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    Na Ucrânia, minha família acordou em um filme de terror sem botão de ‘desligar’

    Tropas russas invadiram Ucrânia pela fronteira leste e norte e atacaram infraestruturas militares perto de grandes cidades na manhã desta quinta-feira.

    Olesia Markoviccolaboração para a CNN , Kiev

    A minha manhã de hoje (24) não começou com café. Meu marido, que trabalha para uma empresa do setor energético, recebeu um telefonema do trabalho antes do nascer do sol. “Os russos estão nos bombardeando”, disseram a ele.

    Imediatamente ouvimos explosões distantes – provavelmente o som de bombardeios perto do Aeroporto Internacional de Kiev-Boryspil, na capital. Mais notícias terríveis se seguiram. Os russos atacaram a Ucrânia ao longo de sua fronteira leste e norte, e também da Crimeia. Houve ataques aéreos à infraestruturas militares perto das grandes cidades e combates intensos no leste da Ucrânia.

    Notícias horríveis vieram de Kharkiv, também no leste da Ucrânia, onde o bombardeio danificou um prédio residencial. Um explosivo de artilharia também atingiu a cidade de Uman, na região central da Ucrânia, longe das fronteiras e desconfortavelmente perto de nossa casa em Kiev. Enquanto isso, as autoridades ucranianas, que introduziram a lei marcial esta manhã, estão preparando a evacuação de civis dos pontos mais perigosos.

    Kiev também está enfrentando uma nova realidade. Muitas pessoas saíram pela manhã, causando engarrafamentos nas estradas de saída da cidade em direção ao sul e oeste. Nós – meu marido e meu filho de oito anos – decidimos ficar. Assistindo a transmissão ao vivo do trânsito na TV, achamos que seria mais seguro se ficássemos em casa. Especialmente considerando que toda a infraestrutura em Kiev – eletricidade, internet, conexão de celular, metrô – ainda funcionava bem.

    Agora é praticamente impossível sair de Kiev de carro, devido ao congestionamento nas estradas. Ainda assim, continuamos preparados. Embalamos as necessidades – pasta com documentos, laptops e caixas transportadoras para nossos três gatos de estimação, caso a gente escute a sirene do bombardeio e tenhamos que ir ao abrigo antiaéreo.

    Com as malas prontas, agora nos concentramos em nosso trabalho. As escolas de Kiev já mudaram para o ensino online (não que houvesse muita disposição para as aulas hoje), e então meu filho teve um dia de folga inesperado. Ele não sabe o que causou isso e não parece preocupado – afinal, o fechamento aleatório de escolas se tornou a norma durante o lockdown. Ele pegou uma bolacha de chocolate e foi para a sala assistir Homem de Ferro (seu super-herói favorito), enquanto permanecíamos grudados em nossos celulares checando as atualizações da guerra.

    No momento, minha versão adulta do Homem de Ferro é o exército ucraniano. Não seria exagero dizer que eles são o escudo entre o mundo civilizado e as forças russas que ameaçam destruir tudo ao seu redor. Esta manhã estava parecendo um filme – mas não consigo apertar o botão de “desligar”.

    Ao longo destas últimas semanas tenho recebido inúmeras ofertas de abrigo de amigos que vivem nos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Croácia, Polônia, Eslovênia e Hungria. Eles estavam abrindo seus corações e as portas de suas casas. Saber que temos esse tipo de rede de segurança é reconfortante. Mas o que é muito mais importante agora é construir uma rede de segurança para a Ucrânia.

    Isso significa pedir ajuda à comunidade internacional – soluções diplomáticas, sanções, pressão sobre a Rússia – qualquer coisa que faça um ditador parar. Está muito claro agora que um país que ataca um vizinho pacífico constitui uma ameaça para o resto do mundo. A Ucrânia precisa urgentemente de apoio internacional – por meio de ações que levem a resultados viáveis.

    Enquanto isso, a Ucrânia permanecerá forte. Não é a primeira vez em nossa história que resistimos a um império ameaçador. Nos últimos 100 anos, sobrevivemos à fome orquestrada pelos soviéticos, aos Gulags (campos de trabalho forçado onde muitas pessoas morreram) e ataques às elites intelectuais da Ucrânia.

    A independência que a Ucrânia obteve em 1991 sempre foi motivo de arrependimento para a liderança russa, especialmente para Putin. Em sua aparente visão de restaurar o império soviético, a Ucrânia é um elemento-chave. Assim, durante os 30 anos de nossa independência, a Rússia sempre foi disruptiva: intrometendo-se nas eleições, envenenando políticos pró-ocidentais, anexando a Crimeia, engolindo uma parte de Donbass. Mas por mais que tentasse, o Kremlin não nos quebrou.

    Putin nega a Ucrânia. Ele pode escrever artigos lunáticos e fazer discursos bizarros alegando que não existe uma nação como a Ucrânia, que somos um único povo com os russos. Mas nós, ucranianos, ao contrário de muitos russos, experimentamos a liberdade e a temos em nosso DNA. Somos pessoas diferentes.

    Nota do editor: Olesia Markovic é pesquisadora PhD na Academia da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, na Ucrânia. Markovic é ex-consultora de comunicação da International Finance Corporation e repórter de relações exteriores. As opiniões expressas neste artigo são dela. Leia mais opiniões na CNN.

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