Nacionalistas acreditam que a China fez pouco para combater visita de Pelosi
Usuários das redes sociais chinesas ficaram decepcionados com a reação do país à visita da presidente da Câmara dos EUA a Taiwan
Quando um jato da Força Aérea dos Estados Unidos que transportava a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, se aproximou de Taiwan na noite de terça-feira (2), as expectativas aumentaram na China sobre como Pequim responderia.
Desde que surgiram relatos de que a principal legisladora dos EUA visitaria Taiwan durante uma turnê pela Ásia, as conversas na China se agitaram com furor nacionalista e retórica ampliada sobre o que a liderança poderia fazer a respeito.
Pequim já havia ameaçado Washington de que aqueles que “brincam com fogo” sobre Taiwan “pereceriam” e advertiu os EUA contra cruzar uma “linha vermelha”, dizendo que os militares chineses “não ficariam de braços cruzados” se Pelosi visitasse o governo autônomo da ilha que o Partido Comunista Chinês reivindica como seu território, apesar de nunca tê-la controlado.
Vozes fora do governo, incluindo o ex-editor-chefe do Global Times Hu Xijin, foram mais diretas, dizendo que a China poderia tomar uma ação militar contra o avião de Pelosi – aumentando as expectativas do público de um confronto.
Em vez disso, Pelosi e sua delegação do Congresso desembarcaram na pista do Aeroporto Songshan de Taipei, onde foram recebidos em uma transmissão ao vivo por autoridades taiwanesas, enquanto o icônico arranha-céu Taipei 101 exibia “amizade EUA-Taiwan para sempre” em texto bem iluminado. Multidões de apoiadores e manifestantes se reuniram do lado de fora do hotel de Pelosi para aguardar sua chegada.
Enquanto Taiwan estendeu o tapete vermelho, os ministérios do governo da China dispararam uma série de condenações, enquanto seus militares se comprometeram a lançar extensos exercícios militares de vários dias e, na quinta-feira (4), dispararam mísseis sobre a ilha. Mas as ações iniciais da China ficaram aquém do que era esperado por parte de seu público doméstico.
E dentro da esfera online do país, onde vozes nacionalistas dominam suas mídias sociais altamente censuradas, a decepção foi alta.
“Eu não sei onde pendurar minha cabeça. Isso é tão vergonhoso. As pessoas de fora do Grande Firewall estão rindo à toa. [A China] é literalmente um ‘tigre de papel'”, escreveu um usuário na rede social chinesa Weibo, semelhante ao Twitter. Outros perguntaram por que havia tanta expectativa para tão pouca ação.
Mas nos dias que se seguiram, um acerto de contas e uma redefinição vêm se desenrolando na China. Em uma tentativa de reverter a insatisfação, a mídia estatal se mobilizou para angariar apoio à resposta da China, retratando seus exercícios militares como fortes e “sem precedentes”. As plataformas de mídia social foram inundadas com notícias desses exercícios, e outras vozes na arena pública elogiaram a China pelo que chamam de uma resposta estratégica bem-sucedida e criticaram o que viram como belicista.
Redefinindo a narrativa
Um dos alvos dessa reação tem sido Hu, ex-editor do tablóide Global Times, apoiado pelo Estado, visto como uma voz-chave que acelera o sentimento nacionalista nos últimos dias.
Na quinta-feira, a influente conta “Chairman Rabbit” na plataforma de mensagens WeChat, administrada pelo blogueiro Ren Yi, disse que as ações da China corresponderam ao tom transmitido pelo governo, mas não às previsões do ex-editor do Global Times.
“O governo chinês de fato formulou contramedidas muito fortes e orgulhosas, que foram muito bem-sucedidas em lidar com essa questão da visita de Pelosi a Taiwan”, disse a publicação.
“Como resultado [dos comentários de Hu], na noite de 2 de agosto, quando o governo chinês e a mídia oficial anunciaram solenemente os exercícios militares e uma série de contramedidas contra Taiwan, os internautas não aplaudiram essas medidas poderosas sem precedentes, nem o moral elevado sem precedentes, a grande emoção das pessoas ou o sentimento patriótico em ebulição”, dizia a publicação.
Outro comentarista popular online, Geng Xiangshun, disse que o patriotismo do público era “muito bom”, mas os pedidos de guerra eram imprudentes – embora ele não tenha mencionado Hu.
“Você deve saber que o objetivo final é realizar a reunificação da pátria ao custo mínimo, não iniciar uma guerra”, escreveu ele em sua conta no Weibo.
Hu se defendeu em um post na quinta-feira, dizendo que suas “palavras pesadas” tinham valor para influenciar a discussão em torno da visita de Pelosi, inclusive em Washington, acrescentando que o “campo patriótico” deveria ter vozes “diversas”.
À medida que essas conversas se desenrolavam, alguns usuários de mídia social pareciam repensar sua decepção, com um escrevendo na noite de quinta-feira que os tomadores de decisão eram realmente “sábios” e “lógicos”.”Agora eu entendo”, disse um usuário em uma publicação com milhares de curtidas.
“Patriotas racionais”
Mas a aparente necessidade de aliviar a decepção e promover a resposta da China também destaca os riscos que o líder Xi Jinping assumiu ao alimentar sentimentos nacionalistas.
“O nacionalismo cresceu sob Xi Jinping, porque Xi continuamente usa isso para seu propósito, para avançar sua agenda, mas acho que ele nunca entendeu o lado negativo, porque ele acha que pode estimular o nacionalismo, mas também pará-lo”, disse Alfred Wu, professor associado da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew da Universidade Nacional de Cingapura.
No entanto, nesta ocasião, Pequim parece ter trazido a narrativa de volta ao controle, enquanto Hu se tornou um bode expiatório para estimular o sentimento nacionalista, disse Wu.
“‘Guerreiros lobo’ às vezes precisam pagar o preço”, disse Wu, usando um termo comum para os líderes de opinião e diplomatas combativos e nacionalistas de Pequim.
Questionado na quarta-feira sobre a reação inicial online sobre a resposta da China, o vice-ministro assistente de Relações Exteriores, Hua Chunying, deu uma resposta reveladora.
“Temos plena confiança na capacidade de nosso país e nosso governo de defender firmemente nossa soberania e integridade territorial”, disse Hua. “O povo chinês é patriota racional”.
O escritório da CNN em Pequim contribuiu para esta reportagem.