Morte de líder do Estado Islâmico gera mais perguntas do que respostas
Para especialistas, perda de Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi não é tão significativa para o grupo, que perdeu territórios e adquiriu uma organização dispersa
O auto intitulado califado perdeu seu líder novamente. Na superfície, o ataque dos Estados Unidos na Síria que matou o chefe do Estado Islâmico Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi pode parecer um divisor de águas, mas especialistas alertam que o ressurgimento do grupo provavelmente continuará implacável.
“Graças à bravura de nossas tropas, esse horrível líder terrorista não existe mais”, declarou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, horas após o fim da operação que atingiu Qurayshi no enclave rebelde sírio de Idlib.
Biden pode ter esperado a mesma fanfarra que saudou seus antecessores quando eles derrubaram o fundador do grupo, Abu Bakr al-Baghdadi, e o líder da Al Qaeda Osama bin Laden.
Mas os especialistas sobre o Estado Islâmico foram rápidos em jogar um balde de água fria nas alegações de que a ação foi um golpe significativo contra o grupo. Qurayshi não é Baghdadi, e um grupo que já comandou um pedaço de território maior que o Reino Unido é agora uma insurgência de guerrilha com sua liderança dispersa.
Mas o grupo acusado de cometer genocídio, execução em massa e opressão provou que continua sendo uma força formidável. Um relatório das Nações Unidas divulgado na sexta-feira (4) disse que a organização está longe de ser derrotada. Na verdade, continua a ser uma força potente no Iraque e na Síria, com uma presença crescente no Afeganistão e na África Ocidental, de acordo com a análise da ONU.
O relatório – compilado por especialistas da ONU no grupo e na Al Qaeda antes da morte de Qurayshi e cobrindo os últimos seis meses de 2021 – disse que o Estado Islâmico pode ter até US$ 50 milhões em seus cofres.
Mesmo antes da morte do seu líder, de acordo com os especialistas da ONU, o grupo havia perdido vários membros importantes do escalão sênior. E, no entanto, ele continua sendo uma ameaça.
A instabilidade no Iraque e na Síria “indica que um eventual ressurgimento ISIL na região central não pode ser descartado”, conclui o relatório, referindo-se ao grupo por sua sigla alternativa.
No Iraque, o Estado Islâmico realiza ataques quase diariamente. No Líbano, autoridades dizem ter encontrado um terreno fértil para recrutamento na cidade de Trípoli. E as Nações Unidas dizem que a organização ainda pode ter até 10.000 combatentes na Síria e no Iraque.
Na semana passada, o grupo lançou seu maior ataque em três anos, quando os combatentes do grupo tentaram libertar presos de uma prisão no nordeste da Síria. Ele perdeu o embate, que durou uma semana. Centenas de presos do Estado Islâmico, incluindo crianças, bem como dezenas de combatentes curdos apoiados pelos Estados Unidos, morreram nos combates.
O aumento na violência deixa as autoridades de segurança da região no limite, precisamente porque o quadro é mais obscuro do que era no auge da organização, quando ela tomou Mosul em 2014.
Naquele período, uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, assim como os grupos armados xiitas apoiados pelo Irã, travaram batalhas de anos que acabaram levando o território do Estado Islâmico a se evaporar. Agora, o grupo é virtualmente invisível. Sua propagação é detectável, mas parece não ter uma única fonte.
Por essa razão, o ataque dos Estados Unidos – por mais deslumbrante que a ótica possa ter sido para alguns – levanta mais perguntas do que respostas. O que o líder do Estado Islâmico estava fazendo em Idlib, onde os ostensivos rivais do grupo Hay’at Tahrir al Sham, um ex-afiliado da Al Qaeda, dominam? Como ele foi capaz de comandar células mais distantes na Síria e no Iraque?
Longe de tranquilizar observadores e oficiais de segurança, o diabo nos detalhes da operação de quinta-feira (3) parece confirmar o que os especialistas vêm dizendo há meses: Qurayshi era a cabeça de uma cobra, mas será preciso muito mais sofisticação e cooperação internacional para exterminar o poço de onde ele veio.