Neve artificial em Olimpíada de Pequim é tendência, mas também alvo de críticas
Produção de neve é criticada por demandar muitos recursos, e atletas afirmam que ela torna os esportes menos seguros
Seria difícil manter uma conversa com o som ensurdecedor das máquinas de neve preparando as instalações olímpicas a noroeste de Pequim, na China. Elas são barulhentas e estão por toda parte, soprando neve nas encostas mais vigiadas deste mês.
É quase lindo – exceto que os locais são cercados por uma paisagem marrom e seca sem fim, completamente desprovida de neve.
Em uma estreia olímpica, embora não seja uma conquista para se gabar, as mudanças climáticas forçaram as Olimpíadas de Inverno a serem praticamente 100% dependentes da neve artificial – parte de uma tendência que está ocorrendo em locais de esportes de inverno em todo o mundo.
Apenas uma das 21 cidades que sediaram os Jogos Olímpicos de Inverno nos últimos 50 anos terá um clima adequado para esportes de inverno até o final do século, segundo um estudo recente, se as emissões de combustíveis fósseis continuarem sem controle.
À medida que o planeta aquece e o clima se torna cada vez mais errático, a neve natural está se tornando menos confiável para esportes de inverno, o que força os locais a se apoiarem mais na neve artificial.
Mas há um custo: a neve feita pelo homem é incrivelmente intensiva em recursos, exigindo enormes quantidades de energia e água para produção em um clima cada vez mais quente. Atletas de elite também dizem que os próprios esportes se tornam mais complicados e menos seguros quando a neve artificial está envolvida.
Sem neve? Crie
A região ao redor das instalações olímpicas ao ar livre está em uma seca extrema neste inverno, mas mesmo em anos normais não é particularmente adequada para esportes de neve.
A queda de neve média anual em Yanqing (onde estão as encostas alpinas) e Zhangjiakou (onde muitos dos outros eventos são realizados, incluindo o biatlo) é de aproximadamente 20 centímetros, embora anos com neve mais alta tenham sido registrados. É aí que entram as máquinas de neve.
A TechnoAlpin, com sede na Itália, foi escolhida para fabricar a neve necessária para cobrir os quatro espaços de eventos ao ar livre ao redor de Pequim – uma tarefa monumental considerando a clientela de elite que acompanhará os feitos do seu produto.
“Estamos muito orgulhosos de dizer que somos a única empresa que fornece os sistemas de fabricação de neve para a Olimpíada de Pequim”, afirmou Michael Mayr, gerente da TechnoAlpin na Ásia, à CNN.
Mayr disse que é a primeira vez que uma única empresa é encarregada de fornecer toda a neve para os Jogos de Inverno. Mas há um componente crítico para fazer neve que alguns dos locais de Pequim também não têm: temperaturas frias o suficiente para congelar a água.
Na própria Pequim, que sediará alguns eventos ao ar livre, quase todos os dias de fevereiro nos últimos 30 anos estiveram acima de 0ºC, de acordo com um recente relatório da Loughborough University, em Londres, sobre como a crise climática está afetando as Olimpíadas de Inverno.
Yanqing e Zhangjiakou, que são locais de maior altitude, são mais frios, com altas temperaturas médias que atingem o pico acima de zero e baixas que caem para cerca de -10ºC à noite.
“Houve avanços tecnológicos recentes que permitem a geração de neve quando a temperatura está acima de zero”, explicou Jordy Hendrikx, diretor do Laboratório de Neve e Avalanche da Universidade Estadual de Montana. “Esta não é a neve ‘fofa e leve’ que você pode imaginar – é muito mais densa e não muito macia”.
Fabricantes de gelo
Tradicionalmente, a produção de neve depende muito de máquinas de neve e temperaturas iguais ou abaixo de zero. Para acomodar temperaturas mais quentes e altitudes mais baixas, uma abordagem diferente precisa ser tomada.
Para contornar a Mãe Natureza, a TechnoAlpin disse à CNN que começou a enviar um arsenal completo de armas de neve, geradores de neve acionados por ventiladores e torres de resfriamento para Pequim em 2018. Entre essas máquinas estava uma nova peça de tecnologia usada em um centro de treinamento para atletas da China: a Fábrica de Neve.
“Pense nisso como uma versão muito sofisticada da máquina de fazer gelo em sua geladeira”, disse Hendrikx. “Mas então com esteroides”>
Fazer neve exige recursos significativos, nomeadamente energia e água. “Obviamente, precisamos de mais energia quanto mais quente fica”, disse Mayr.
E com 1,2 milhão de metros cúbicos de neve necessários para cobrir cerca de 800.000 metros quadrados de área de competição, de acordo com o relatório da Loughborough University, a demanda de água nas Olimpíadas de Inverno deste ano é enorme.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) estimou que 49 milhões de galões de água serão necessários para produzir neve para os Jogos, o que é muito quando você considera a rapidez com que o mundo está ficando sem água doce.
É o suficiente para encher 3.600 piscinas de quintal de tamanho médio, ou – mais precisamente – é o equivalente a um dia de água potável para quase 100 milhões de pessoas.
“Isso é perigoso”
Os atletas também expressaram preocupação com os perigos de competir em altos níveis na neve artificial.
O esquiador francês Clement Parisse, vencedor da medalha de bronze na Olimpíada de Pyeongchang de 2018, disse à CNN que, embora não seja incomum ter que competir na neve artificial, ela tende a se tornar muito escorregadia e gelada, o que apresenta desafios adicionais.
E Laura Donaldson, uma esquiadora de estilo livre da Escócia que competiu em Salt Lake City em 2002, foi extremamente crítica em relação à neve artificial.
“Se os super tubos de estilo livre são formados por máquinas de fazer neve em uma estação ruim, as paredes do tubo são sólidas, um gelo vertical, e o piso do tubo é gelo sólido”, disse Donaldson aos pesquisadores para o relatório. “Isso é perigoso para os atletas, alguns morreram”.
O COI não enfrenta esses desafios sozinho. A neve artificial está sendo usada como ferramenta para estender as temporadas de esqui em competições e resorts em todo o mundo, muitos dos quais estão ameaçados pelo aquecimento das temperaturas com a crise climática.
Esses desafios continuarão a impulsionar a indústria de esportes de neve em direção à neve artificial quando a Mãe Natureza não a produzir. Mas a questão permanece – só porque podemos fabricá-la, isso significa que devemos?