Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Militarização da Ásia pode transformar região em barril de pólvora

    Nos últimos meses, a atenção global se voltou para o aumento das tensões entre Taipei e Pequim - mas a ameaça de conflitos na Ásia se estende para muito além do estreito de Taiwan

    Caça chinês J-16, do Exército de Libertação do Povo, voa sobre zona de defesa aérea de Taiwan
    Caça chinês J-16, do Exército de Libertação do Povo, voa sobre zona de defesa aérea de Taiwan Ministério da Defesa de Taiwan

    Análise por Ben WestcottEric Cheungda CNN

    No extenso estaleiro Jiangnan, em Xangai, operários ajustam as catapultas que irão diferenciar o último e mais avançado porta-aviões da China de seus dois irmãos mais velhos.

    Uma vez concluído, o navio de alta tecnologia será capaz de lançar aeronaves na mesma velocidade que seus homólogos americanos, outro exemplo da rápida modernização militar da China.

    Essa é uma tendência que está colocando toda a região em alerta.

    Nos últimos meses, a atenção global se voltou para o aumento das tensões entre Taipei e Pequim – mas a ameaça de conflitos na Ásia se estende para muito além do estreito de Taiwan.

    Em toda a região, países se concentram em sua própria corrida armamentista para não ficarem para trás. Contudo, especialistas alertam que qualquer erro de cálculo pode levar a conflitos em uma região já muito dividida por disputas de fronteira e antigas rivalidades.

    No Leste Asiático, o Japão e a Coreia do Sul estão rapidamente modernizando suas forças armadas em resposta às ameaças da China e da Coreia do Norte, cuja liderança é particularmente sensível a sinais de progresso militar nas proximidades. No mês passado, depois que a Coreia do Sul testou um novo míssil, Pyongyang criticou Seul por sua “ambição irresponsável”.

    Enquanto isso, após confrontos com a China na disputada fronteira com o Himalaia, o aumento do investimento militar da Índia pode inflamar as tensões com seu rival de longa data, o Paquistão.

    Da mesma forma, os países com disputas territoriais no Mar do Sul da China podem ter dificuldades para manter um status quo diplomático com Pequim agressivamente reivindicando rotas de navegação estrategicamente valiosas.

    A região está encurralada em um “dilema de segurança” – uma espiral geopolítica em que os países reforçam suas próprias forças armadas em resposta ao crescimento militar de seus vizinhos, disse Malcolm Davis, analista sênior do Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI).

    “A probabilidade de uma grande guerra de poder acontecer está aumentando”, afirmou. “Estamos caminhando em direção a uma possível crise”.

    A ascensão militar da China

    Com o presidente Xi Jinping, as forças armadas da China se expandiram rapidamente.

    O Exército de Libertação Popular (ELP) chinês agora possui a maior marinha do mundo, caças furtivos de tecnologia avançada e um crescente arsenal de armas nucleares. Mas a modernização militar está só no começo.

    O orçamento militar da China cresce a cada ano, é de mais de US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1,12 bilhão) para 2021. Embora ainda esteja muito abaixo do orçamento de defesa dos EUA, estimado em US$ 740 bilhões para 2022 (cerca de R$ 4,15 bilhões), o ELP está se aproximando tecnologicamente dos militares norte-americanos.

    Além do terceiro porta-aviões sendo construído em Xangai, o Pentágono afirmou que a China testou recentemente um míssil hipersônico.

    “O que vimos foi um evento muito significativo de um teste de um sistema de armas hipersônicas. Isso é muito preocupante”, disse o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Mark Milley. A China disse que não era um míssil, e sim um “experimento de rotina com uma aeronave”.

    Além disso, não é só o crescimento militar da China que está perturbando a região, mas também sua atitude.

    Durante a comemoração do 100º aniversário do Partido Comunista Chinês em julho, Xi Jinping teria dito que a China não seria mais “intimidada, oprimida ou subjugada”, e que qualquer um que tentasse fazê-lo “teria as cabeças esmagadas contra uma grande parede de aço”.

    Nesta semana, em reunião virtual com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Xi Jinping disse que a China tomará “medidas resolutas” se as forças separatistas em Taiwan cruzarem a “linha vermelha”, de acordo com comunicado oficial chinês sobre a reunião.

    A probabilidade de uma grande guerra de poder acontecer está aumentando… Estamos caminhando em direção a uma possível crise

    Malcolm Davis, analista sênior do Instituto Australiano de Política Estratégica

    “Esses movimentos são extremamente perigosos, é como brincar com fogo. E quem brinca com fogo acaba se queimando”, afirmou Xi no comunicado.

    Nos últimos anos, uma nova geração de diplomatas chineses combativos, apelidados de “lobos guerreiros”, têm reagido com força em coletivas de imprensa e nas redes sociais contra qualquer ofensa contra a China.

    Arzan Tarapore, estudioso do Sul da Ásia na Universidade de Stanford, disse que a postura agressiva de Pequim e a diplomacia do governo de Xi Jinping estavam alarmando seus vizinhos. “Não se trata apenas da arrogância da diplomacia estilo “lobo guerreiro”, mas de uma aparente disposição de demandar suas reivindicações territoriais com força”, acrescentou.

    Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos têm sido um grande promotor da paz e estabilidade na região, principalmente por meio de suas alianças de segurança com o Japão, a Coreia do Sul e as Filipinas.

    No entanto, a ameaça de retirada dos EUA da região durante o governo do ex-presidente Donald Trump, combinada com a política de “América em Primeiro Lugar” que fez o país voltar sua atenção para dentro, acabaram minando a confiança no envolvimento de Washington na região.

    Desde que foi eleito, Biden afirmou seu compromisso com a região do Indo-Pacífico, mas a ameaça de um segundo governo Trump em 2024 e o caos gerado pela retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão levaram os parceiros de segurança dos EUA na Ásia a reforçarem suas próprias forças militares contra qualquer eventualidade, disse Tarapore.

    “Receio que agora sempre haverá uma pequena hesitação quando os países regionais pensarem nos EUA: que eles não estão imunes a instabilidades internas ou loucuras estratégicas”, comentou.

    Japão e Coreia do Sul aumentam suas forças

    Dois dos países com militarização mais rápida são os geograficamente mais próximos da China: Japão e Coreia do Sul.

    Antes de sua vitória eleitoral em outubro, o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, prometeu dobrar o orçamento militar do país se fosse reeleito, aumentando-o para 2% do PIB pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.

    Não existe um prazo para esse aumento inédito, mas ele permitiria ao governo japonês expandir rapidamente suas forças, em um momento em que Tóquio sente a crescente pressão das vizinhas Coreia do Norte e China.

    Recentemente, o Japão anunciou planos de, em 2022, implantar mais mísseis no arquipélago de Okinawa, que fica a algumas centenas de quilômetros da China continental. Os especialistas veem essa implantação como uma forma de desencorajar qualquer movimentação de Pequim contra Taiwan.

    O Japão também expandiu suas forças armadas nos últimos anos, com caças F-35 licenciados ou adquiridos dos Estados Unidos, além de porta-aviões adaptados para transportá-los. As Forças de Autodefesa do país também estão buscando incluir submarinos de ponta, navios destroyer e caças furtivos a seu arsenal.

    Embora a Coreia do Norte esteja sempre nas manchetes por seu programa de mísseis, a Coreia do Sul também está rapidamente expandindo seu poder militar. Seul está buscando aumentar suas forças armadas, em parte para tornar o país menos dependente de seu parceiro de segurança de longa data, os Estados Unidos.

    Em setembro, Seul anunciou que havia testado com sucesso um míssil balístico lançado por submarino (SLBM), um dos primeiros grandes testes desde que o presidente Biden concordou em encerrar um tratado de 40 anos que limitava o programa de armas da Coreia do Sul.

    Receio que agora sempre haverá uma pequena hesitação quando os países regionais pensarem nos EUA: que eles não estão imunes a instabilidades internas ou loucuras estratégicas

    Arzan Tarapore, estudioso do Sul da Ásia na Universidade de Stanford

    Os limites foram estabelecidos em 1979 para evitar uma corrida para o desenvolvimento de mísseis entre as duas Coreias. O fim do tratado é mais um passo da Coreia do Sul rumo à independência militar, o que pode provocar uma corrida armamentista mais intensa com o Norte. A Coreia do Sul já está planejando encomendar seu primeiro porta-aviões, para possível lançamento em 2033.

    Embora o Japão e a Coreia do Sul sejam parceiros de segurança dos Estados Unidos e tenham relações difíceis com a China e a Coreia do Norte, seus laços bilaterais às vezes são prejudicados por ressentimentos históricos e disputas territoriais.

    Os dois governos frequentemente entram em conflito diplomático sobre abusos de direitos humanos ocorridos durante o início do século 20, quando o Japão ocupou a Coreia do Sul, e especialistas dizem que nenhum dos dois quer que o outro avance demais militarmente.

    “Alguns líderes de direita em Tóquio dirão: ‘Olha a Coreia do Sul, eles têm um porta-aviões completo, totalmente equipado, precisamos de um também… por uma questão de orgulho nacional'”, disse Lionel Fatton, especialista na região do Indo-Pacífico da Webster University, na Suíça.

    A lenta corrida armamentista

    Nem todos os países aliados dos EUA buscam mais independência militar.

    Em um anúncio surpreendente em setembro, a Austrália se alinhou mais a Washington, formando uma nova aliança de segurança com os EUA e o Reino Unido na região do Indo-Pacífico.

    Pelo acordo, conhecido como AUKUS, os aliados compartilharão informações, incluindo tecnologia dos Estados Unidos que poderá levar a Austrália a ter sua própria frota de submarinos nucleares. Isso permitirá à Austrália estender seu alcance até o Mar do Sul da China, além de solidificar uma base para Londres e Washington na região.

    A decisão deixou claro que a Austrália estava escolhendo os EUA em vez da China, mudando o equilíbrio de poder na zona Ásia-Pacífico.

    O acordo também inquietou as nações do Sudeste Asiático, que lutam para manter um relacionamento cordial com Pequim e, ao mesmo tempo, proteger seus próprios interesses.

    Tanto a Malásia quanto a Indonésia expressaram publicamente suas reservas sobre o acordo AUKUS, com Jacarta afirmando temer que isso possa levar a uma corrida armamentista regional. O embaixador dos EUA na Indonésia, Sung Kim, disse na época que essas preocupações eram injustificadas.

    A própria Indonésia está em meio a um grande movimento de modernização militar. O presidente Joko Widodo anunciou um investimento de US$ 125 bilhões (cerca de R$ 701 bilhões) em junho e aumentou as tropas militares no Mar do Sul da China, onde a China se considera dona de uma grande faixa de território que se sobrepõe a áreas reivindicadas por outras nações.

    No entanto, outros países brigando pelo Mar do Sul da China – incluindo Filipinas e Vietnã – estão com dificuldades com seu próprio desenvolvimento militar, disse Davis, do ASPI.

    Em julho, o especialista militar vietnamita Nguyen The Phuong escreveu que a modernização militar do Vietnã foi efetivamente interrompida devido a restrições orçamentárias e alegações de corrupção nas forças armadas. Em setembro, o ministro da Defesa das Filipinas, Delfin Lorenzana, culpou os Estados Unidos por se recusarem a fornecer armas de alta tecnologia a seu país, deixando-os com “sobras da Guerra do Vietnã”.

    Davis explicou que a postura tradicional da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), incluindo Vietnã, Malásia, Filipinas e Indonésia, é evitar o conflito em favor de manter o status quo e o não alinhamento.

    Mas ele alertou que qualquer nova agressão de Pequim no Mar do Sul da China pode levar os países a adotar uma postura mais militarista.

    “Se os chineses declarassem uma Zona de Identificação de Defesa Aérea no Mar do Sul da China, tomassem territórios adicionais ou começassem a construir novas ilhas artificiais… Isso poderia fazer com que os países da ASEAN realmente dessem esse passo adiante”, afirmou.

    Ameaças militares no sul da Ásia

    Além de Taiwan, a maioria dos especialistas relatou que o impasse militar mais perigoso na Ásia é a fronteira entre a China e a Índia.

    Em junho de 2020, dezenas de soldados chineses e indianos foram mortos em confrontos no Vale Galwan, uma área disputada pela China e pela Índia como sendo parte das regiões de Xinjiang ou de Ladakh, respectivamente. Desde então, uma série de relatórios não confirmados sugerem que tropas estão sendo enviadas para a fronteira, tanto por Pequim quanto por Delhi.

    De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), a Índia tem o terceiro maior orçamento militar do mundo, de aproximadamente US$ 72 bilhões (cerca de R$ 403 bilhões), e possui um exército de mais de 3 milhões de pessoas.

    O país também tem investido em seu próprio programa de modernização militar adquirindo novos equipamentos, incluindo 83 caças fabricados localmente e 56 aeronaves Airbus C295 na configuração de transporte.

    A Índia possui ainda um porta-aviões de produção nacional, o INS Vikrant, que está passando por testes de mar e realizando testes de mísseis para melhorar seu arsenal balístico.

    Mas Tarapore, de Stanford, disse que a abordagem ainda é fragmentada. “A Força Aérea como um todo tem uma grande necessidade de recapitalização, e a Marinha está aposentando submarinos mais rápido do que repondo”, comentou.

    Porém, qualquer atitude da Índia para aumentar suas forças armadas pode ser vista de forma desfavorável pelo vizinho Paquistão, explicou Tarapore. Por décadas, as duas potências nucleares tiveram um período de paz difícil, com várias disputas em sua fronteira terrestre.

    Tarapore acrescentou que é pouco provável que a Índia consiga realizar seu desenvolvimento militar sem causar preocupação no Paquistão, e assim nem tentar apaziguar Islamabad e simplesmente seguir em frente.

    “Delhi sabe que, salvo alguma grande barganha política improvável, a forma específica de sua modernização militar não vai acalmar o Paquistão, então a Índia pode muito bem fazer o que for necessário para enfrentar as ameaças militares mais urgentes”, comentou.

    Uma zona Ásia-Pacífico mais segura?

    A China não tem dado sinais de reduzir seu crescimento militar, e Pequim atribui isso parcialmente a um grande fator: os EUA.

    Nos últimos anos, as forças armadas norte-americanas têm aumentado sua presença na zona Ásia-Pacífico, incluindo a realização de operações frequentes de liberdade de navegação perto de ilhas controladas pelos chineses no Mar do Sul da China e a passagem de navios pelo estreito de Taiwan.

    Em julho, os EUA enviaram mais de vinte caças furtivos F-22 a Guam para exercícios, e o USS Carl Vinson, o primeiro porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos a ser equipado com caças F-35C, realizou exercícios com as Forças de Autodefesa do Japão no Mar do Sul da China em setembro.

    O Ministério das Relações Exteriores da China frequentemente acusa os EUA de serem os responsáveis pela militarização na região Ásia-Pacífico. Porém, à medida que a China aumenta suas forças, o mesmo ocorre com seus vizinhos.

    O resultado é que a militarização na região não tem nenhum fim à vista, e a maioria dos especialistas afirma que ela provavelmente vai se acelerar, aumentando a chance de erros de cálculo e conflitos.

    Políticos e especialistas da região compararam a corrida armamentista e as tensões na zona Ásia-Pacífico com a Europa na década de 1930, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial.

    Peter Layton, pesquisador visitante do Instituto Asiático da Griffith University, disse que a chance de uma guerra entre grandes potências na região da Ásia nos próximos 10 anos está aumentando, mas ele espera que a interdependência econômica e comercial entre a China, seus rivais na Ásia e os EUA possam ajudar a impedir qualquer ação militar.

    “A questão é se o sistema econômico é forte o suficiente para evitar conflitos militares”, comentou. No entanto, Layton disse que, embora a interdependência econômica possa impedir a guerra na Ásia, ela pode desencadear uma crescente coerção econômica na região, como as restrições comerciais que a China impôs à Austrália no ano passado.

    “Eles podem… usar sanções positivas ou negativas para controlar a maioria das pessoas, usando o poder do dinheiro”, afirmou.

    Davis, do ASPI, disse que embora imagine que a corrida armamentista na Ásia tornará a região mais perigosa, ele não acredita que as nações tenham “muita escolha”.

    Ele acredita que o comportamento agressivo do governo chinês e a modernização militar vão continuar, independentemente da reação de seus vizinhos. “Mesmo se não respondêssemos, eles continuariam”, comentou.

    De fato, Tarapore disse que é possível que a fraqueza militar por si só possa provocar uma agressão, ao passo que o poder militar “também pode ser assustador para antigos agressores e servir mais para dissuadir do que para provocar a guerra”.

    Está chegando o momento, segundo Tarapore, em que os países da Ásia terão de escolher “que forma de segurança é mais importante” – a segurança de um inibidor militar, ou a proteção oferecida pelo consentimento à expansão de Pequim.

    “Corridas armamentistas custam caro. Perdê-las pode custar mais caro ainda”, concluiu.

    Brad Lendon e Will Ripley, da CNN, contribuíram para esta reportagem.

    (Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).