“Ninguém sabia o que a gente devia fazer”, diz policial dos EUA sobre protesto
“Tudo, tudo deu errado”, disse um oficial da Polícia do Capitólio no local
A caótica resposta federal ao comício de Donald Trump na quarta-feira (6), que iniciou o movimento de invasores rumo ao Capitólio dos EUA, contrastou com a presença fortemente armada de milhares de autoridades federais durante os protestos no meio do ano em Washington, DC, após a morte de George Floyd pela polícia.
As multidões romperam as barricadas da polícia e invadiram o Capitólio, vandalizando escritórios e levando à evacuação de senadores e deputados logo após as 14h (horário do leste dos EUA). Ao anoitecer, o prédio ainda não estava seguro e uma mulher havia sido morta com um tiro.
“Tudo, tudo deu errado”, disse um oficial da Polícia do Capitólio no local.
A resposta das forças policiais que permitiu que um marco federal tipicamente fortemente protegido caísse sob ataque, com desordeiros quebrando janelas e entrando em escritórios de legisladores e locais de reunião, foi o resultado da hesitante burocracia federal. Agências que tinham forças de segurança que poderiam ajudar esperaram ser chamadas.
“Foi uma bagunça. Ninguém estava se comunicando. Ninguém sabia o que a gente devia fazer lá”, disse um policial federal que foi despachado para o Capitólio.
A principal agência de aplicação da lei encarregada de proteger o edifício histórico era a Polícia do Capitólio. Porta-vozes da agência não responderam a várias perguntas da CNN enviadas ao longo do dia.
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Funcionários do Departamento de Justiça foram encarregados de coordenar as agências federais e a resposta da Guarda Nacional dos EUA antes do comício do presidente Donald Trump perto do Monumento a Washington. Alguns organizadores disseram publicamente que planejavam realizar uma passeata “feroz” até o Capitólio enquanto a sessão conjunta do Congresso se reunia para certificar o presidente eleito Joe Biden como o próximo presidente.
No entanto, as agências estavam esperando que outras autoridades pedissem ajuda – mesmo enquanto o protesto de Trump já acontecia.
O Serviço Secreto dos EUA (USSS na sigla em inglês) foi a primeira agência federal acionada quando a Polícia do Capitólio dos EUA pediu ajuda às autoridades locais e federais, disse um funcionário do USSS à CNN. Quando a Polícia do Capitólio fez o pedido de ajuda, o USSS enviou uma divisão adicional uniformizada e agentes especiais ao Capitólio para ajudar.
“As forças policiais não conseguiram entender qual era a probabilidade dessa ameaça se concretizar”, disse o analista da CNN Jonathan Wackrow, um ex-agente do USSS, embora “ninguém deva se surpreender com o resultado”, dado os comentários de Rudy Giuliani, o advogado de Trump, no comício no início do dia, de que o momento deveria ser um “teste de combate”.
“Deveria haver um muro de forças policiais”, disse Wackrow.
O porta-voz do Departamento de Segurança Interna (DHS), Alexei Woltornist, disse que a agência estava trabalhando com uma “sala de situação virtual” para rastrear a comunicação entre as agências, mas “não estava rastreando nenhuma ameaça ativa”. A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, uma agência policial subordinada ao Departamento de Segurança Interna, tinha dezenas de funcionários preparados, se necessário. Oficiais do Serviço de Proteção Federal e do Serviço Secreto também foram enviados ao Capitólio. O secretário de Segurança Interna em exercício, Chad Wolf, está em viagem diplomática ao Oriente Médio nesta semana, mas planeja retornar. A Polícia de Parques dos EUA do Departamento do Interior, que supervisiona o National Mall e outras áreas do Capitólio, também foi chamada para ajudar.
Quanto ao Departamento de Justiça, o procurador-geral em exercício Jeffrey Rosen destacou mais de 300 agentes e oficiais do FBI, do Bureau de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF) e do US Marshals Service, para ajudar a Polícia do Capitólio. Mas a Polícia do Capitólio já havia perdido o controle.
Alguns desses pedidos ocorreram quase uma hora depois que a multidão havia colocado o Capitólio em lockdown. Rosen não emitiu uma declaração pública condenando a violência até cerca de quatro horas após o início dos distúrbios.
Polícia do Capitólio vencida
Um antigo líder da polícia local de DC, o Departamento de Polícia Metropolitana, disse à CNN: “Não há como negar que a Polícia do Capitólio estava extremamente sobrecarregada hoje… Nunca vi o Capitólio sob um cerco assim”.
“No momento em que a Polícia do Capitólio pediu ajuda, a multidão já estava dentro do prédio”, disse outro policial federal.
A Polícia do Capitólio se reporta aos líderes do Congresso e é separada das agências de segurança pública que fazem parte do poder executivo, disse o oficial. Essa separação de poderes aumentaria o nível de camadas da cuidadosa negociação burocrática. Em outra divisão, a Polícia do Capitólio opera separadamente da força policial metropolitana de DC, que começou a impor um toque de recolher em toda a cidade às 18h (horário do leste dos EUA, 20h no Brasil).
A primeira tarefa dos policiais que chegaram na tarde de quarta-feira foi proteger legisladores e funcionários que deveriam se abrigar em escritórios. Mas a implantação de última hora, com os manifestantes já dentro do prédio, apresentou desafios especiais.
Agentes do FBI e do ATF (cujo trabalho normal é de investigação, não de controle de tumultos) foram enviados ao Capitólio para tentar proteger o prédio e até retirar os manifestantes.
Após as críticas sobre a resposta violenta das autoridades municipais durante os protestos do movimento Black Lives Matter, as autoridades federais tiveram uma presença visivelmente mais leve no comício de Trump.
Dois policiais federais disseram que a Polícia do Capitólio garantiu às autoridades da Justiça que eles estavam preparados para o comício, especialmente porque a região ao redor do Capitólio já está cheia de barricadas em preparação para as cerimônias de posse em duas semanas.
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A prefeita Muriel Bowser também escreveu para Rosen e outras autoridades federais exigindo que as agências federais não enviassem muitos policiais para cidade, como fizeram durante nos meses de protesto do Black Lives Matter. Ela garantiu que a Polícia Metropolitana de Washington, juntamente com um pequeno destacamento de membros do serviço da Guarda Nacional, estava pronta para os protestos do dia.
“O governo do Distrito de Columbia não está solicitando outros reforços das forças policiais”, escreveu Bowser, “e desencoraja qualquer desdobramento adicional sem notificação imediata e consulta à Polícia Metropolitana se tais planos estiverem em andamento”.
Isso mudou rapidamente quando a multidão invadiu o Capitólio.
“Vocês conhecem os perímetros bem significativos que estabelecemos em torno das ruas de DC, e estamos lá para apoiá-los e agora vamos entrar no prédio para garantir que tenhamos o controle e manteremos o controle”, disse Bowser na CNN na tarde de quarta-feira.
Aguardando orientação
Os departamentos de polícia próximos, incluindo o de Fairfax County na Virgínia e os dos condados de Montgomery e Prince George em Maryland, enviaram reforços de centenas de policiais à medida que a tarde avançava.
Forças do condado de Prince George estavam na cidade e ainda aguardavam orientação da polícia municipal no final da tarde, de acordo com seu porta-voz; eles não foram chamados como reforços durante os protestos do movimento Black Lives Matter.
Os policiais da Guarda Nacional de vários estados foram convocados na quarta-feira e começaram a chegar após o início do ato de terrorismo doméstico. Foi um contraste agudo com a rapidez com que Trump trouxe a Guarda Nacional e outras forças de segurança sob o poder executivo para limpar o parque em frente à Casa Branca dos manifestantes pacíficos Black Lives Matter no meio do ano. Após a dura dispersão da multidão, Trump atravessou o parque e tirou uma foto em frente a uma igreja.
“Vamos precisar da luz do dia para ter a oportunidade de supervisionar e revisar e assim saber exatamente o que ocorreu”, disse o procurador-geral de DC Karl Racine à CNN na noite de quarta-feira, acrescentando que a ação deveria ser comparada ao uso da força em Lafayette Square sete meses atrás. “Tendo a achar que não foi acidental. Que não foi descuido ou imprudência” deixar o Capitólio cercado, Racine disse.
Uma fonte disse à CNN que Trump inicialmente resistiu ao envio da Guarda Nacional, e o vice-presidente Mike Pence encorajou o Presidente da Junta dos Chefes de polícia a fazê-lo mais rapidamente.
Ao anoitecer, dentro do edifício do Capitólio, os policiais ainda iam de porta em porta, procurando escritório em escritório, verificando cada armário para se certificar de que o edifício estava seguro.
Vários policiais foram tratados por ferimentos, pouco mais de uma dúzia de pessoas foram presas, bombas tubos encontradas na sede de partidos políticos foram detonadas com segurança e o assassinato de uma mulher que morreu na quarta-feira à tarde está sob investigação.
Geneva Sands, Pamela Brown e Kaitlan Collins da CNN contribuíram para esta reportagem.
(Texto traduzido. Leia o original em inglês).