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    Mulheres em Mianmar são abusadas e expostas no Telegram por pró-militares governistas

    Vídeos e fotos íntimas, divulgação de telefone e endereço são algumas das formas de exposição de pessoas que não concordam com o golpe militar e o atual governo do país

    Mulheres em Mianmar são expostas e abusadas no Telegram por pró-militares
    Mulheres em Mianmar são expostas e abusadas no Telegram por pró-militares JC / CNN

    Pallabi Munsida CNN

    No verão de 2021, Chomden estava no exterior, a milhares de quilômetros de sua casa em Mianmar, quando uma amiga lhe enviou uma mensagem urgente informando que um vídeo íntimo dela estava sendo compartilhado online.

    Quando ela viu a mensagem, a jovem de 25 anos disse que congelou “como uma estátua”, e o telefone até caiu de sua mão. Ela tinha acabado de ser exposta.

    Um vídeo de Chomden nua –cujo nome foi mudado para proteger sua identidade– fazendo sexo com um ex-namorado, junto com seu nome e foto do perfil do Facebook, estava circulando em um canal público na plataforma de mensagens Telegram, e muitos dos aproximadamente 10 mil seguidores do grupo começaram a enviar mensagens abusivas para ela.

    Fazia apenas seis meses desde que a líder civil de Mianmar, Aung San Suu Kyi, tinha sido destituída do poder em um golpe militar liderado pelo general Min Aung Hlaing, que criou o Conselho de Administração do Estado (SAC, na sigla em inglês) e agora conduz o governo provisório do país como um primeiro-ministro não eleito.

    Chomden estava de férias na época do golpe de 1º de fevereiro e sentiu muito medo de voltar para casa, mas ela diz que também se sentiu obrigada a falar nas redes sociais sobre a situação do povo de Mianmar e a repressão rápida e brutal da junta militar contra vozes críticas, compartilhando depoimentos em vídeo de pessoas ainda no país.

    Longe de casa, ela presumira que estaria a salvo de qualquer represália por suas críticas à junta governante, mas Chomden não havia considerado a possibilidade de retaliação online.

    Agora, meses depois do golpe, seu vídeo privado havia se tornado público –em um canal administrado por apoiadores dos militares e usado para fazer circular propaganda política e exposição de pessoas que se acredita se oporem ao SAC.

    A foto de Chomden no Facebook incluía um filtro mostrando a bandeira do governo paralelo de Mianmar, o Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), identificando-a como uma apoiadora do governo deposto e democraticamente eleito do país.

    O texto que acompanha a postagem do Telegram, escrito em birmanês pelo administrador do canal, diz: “A p*** que está transando com todo mundo e gravando em HD… Saiba sua posição, vagabunda!”

    Ela também foi chantageada por estranhos que alegavam ter mais vídeos dela, diz ela. Sem nenhum sistema de apoio por perto, Chomden se sentiu perdida. As consequências do post afetaram tanto sua saúde mental que ela disse: “Tenho que admitir que até pensei em me matar”.

    “Eles queriam destruir minha vida”, disse ela à CNN.

    Chomden teve imagens íntimas expostas em grupo pró-militar no Telegram de Mianmar / Reprodução / CNN

    Milhares de mulheres “politicamente ativas” expostas ou abusadas

    Após o golpe de dois anos atrás, com a intensificação da repressão do Estado, civis se uniram para defender cidades e vilas, e alguns exércitos rebeldes com uma longa história de conflito contra os militares se uniram sob a Força de Defesa do Povo, unidades armadas alinhadas com o governo de oposição.

    Desde então, os combates deslocaram centenas de milhares de pessoas e muitos agora temem o aprofundamento da guerra civil.

    Mas o conflito em Mianmar não está acontecendo apenas no solo; os ataques são predominantes online e o “doxxing” surgiu como uma ferramenta amplamente usada por apoiadores da junta governamental para ameaçar e silenciar pessoas que eles veem como seus oponentes.

    “Doxxing” é o ato de identificar ou publicar publicamente “informações privadas sobre alguém como forma de punição ou vingança” –e homens e mulheres estão sendo visados de maneiras diferentes.

    Quando os homens são visados, as postagens normalmente insinuam que estão ligados a grupos terroristas que trabalham para derrubar a junta, disseram vários especialistas de ONGs e grupos de direitos digitais da região à CNN.

    Mas quando as mulheres são alvo de doxxing, os ataques frequentemente apresentam discurso de ódio sexista, muitas vezes associado a imagens sexuais explícitas e vídeos delas, como foi a experiência de Chomden.

    E em Mianmar, simplesmente compartilhar os nomes e rostos de pessoas que supostamente apoiam a democracia pode colocar essas pessoas em risco de prisão, enquanto a exposição de vídeos e fotos privadas os submete e a toda a sua família à vergonha social.

    Análises separadas da CNN e de ONGs que trabalham em Mianmar mostram que tudo isso está acontecendo extensivamente no Telegram (que ganhou importância depois que os militares ordenaram que o Facebook fosse temporariamente bloqueado após o golpe e continuou tendo o acesso bloqueado desde então).

    Ativistas estão pedindo aos proprietários russos da empresa do aplicativo de mensagens que tomem medidas urgentes para impedir que essa violência seja perpetuada por meio de seu aplicativo.

    Uma análise da CNN identificou centenas de vídeos e imagens sexuais usados em canais pró-militares do Telegram para o abuso de mulheres, muitas vezes por terem opiniões pró-democracia, e centenas mais usando termos sexuais para atingir o mesmo objetivo.

    “Nós queremos democracia” escrito em rua de Rangum, em Mianmar / 21/02/2021 REUTERS/Stringer/Archivo

    Uma análise separada da Myanmar Witness –um projeto executado pelo Centre for Information Resilience, com sede no Reino Unido, que usa ferramentas de código aberto para descobrir abusos dos direitos humanos– em colaboração com a organização de base Sisters2Sisters, publicada recentemente, analisou mais de um milhão de postagens do Telegram após o golpe e encontrou mais evidências disso.

    “Vimos que [até] 90% das postagens abusivas foram perpetradas por canais que parecem ser pró-militares e pró-SAC e grupos ultranacionalistas […] direcionados a mulheres pró-democracia”, disse Me Me Khant, que liderou a pesquisa da Myanmar Witness.

    A CNN contratou uma empresa de ciência de dados com conhecimento de Mianmar para analisar dez canais públicos pró-militares do Telegram ativos entre o início do golpe e o final de 2022, identificados como contendo o maior volume de imagens e vídeos sexuais. A CNN não vai nomear a empresa por causa de preocupações com sua segurança. Mais de 178 mil postagens foram compartilhadas nesse período, com um canal com mais de 42 mil seguidores no momento da análise.

    Mensagens sexuais foram postadas com frequência (1.199 postagens) e dessas, imagens sexualmente explícitas (204) e vídeos sexuais (187) foram comuns. Quase todas as imagens e vídeos (98%) tinham como alvo mulheres, muitas vezes usando linguagem sexualmente explícita em postagens que criticavam suas visões pró-democracia. O vídeo de Chomden estava circulando em um dos canais analisados – quase seis meses depois de ter sido postado em outro lugar.

    Em um canal público do Telegram monitorado separadamente pela CNN, a misoginia era padrão e a divulgação de nomes e endereços de mulheres comum.

    Uma postagem mostrava um administrador profusamente insultando uma mulher por apoiar o movimento pró-democracia, usando linguagem sexual ofensiva e questionando sua fertilidade. A postagem incluía as falas (originalmente em birmanês): “Por causa de sua má atitude, ela não conseguiu engravidar”.

    Outras postagens divulgaram endereços pedindo que as mulheres fossem encontradas e presas, ou que suas casas e negócios fossem fechados.

    O recente relatório da Myanmar Witness forneceu mais evidências desse abuso online, visando mulheres proeminentes e mulheres em geral. A equipe analisou mais de 1,6 milhão de postagens em 100 canais do Telegram, que incluíam canais identificados como pró-militares (64) e pró-democracia (36).

    Dos canais que eles observaram, as postagens contendo termos abusivos direcionados às mulheres aumentaram oito vezes, de menos de cinco postagens por dia em média nos primeiros meses após o golpe de fevereiro de 2021 para mais de 40, em média, em julho de 2022, e passando de 80 mensagens abusivas em alguns dias.

    Protestos em Mianmar
    Protestos em Mianmar: Manifestantes contrários ao golpe militar entram em confronto com forças de segurança na cidade de Yangon / Foto: Stringer/Reuters

    Uma análise mais aprofundada do conteúdo das mensagens feita pela organização sem fins lucrativos analisou os tipos de abuso e discurso de ódio em 220 postagens no Telegram, Facebook e Twitter (a maioria no Telegram) e descobriu que pelo menos metade das postagens praticavam doxxing contra mulheres em aparente retaliação por suas opiniões ou ações políticas, a maioria visando mulheres vistas como pró-democracia.

    Das postagens de doxxing analisadas, 28% incluíam um apelo explícito para que as mulheres visadas fossem punidas offline. A “esmagadora maioria” das postagens abusivas veio de perfis masculinos que apoiavam o golpe militar de Mianmar, visando mulheres que se opunham ao golpe, afirma o relatório.

    A Myanmar Witness destaca em seu relatório que os dados coletados durante a investigação têm “alta probabilidade” de representar apenas uma pequena amostra de abuso online com motivação política contra mulheres. O mesmo se aplica à análise da CNN, o que significa que provavelmente mostra apenas a ponta do iceberg, já que as análises foram apenas de canais públicos e não de grupos ou mensagens privadas.

    Vários especialistas expressaram preocupação à CNN sobre as ligações entre esses canais e os militares. O relatório continua sugerindo que alguns canais pró-militares do Telegram parecem estar em coordenação com os próprios militares, denunciando mulheres que se opõem a eles e parecendo garantir que a junta está ciente de detalhes privados que podem ser usados para localizá-las e prendê-las.

    O relatório destaca dois casos de mulheres presas logo após passarem por doxxing e de postagens comemorando ou reivindicando crédito por suas prisões.

    “Vimos dois casos de alto perfil em que duas mulheres conhecidas foram presas logo após episódios de doxxing. Os canais também se alegraram após suas prisões. Quando essas coisas acontecem, você não pode deixar de se perguntar: e se elas não tivessem sido expostas, ainda teriam sido presas – na época?”, disse Khant à CNN.

    Wai Phyo Myint, analista de políticas da Ásia-Pacífico na organização de direitos digitais Access Now, explica a ampla gama de consequências offline significativas. “As pessoas [estão] sendo presas, chantageadas ou forçadas ao exílio. Algumas perderam seus meios de subsistência depois que seus negócios e casas foram fechados após o doxxing, outras tiveram que se esconder”, disse ela à CNN.

    Os militares de Mianmar foram contatados, mas não responderam aos pedidos de comentários da CNN.

    Myanmar Witness viu alguns abusos e doxxing nos canais do Telegram identificando-se como pró-democracia, mas em um grau muito menor. Em resposta a isso, Aung Myo Min, Ministro dos Direitos Humanos do Governo de Unidade Nacional, reconheceu que a desigualdade de gênero era um problema no país.

    “O assédio baseado em gênero ou orientação sexual é muito comum em Mianmar, em ambos os lados”, disse Myo Min à CNN, acrescentando que “mostra claramente a necessidade [de] trabalho, educação e explicação necessária sobre igualdade de gênero”.

    Mas ele também pediu às plataformas de mídia social que agissem e criassem um sistema de relatórios melhor. “Eles [plataformas de mídia social] têm sua parte [nas] responsabilidades”, disse ele.

    Manifestantes em Taipei, Mianmar
    Protestos contra o regime militar em Mianmar no dia 28/03/2021 / Daniel Tsang/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

    Em uma declaração à CNN, o porta-voz do Telegram, Remi Vaughn, reiterou os Termos de Serviço e escreveu: “O Telegram é uma plataforma para liberdade de expressão. No entanto, compartilhar informações privadas (doxxing) e apelar à violência são explicitamente proibidos por nossos Termos de Serviço”.

    A CNN não conseguiu identificar regras claras sobre doxxing nos Termos de Serviço da plataforma, mas viu que a promoção da violência e o compartilhamento de conteúdo pornográfico ilegal em “canais, bots, etc. do Telegram publicamente visíveis” eram proibidos. A plataforma também disponibiliza um e-mail – abuse@telegram.org – para denunciar esse conteúdo.

    Quando a CNN entrou em contato com o Telegram sobre as regras de doxxing –ou a falta delas– em seus Termos de Serviço disponíveis publicamente, eles não responderam.

    Violência sexual como uma “arma direcionada”

    O Global Justice Center, uma organização internacional de direitos humanos e direito humanitário que trabalha para promover a igualdade de gênero, produziu um relatório em 2015 que descreve os estereótipos de gênero como difundidos em Mianmar e apoiados por práticas religiosas, culturais, políticas e tradicionais.

    “As mulheres na Birmânia são geralmente consideradas secundárias aos homens”, afirmou o relatório, e nos oito anos desde sua publicação, pouco mudou, acredita Akila Radhakrishnan, presidente do Global Justice Center.

    Ela acredita que a visão dominante sobre as mulheres em Mianmar continua como “sendo quietas, dóceis” e de seus corpos vistos “como uma garantia pública” e, em sua opinião, os ataques às mulheres nos grupos pró-militares do Telegram espelham o que os próprios militares fariam.

    “Os militares de Mianmar usaram, por décadas, a violência sexual e de gênero como uma arma direcionada”, disse Radhakrishnan à CNN. “As mulheres e os corpos delas são realmente vistos com uma mentalidade muito estreita pelos militares, e isso reflete nos atos que eles perpetram contra as mulheres, seja violência física, seja outros tipos de violência, sendo o mais recente o uso da tecnologia”.

    Mas as mulheres há muito desempenham um papel no movimento pró-democracia do país, uma vez liderado pela líder destituída Aung San Suu Kyi, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991 por seu compromisso com a causa.

    Após o golpe, as mulheres têm sido fundamentais na organização de protestos pró-democracia e os especialistas acreditam que os ataques de doxxing começaram e pioraram progressivamente à medida que mais mulheres se juntaram a esses protestos.

    “Uma mulher que é envergonhada por seu corpo, uma mulher que é envergonhada por suas atividades sexuais, isso significa que essa mulher não tem mais valor na sociedade”, disse Radhakrishnan.

    Mulheres em Mianmar são expostas e abusadas no Telegram por pró-militares / JC / CNN

    Depois que ela foi exposta, Chomden disse à CNN que foi apenas uma questão de horas antes que ela começasse a ser assediada sexualmente e intimidada online. As mensagens começaram a chegar, primeiro de estranhos abusando dela, depois, disse ela, de amigos chocados com seu comportamento “vergonhoso” à medida que a notícia se espalhava pela comunidade.

    Chomden disse que sua mãe, ainda residente em Mianmar, sofreu o impacto do ataque: ela não saiu de casa por três meses com medo de ser envergonhada e condenada ao ostracismo por pessoas que viram ou ouviram falar do vídeo.

    Chomden continua apoiando o Governo de Unidade Nacional, mas sente medo de voltar para casa após o golpe, principalmente porque os militares haviam emitido um mandado de prisão contra ela por seu ativismo em abril de 2021, mas o vídeo tornou a ideia ainda mais assustadora: “Como eu poderia… com tanta vergonha?”, disse ela à CNN.

    Fazendo com que as mulheres “se censurem”

    Victoire Rio, uma ativista de direitos digitais que trabalha em Mianmar, acredita que o doxxing faz parte de uma estratégia maior para levar as pessoas a “se censurarem”.

    “Se eu colocasse um cronograma para isso”, Rio disse à CNN, “você verá que imediatamente após o golpe, os militares estavam indo atrás de qualquer um que tivesse o potencial de reunir pessoas: influenciadores, estrelas de cinema, ativistas importantes, mais ou menos figuras influentes locais”.

    Rio explicou que isso foi feito acusando-os de acordo com o código penal 505 por se manifestarem contra os militares, que, segundo a Human Rights Watch, foi alterado para punir uma gama mais ampla de críticos do golpe e dos militares. Mas “isso não foi realmente eficaz”, disse Rio.

    Assim, no verão de 2021, Rio acredita que houve uma mudança de estratégia. “É quando você começa a ver o doxxing, abuso e segmentação se estendendo além de figuras influentes, mas realmente começando a atingir qualquer um e todos”, disse Rio. “É uma campanha de terror [e] uma estratégia muito eficaz para tentar forçar a autocensura e realmente tentar assustar as pessoas e silenciá-las”.

    Embora isso não possa estar diretamente ligado aos militares, a atividade é clara nos canais públicos do Telegram liderados por apoiadores militares. Ativista de direitos digitais, Htaike Htaike Aung acredita que o uso de conteúdo sexualmente explícito para silenciar os críticos funcionou.

    Como resultado de todo o doxxing que aconteceu, ela disse à CNN: “Vemos cada vez mais mulheres e minorias de gênero com medo de expressar suas opiniões”.

    Mulheres em Mianmar são expostas e abusadas no Telegram por pró-militares / JC / CNN

    Sem escolha, a não ser partir

    Linn –a CNN não está usando seu nome completo por precaução com sua segurança– é uma ativista social que tem falado sobre violações de direitos humanos e direitos das mulheres em Mianmar desde 2017. Ela foi presa em 3 de março de 2021, disse à CNN, por organizar manifestações não violentas após o golpe e foi mantida na prisão de Insein, em Yangon, por oito meses.

    Logo após sua libertação, a mulher de 34 anos começou a falar sobre o tratamento de pessoas encarceradas em Insein. Um relatório de 2021 da Human Rights Watch descreve experiências “desumanizadoras” nas prisões de Mianmar, incluindo “violência sexual e outras formas de assédio e humilhação de gênero por parte de policiais e militares” desde o golpe.

    “Falei sobre violência e abusos dos direitos humanos na prisão nas redes sociais e nas agências de notícias”, disse Linn. “Também conversei e fiz campanha para fortalecer a participação popular na revolução”.

    Os militares responsáveis pela prisão de Insein não responderam ao pedido de comentário da CNN.

    Uma semana após sua libertação, Linn foi alvo de um popular canal pró-militar do Telegram que na época tinha mais de 18 mil seguidores.

    Compartilhando capturas de tela de suas postagens no Facebook detalhando o que ela disse estar acontecendo dentro de Insein, bem como fotos dela com a líder deposta Suu Kyi, a pessoa escreveu: “Ela foi libertada há não mais de duas semanas e está novamente fazendo a mesma coisa. Ela está querendo voltar”. Outros no grupo logo responderam com mais abuso de gênero.

    A CNN pôde ver as postagens abusivas e a conversa que se seguiu. Um usuário escreveu: “Mate-a!”. Outro: “Depois que todo mundo a f***, dê o veredicto dela”, seguido por vários outros expressando sentimentos semelhantes. Mais postagens se seguiram.

    Linn buscou refúgio na casa de segurança da sua organização (que a CNN não está citando por preocupação com sua segurança) após sua libertação da prisão, mas depois de passar por doxxing, tornou-se cada vez mais difícil para ela se aventurar nas ruas.

    “Apoiadores militares e extremistas religiosos começaram a vigiar os bairros onde eu provavelmente estaria”, disse ela.

    Ela disse à CNN que estava determinada a não sentir vergonha, mas estava preocupada com a segurança dos outros. “Eu sabia que se fosse presa novamente, outras pessoas que moram na casa também seriam alvos”.

    Em março de 2022, um ano após o início de sua provação, Linn saiu da casa de segurança e começou sua jornada para fora de Mianmar. “Eu não me importava se fosse presa novamente, não queria que ninguém fosse preso por minha causa”.

    Até agora do Telegram, pouca responsabilidade da plataforma

    A atividade nesses canais do Telegram pode ser relatada aos moderadores da plataforma e alguns canais foram retirados como resultado. O Telegram derrubou um canal que a CNN compartilhou logo após ser destacado, bem como canais destacados em um relatório recente da BBC.

    Mas a CNN viu que quando os canais são bloqueados, novos logo aparecem, e os especialistas destacaram que muitos prejudiciais nunca são removidos.

    Em janeiro de 2022, uma organização digital de direitos civis que trabalha na região (que a CNN não está citando para garantir a segurança de suas equipes) listou 14 canais públicos do Telegram que estavam violando os “direitos humanos do povo de Mianmar” de várias maneiras, incluindo postagem de imagens e vídeos sexualmente explícitos de mulheres sem o consentimento delas, tudo lançado por um influenciador social pró-militar que administra vários canais no Telegram.

    A organização diz ter enviado o documento –visto pela CNN– ao Telegram, expressando preocupação de que isso estivesse acontecendo em sua plataforma, junto com alguns estudos de caso, pedindo ao Telegram que aderisse aos princípios de direitos humanos da ONU, disseram à CNN. Mas, um ano depois, eles dizem que ainda não obtiveram uma resposta e que o abuso continua acontecendo em grandes volumes.

    Myint of Access Now destaca que, embora o Telegram tenha retirado muitos canais administrados por esses influenciadores pró-militares, outros canais ainda estão sendo executados com o mesmo nome. “Por que o Telegram não está sendo mais proativo para não deixar (pessoas com) o mesmo nome abrirem cada vez mais canais?”.

    A declaração do Telegram à CNN alegou que doxxing, a postagem de conteúdo sexual e a perpetuação da violência é uma violação de seus Termos de Serviço. A plataforma também acrescentou: “Nossos moderadores usam uma combinação de moderação proativa e relatórios de usuários para remover esse conteúdo de nossa plataforma. Essa política clara permitiu que movimentos pró-democracia em todo o mundo organizassem movimentos em larga escala com segurança usando nossa plataforma, por exemplo, em Hong Kong, Belarus e Irã.

    Mas Rio acredita que o Telegram não desempenhou esse papel em Mianmar. “O Telegram afirma ser uma plataforma tão revolucionária que ajuda os iranianos e os habitantes de Hong Kong, mas quando se trata de Mianmar, falha em reconhecer como a plataforma é abusada”, disse ela.

    O Telegram não respondeu às perguntas específicas da CNN sobre se modera o conteúdo em língua birmanesa ou por que postagens abusivas, doxxing e pornográficas em canais públicos continuam, apesar dos Termos de Serviço da plataforma.

    “Não vimos esforços do Telegram para alcançar a sociedade civil em Mianmar e tentar entender o que realmente está acontecendo”, concluiu Rio. Eles precisam realmente “se envolver e ter uma noção de quais são os riscos associados às suas plataformas e desenvolver mecanismos para estar em uma posição melhor para lidar com os riscos que surgirem”.

    O Telegram não respondeu ao pedido de retorno da CNN para comentar por que supostamente não estava respondendo a e-mails e memorandos de ativistas de direitos digitais que trabalham em Mianmar e mostram evidências de doxxing em larga escala.

    Chomden, que sentiu sua vida desmoronar depois do doxxing sofrido em um dos muitos canais pró-militares do Telegram de Mianmar, enfatiza a necessidade de urgência, dizendo: “Não sou só eu, centenas de mulheres em Mianmar estão passando pelo mesmo e não está tudo bem. O Telegram precisa saber que não está certo […] permitir que esses grupos destruam a vida das pessoas.”

    Mulheres em Mianmar são expostas e abusadas no Telegram por pró-militares / JC / CNN

    Veja testemunhos de outras mulheres que passaram por doxxing em grupos pró-militares

    Yin (a CNN não está usando seu nome completo por precaução com sua segurança)
    Idade: 28
    Profissão: Médica
    Testemunho editado para maior clareza e concisão

    “Logo após o golpe de 1º de fevereiro de 2021, juntei-me a outros amigos médicos para tratar civis feridos durante os protestos que eclodiram. Estávamos determinados a tratar as pessoas necessitadas e, em dois dias, estávamos administrando clínicas médicas gratuitas. Também demos relatórios sobre o número de feridos –e mortos– a repórteres na cidade.

    Em meados de março, um amigo repórter me avisou que os militares haviam emitido um mandado de prisão em meu nome sob o Código Penal 505 (A), que havia sido recentemente alterado e agora cobria mais pessoas criticando o golpe e os militares. Então, peguei uma mala e fugi do país.

    Depois que saí, alguém que eu conhecia postou um vídeo meu junto com informações falsas, alegando que eu estava tendo um caso amoroso e um pesadelo ainda maior começou.

    Grupos pró-militares obtiveram o vídeo de alguma forma, e as fotos do meu perfil no Facebook acabaram em vários canais do Telegram administrados por grupos pró-militares e as imagens expuseram minha localização.

    Muitas pessoas começaram a enviar mensagens grosseiras para mim e, em casa, minha mãe foi humilhada por pessoas de sua comunidade que comentavam que eu tenho um mau caráter. No meu blog, as pessoas começaram a comentar que eu deveria ser punida por ir contra a cultura birmanesa [que desaprova casais vivendo juntos fora do casamento e mulheres tendo casos amorosos].

    Tudo isso teve um grande impacto na minha vida. Não uso mais as redes sociais porque estou com muito medo. Não posso ir para casa e não tenho nenhuma proteção onde estou porque há um mandado de prisão contra mim em Mianmar. Agora sou uma imigrante ilegal. Eu me sinto tão desesperada e não há solução à vista.”

    Thinzar Shunlei Yi
    Idade: 34
    Profissão: ativista pró-democracia para Sisters2Sisters
    Testemunho editado para maior clareza e concisão

    “Sou ativista de justiça social há cerca de 12 anos. Venho de uma típica família budista birmanesa de oficiais militares e civis. Fui criada em um complexo militar como filha de um capitão. Após o colegial, comecei a explorar o mundo exterior e, quando falei contra as atrocidades militares e a falta de liderança em regiões étnicas e minoritárias, a maioria dos meus parentes e familiares se sentiram traídos.

    Mas fui inspirada pela bravura e dedicação do movimento pró-democracia em Mianmar e fui desaprender o que os militares doutrinaram e reaprender princípios de direitos humanos. E isso fez de mim uma de suas vítimas.

    Em 2012, coorganizei o primeiro Fórum Juvenil de Mianmar e me tornei a coordenadora nacional do Congresso Nacional da Juventude enquanto Mianmar ainda estava sob um governo quase militar. Em 2014, antes de o parlamento aprovar um projeto de lei que se opõe aos direitos reprodutivos das mulheres, contas falsas supostamente criadas para atingir mulheres ativistas compartilhavam informações pessoais online, incluindo a minha.

    Meu número de telefone foi compartilhado em vários sites pornográficos e lembro-me de receber ligações à meia-noite, perguntando qual era o meu preço. Isso foi uma tentativa de envergonhar a família e me impedir de falar.

    Continuei organizando fóruns, eventos comunitários e protestos por diferentes questões e continuei sendo fortemente atacada online e excluída da sociedade.

    Após o golpe de 2021, sete anos após esse primeiro abuso, propagandistas militares me expuseram em vários canais do Telegram. Meu nome verdadeiro foi compartilhado com a mídia estatal, que usou minha foto de perfil nas redes sociais e anunciou que havia um mandado contra mim por falar contra os militares, pedindo às pessoas que os avisassem se me encontrassem.

    Mais tarde, o endereço da minha família foi postado em canais pró-militares do Telegram por propagandistas militares, pedindo à polícia para verificar se eu estava lá e, se não, para intimidar meus familiares.

    Os perfis de mídia social da minha irmã também foram usados para doxxing. Consegui me proteger, a minha família e minha irmã também, mas os danos a outras mulheres continuaram.

    Decidi que precisava tomar alguma atitude, então, para o Dia Internacional da Mulher no ano passado, comecei a campanha #TelegramHurtsWomen no Twitter com minha organização, Sisters2Sisters. Marcamos Pavel Durov, (o fundador do Telegram) em minhas postagens, mas ainda não obtivemos uma resposta.

    No mês passado, meu nome foi incluído em uma lista de mais de 200 das celebridades, blogueiros e ativistas [homens e mulheres] mais seguidos postados em um canal do Telegram e ameaçados por grupos pró-militares, pedindo que as pessoas verifique-nos e informe-os se ainda estivermos falando algo.”

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

    versão original