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    Militares estão matando manifestantes em Mianmar; entenda o que acontece no país

    Mais de 37 pessoas, incluindo crianças, já foram assassinadas em protestos contra o golpe militar exercido no país em 1º de fevereiro

    Soldados do lado de fora do Banco Central de Mianmar durante protesto em Yangon contra golpe militar
    Soldados do lado de fora do Banco Central de Mianmar durante protesto em Yangon contra golpe militar Foto: Reuters (15.fev.2021)

    Helen Regan e Jessie Yeung,

    da CNN

    Há mais de um mês manifestantes estão indo diariamente às ruas de diversas cidades de Mianmar desde que as forças armadas tomaram o poder no dia 1º de fevereiro

    Sob o comando do General Min Aung Hlaing, policiais e militares vêm trabalhando numa repressão sistemática em todo o país, mostrado um aumento na brutalidade no confronto com os manifestantes, o que inclui atirar em manifestações pacíficas e encobertar desaparecidos.  

    Pelo menos 138 pessoas, incluindo crianças, foram mortas desde o golpe, segundo a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (CNUDH). Mais de 2.100 pessoas, incluindo jornalistas, manifestantes, ativistas, oficiais do governo, sindicalistas, escritores, estudantes e civis foram detidos no meio da noite, de acordo com a ONG Assistance Association for Political Prisoners (AAPP). Ativistas acreditam que há um subnotificação e que os números são ainda mais altos. 

    Desde que tomou o poder, Min Aung Hlaing deteve líderes eleitos democraticamente — incluindo a líder civil Aung San Suu Kyi — derrubou o governo da Liga Nacional para a Democracia e estabeleceu uma junta governante chamada Conselho de Administração Estatal. O general declarou o país em estado de emergência por um ano e que após esse período uma eleição seria realizada.

    Aqui está o que você precisa saber sobre a situação:

    Por que militares tomaram o poder em Mianmar? 

    A justificativa para militares tomarem o poder foi alegando uma fraude eleitoral durante as eleições de novembro de 2020, que deu ao partido de Suu Kyi, da oposição, mais uma vitória esmagadora. 

    O Partido da Solidariedade e Desenvolvimento teve um desempenho péssimo na votação, destruindo as expectativas de que apoiadores militares pudessem assumir o poder democraticamente — ou pelo menos escolher o próximo presidente. Militares então alegaram — sem fornecer provas — que havia mais de 10,5 milhões de casos de “fraude potencial, como eleitores inexistentes” e pediram à comissão eleitoral que divulgasse publicamente os dados finais da votação. A comissão rejeitou as alegações de fraude eleitoral.

    Essa é a segunda eleição democrática desde 2011, quando o país passou por uma série de reformas, após meio século de um brutal regime militar em Mianmar, anteriormente conhecida como Birmânia, que ocasionou numa extrema pobreza e isolacionismo.

    Analistas dizem que o golpe foi menos sobre fraudes eleitorais e mais sobre o desejo dos militares continuarem no poder, o que seria impossível já que seriam mais cinco anos do segundo mandato de Suu Kyi e seu partido Liga Nacional para a Democracia, eleito democraticamente. 

    Mianmar
    Posto de controle montado por militares no caminho para o complexo do Congresso de Mianmar em Naypyitaw, depois de golpe militar que derrubou a líder eleita do país, Aung San Suu Kyi
    Foto: Stringer/Reuters (4/02/2021)

    Por que Mianmar está protestando?

    Enfurecidas por verem que décadas de reformas, como liberação econômica e a transição para um estado democrático, poderiam ser revertidas, milhões de pessoas de todas as idades e classes sociais foram às ruas quase que diariamente em todo país. 

    Manifestantes estão exigindo a devolução do poder para às mãos dos civis e a liberação de Suu Kyi e outros líderes civis. Diversos grupos de minorias étnicas de Mianmar, que há muito lutam por maior autonomia para suas terras, também exigem que a constituição de 2008, escrita pelos militares, seja abolida e uma democracia federal seja estabelecida.

    As manifestações, especialmente aquelas com barricadas, são dominadas por jovens que cresceram num estado democrático com liberdades políticas e econômicas que seus pais ou avós não tinham e das quais eles não estão dispostos a renunciar.

    Policial militar de Mianmar
    Policial militar de Mianmar
    Foto: Reuters

    Enquanto isso, o movimento de desobediência civil tem ganhado reforço de trabalhadores de colarinho, desde médicos, banqueiros e advogados até professores, engenheiros e trabalhadores de fábricas, que deixaram seu trabalho para reforçar o grupo de resistência. 

    As greves interromperam serviços de saúde, bancos, ferrovias e serviços administrativos, entre outros. A mídia local Frontier Myanmar relatou que caminhoneiros em greve, agentes alfandegários e bancários e trabalhadores portuários paralisaram o comércio internacional por meio dos postos de Yangon. 

    Como os militares estão respondendo? 

    Nas últimas semanas, os militares intensificaram suas ações contra os protestos. Filmagens e imagens nas redes sociais mostram corpos deitados em poças de sangue nas ruas e jovens manifestantes vestidos com capacetes de plástico frágeis agachados na tentativa de se protegerem de balas da polícia atrás de escudos improvisados.

    A Anistia Internacional disse que os militares estão usando táticas e armas cada vez mais letais, normalmente vistas apenas nos campos de batalha, contra manifestantes pacíficos e transeuntes. Soldados aguerridos — ou seja, documentados por terem cometido abusos contra os direitos humanos em áreas de conflito — foram enviados às ruas, disse a Anistia. O relator especial da ONU para os direitos humanos em Mianmar, Tom Andrews, disse que a “resposta brutal” dos militares aos protestos pacíficos “provavelmente está atingindo o limite legal para crimes contra a humanidade”.

     

    Tendo um apagão noturno como álibi, as forças armadas vão de porta em porta tirar as pessoas de suas casas. Muitos dos detidos arbitrariamente são mantidos longe do contato de familiares e amigos e suas condições ou paradeiro são desconhecidos.

    Pelo menos quatro mortes nos últimos dias foram de indivíduos presos e detidos pela Junta, incluindo dois funcionários do partido deposto NLD. Todos os quatro morreram sob custódia, de acordo com o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Grupos familiares e ativistas alegaram que os dois funcionários do NLD foram torturados.

    Os militares também buscaram reprimir a mídia independente, suspendendo as licenças de cinco veículos e prendendo jornalistas. A Associated Press exigiu a libertação de seu jornalista Thein Zaw, que foi detido e acusado “por simplesmente fazer seu trabalho” enquanto cobria violentas manifestações anti-golpe para a agência de notícias dos Estados Unidos.

    Apesar do perigo, milhares de jovens manifestantes continuaram a desafiar os militares e vão às ruas todos os dias. Repórteres locais e jornalistas continuam a arriscar suas vidas transmitindo ao vivo e documentando a repressão.

    A junta disse que está usando “força moderada” contra o que chamou de “manifestantes rebeldes”. Em um discurso publicado no porta-voz estatal Global New Light of Mianmar, Min Aung Hlaing disse que a força policial “está controlando a situação usando o mínimo de força e pelos meios menos nocivos”. 

    “O MPF está fazendo seu trabalho de acordo com as práticas democráticas e as medidas que está tomando são ainda mais suaves do que em outros países”, disse.

    O que aconteceu com Aung San Suu Kyi?

    Aung San Suu Kyi permanece muito popular em Mianmar
    Aung San Suu Kyi permanece muito popular em Mianmar
    Foto: Reuters

    Suu Kyi já foi celebrada como um ícone da democracia internacional. Ex-prisioneira política, ela passou 15 anos em prisão domiciliar como parte de uma luta de décadas contra o regime militar. 

    Sua libertação em 2010 e a vitória eleitoral cinco anos depois foram elogiadas pelos governos ocidentais como momentos marcantes na transição do país para um regime democrático após 50 anos de regimes militares. 

    Suu Kyi foi processada com quatro acusações que podem resultar em uma pena de prisão por anos. Ela continua em prisão domiciliar, tendo sido detida pelos militares nas horas anteriores ao golpe. Ela está sendo processada por quatro irregularidades: a primeira é sobre a lei de importação e exportação do país, a segunda em relação a uma lei nacional de desastres, uma terceira sob o código penal da era colonial — que proíbe a publicação de informações que possam “causar medo ou alarme”— e a quarta sob uma lei de telecomunicações que estipula licenças para celulares e telefones. 

    Os militares também acusaram o líder deposto de suborno e corrupção. O porta-voz militar, general Zaw Min Tun, disse em uma entrevista coletiva que Suu Kyi aceitou pagamentos ilegais no valor de US $ 600.000, bem como ouro, enquanto esteve no governo. Seu advogado chamou as acusações de “fabricação completa de notícias falsas”. 

    Suu Kyi não foi vista pelo público ou por seus advogados desde que foi detida. O presidente deposto, Win Myint, também está detido desde o golpe e enfrenta acusações semelhantes. 

    Funcionários do NLD no poder foram presos ou se esconderam desde o golpe. Um grupo de ex-legisladores do NLD formou uma espécie de parlamento civil paralelo — chamado de Comitê Representante de Pyidaungsu Hluttaw (CRPH) — em que pressiona entidades internacionais por seu reconhecimento como o governo legítimo. 

    O líder interino do grupo, Mahn Win Khaing Than, prometeu fazer uma “revolução” para derrubar o atual governo. 

    O que as Nações Unidas estão fazendo? 

    Manifestantes, ativistas e civis pediram à comunidade internacional que intervenha e proteja o povo dos ataques militares. 

    Vários governos em todo o mundo condenaram o golpe, enquanto os EUA e o Reino Unido impuseram sanções aos líderes militares de Mianmar. A União Europeia também disse que vai introduzir sanções específicas que podem ser expandidas para incluir empresas ligadas aos militares. 

    Na semana passada, todos os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU apoiaram unanimemente a declaração mais forte desde o golpe, dizendo que “condena veementemente a violência contra manifestantes pacíficos” e apelou aos militares para terem “mais moderação “

    Diplomatas da ONU disseram à CNN que China, Rússia e Vietnã se recusaram a chamar os eventos de ” golpe” já que isso poderia ameaçar novas ações, potencialmente sanções.

    Abertura da Assembleia-Geral de 2019
    Secretário-geral da ONU, António Guterres, discursa na abertura da Assembleia-Geral de 2019
    Foto: Brendan McDermid/Reuters (24.set.2019)

    A China não condenou abertamente a tomada militar, mas numa conversa após o acordo do Conselho de Segurança, o Embaixador da ONU Zhang Jun disse que “é importante que os membros do Conselho falem em uma só voz. Esperamos que a mensagem do Conselho seja conducente para aliviar a situação em Mianmar. ” 

    Após o incêndio de fábricas chinesas em Yangon nesta semana, a China assumiu um tom mais agressivo. A Embaixada da China em Mianmar disse que “a China incentiva Mianmar a tomar medidas eficazes para impedir todos os atos de violência, punir de acordo com a lei e garantir a segurança da vida e da propriedade de empresas e funcionários chineses em Mianmar”, segundo um pronunciamento chinês transmitido na emissora estadual CGTN. 

    Muitos em Mianmar estão ficando frustrados com meras palavras de condenação e exigem ações mais significativas. O embaixador de Mianmar na ONU, Kyaw Moe Tun, disse à CNN que a mensagem do Conselho de Segurança da ONU “não atende às expectativas do povo”. Manifestantes podem ser vistos segurando cartazes com os dizeres “R2P” referindo-se a um compromisso político global da ONU chamado Responsabilidade de Proteger, que visa garantir que a comunidade internacional nunca mais deixe de impedir atrocidades em massa, como genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. 

    Um grupo de 137 organizações não governamentais de 31 países apelou ao Conselho de Segurança da ONU para impor urgentemente um embargo global de armas a Mianmar. 

    Andrews, o relator especial da ONU para os direitos humanos em Mianmar, pediu aos Estados membros “que neguem o reconhecimento da junta militar como governo legítimo”. Ele também pediu o fim do fluxo de receitas e armas para a junta, dizendo que sanções multilaterais “deveriam ser impostas” aos líderes, empresas de propriedade militar e controladas e à empresa estatal de energia, Myanmar Oil and Gas Enterprise.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês).