de Putin começou com a pacificação da Chechênia, uma república separatista no Norte do Cáucaso da Rússia.
A campanha russa culminou com a posse de Ramzan Kadyrov, um senhor da guerra local e ex-rebelde acusado de governar a República do Cáucaso como seu feudo pessoal. Ativistas dizem que pessoas LGBTQIA+ e opositores políticos são perseguidos – com algumas alegações de sequestros, torturas ou desaparecimentos.
República do medo
A Rússia tem um temível aparato de segurança interna que prende e persegue dissidentes e mantém oponentes potencialmente problemáticos fora da política.
Os ucranianos que vivem na Crimeia – que foi ocupada pela Rússia em 2014 e anexada após um referendo amplamente visto como uma farsa – experimentaram em primeira mão como é viver em um estado onde o serviço de segurança estatal da Rússia é o todo-poderoso.
O cineasta Oleg Sentsov, um dos ex-prisioneiros de consciência mais proeminentes da Ucrânia, foi acusado pelo o que grupos de direitos humanos descrevem como acusações absurdas, incluindo terrorismo, tráfico de armas e organização de um grupo terrorista.
Ele foi preso na Crimeia em 2014 depois de se opor pacificamente à ocupação russa. Ele recebeu uma sentença de prisão russa de 20 anos em 2015, mas foi libertado em uma troca de prisioneiros com a Ucrânia em 2019 e desde então falou extensivamente sobre a tortura que passou sob custódia das autoridades russas.
Como Senstov, a Ucrânia agora enfrenta o braço forte da Rússia por ousar se opor à visão revanchista de Putin. A capacidade do país de escolher seu próprio futuro agora depende de seus combatentes, que lutam sozinhos contra as forças russas.