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    “Meu filho nasceu aos sons de sirenes”, diz jovem ucraniana à CNN

    Jornalista conta os desafios de se tornar mãe durante a guerra na Ucrânia; Arthur completou um mês hoje

    Mariia, o marido e o pequeno Arthur se abrigam durante a guerra da Ucrânia
    Mariia, o marido e o pequeno Arthur se abrigam durante a guerra da Ucrânia Acervo pessoal

    Layane Serranoda CNN

    em São Paulo

    Após dez dias internada por complicações na gravidez, a ucraniana Mariia Shostak, de 25 anos, esperava que o dia do nascimento do seu filho a trouxesse paz, mas o cenário mudou. Arthur nasceu no dia 25 de fevereiro, às 19h15, em Kiev, capital da Ucrânia. A data coincidiu com o segundo dia da invasão russa à Ucrânia, que mudou a vida e o destino de todos no país.

    “Soube pela primeira vez da invasão russa no quarto do hospital quando a enfermeira me acordou para fazer exames. Mais tarde, no dia 24 mesmo, minhas contrações começaram e várias vezes fomos enviados para o bunker no mesmo prédio. Foi o meu primeiro dia em um bunker, foi horrível! Não consegui dormir por causa da dor e do medo”, conta.

    Mariia comenta que no dia seguinte, 25 de fevereiro, as contrações se intensificaram, mas ela precisou da ajuda médica para o parto, por isso foi encaminhada para um centro cirúrgico para passar pelo procedimento de cesariana.

    Arthur nasceu na maternidade número 5 em Kiev, que fica a cerca de 20 minutos da casa de Mariia. Mas naquele dia, para o marido chegar ao hospital demorou 4 horas: “Devido aos engarrafamentos e filas em postos de gasolina, supermercados e farmácias, o caminho até o hospital estava caótico. Apesar do atraso, meu marido conseguiu chegar a tempo para o parto”.

    Ao recobrar a consciência após a anestesia, Maria ouvia, do centro cirúrgico, sirenes de ataques aéreos constantemente e por isso decidiu ir para o bunker. Foi lá que encontrou seu marido e seu filho.

    “Foi no porão que vi meu filho pela primeira vez, quando voltei a mim após a anestesia. O chamei de Arthur, lembro que significava ‘forte’, acho que combina com ele. Fiquei desacordada durante o parto, não cheguei a ouvir o primeiro choro do meu filho, mas ao tê-lo em meus braços, esqueci da guerra por um momento”, relata.

    Arthur nasceu na maternidade número 5 em Kiev, que fica a cerca de 20 minutos da casa de Mariia / Acervo pessoal

    Nos primeiros dias, o porão e a equipe não estavam preparados para passar por esse evento. Não havia lugar para deitar-se, por exemplo. Mariia teve que ficar um bom tempo sentada em uma cadeira, com dor nas costas e com cateter urinário de lado. As pernas pesavam, estavam inchadas. Nessa condição, ela amamentou o filho pela primeira vez. Só mais tarde que colchões e cobertores chegaram, trazendo um pouco mais de conforto às gestantes e às puérperas.

    “A equipe estava muito cansada, mas ao mesmo tempo tentava ajudar todas as gestantes e as novas mães. Alguns dias depois, em uma das salas do bunker, além do barulho das sirenes, já podíamos ouvir também bebês nascendo”.

    Três dias após o nascimento do filho, Mariia foi liberada pelo hospital e puderam ir para casa em Kiev. Ela comenta a surpresa com a aparência da cidade:

    “Quando entrei no hospital não estávamos enfrentando uma guerra, por isso fiquei surpresa com a imagem que eu vi quando sai – as ruas vazias, filas enormes em farmácias e lojas. No caminho, passamos por vários postos de controle. Nossos homens armados estavam verificando o carro e perguntando para onde estávamos indo. Ao ver a criança, fomos rapidamente liberados. Imaginei uma alta do hospital diferente, com flores e parabéns”.

    O marido de Mariia providenciou um espaço para a família no porão da casa, mas Mariia conta que era impossível permanecer no local com um recém-nascido. Por isso, a estadia que prepararam para o bebê com berço e cômoda durou por apenas três dias.

    “Quando Arthur tinha apenas uma semana de vida, ouvimos explosões bem perto e resolvemos sair da cidade. Agora estamos em uma casa que fica em uma vila a 80 quilômetros de Kiev, próximo a Ivano-Frankivsk. Aqui é calmo e tranquilo. Uma vez por semana vamos à cidade mais próxima. A cidade ainda não foi bombardeada e a vida segue relativamente pacífica aqui, mas sabemos que o objetivo do Putin é capturar Kiev e a nossa região está perto, então o nosso objetivo é afastar da capital em direção à fronteira Oeste”.

    Com o marido e o filho Arthur, Mariia está morando com os pais e uma das suas irmãs. Na cidade onde vive agora, a família consegue ter acesso ao comércio. Segundo Mariia, cerca de 30% a 40% das lojas e serviços operam na região, mas a escassez de alimentos é inevitável até nas cidades mais distantes dos grandes centros.

    “Estou amamentando meu filho e temos sorte de não ter que encontrar comida para ele. As lojas e serviços operam na nossa região com mantimentos básicos, até fui à manicure recentemente, mas muitas coisas não estão disponíveis nos mercados como frutas frescas, chá, biscoitos, doces e iogurtes, além de poucas variedades de água potável também. Os preços subiram significativamente e está proibida a venda de álcool”.

    Mariia disse que não escuta sirenes nessa cidade porque a região não é equipada, acaba recebendo as notificações sobre os possíveis ataques via celular: “Meu filho nasceu aos sons de sirenes, mas hoje, escutamos os alertas de ataques aéreos bem longe, nas cidades vizinhas, porque no lugar onde estamos os alertas chegam via Telegram”.

    São vários os motivos que ainda prendem a família de Mariia na Ucrânia, segundo ela: “Não quero viajar sozinha e não consigo lidar com um recém-nascido em um país estrangeiro. Não tenho amigos e parentes próximos no exterior e meu marido não pode atravessar a fronteira legalmente. No momento também não temos dinheiro suficiente para ir para a Europa com toda a família, alugar um apartamento lá e morar por um tempo até conseguir um emprego”, conta.

    “Gastamos quase todas as nossas economias e meu marido, que é segurança, não recebeu os salários de fevereiro e março. Ainda não podemos obter assistência social do estado devido à lei marcial. Além disso, meu filho não possui documentos pelo mesmo motivo”, completa.

    Mariia trabalha como jornalista em uma emissora de televisão / Acervo pessoal

    Mariah entrou em licença maternidade da emissora de televisão onde trabalha como jornalista no dia 20 de dezembro. Ela comenta que, nesse momento, a TV consegue transmitir apenas de Lviv.

    “Nosso canal de TV Expresso transmitiu de Kiev os primeiros dias da guerra. Depois disso, tornou-se perigoso para os trabalhadores e foi interrompido. Mas temos mais um escritório em Lviv. Agora, estamos transmitindo de lá. Agora, aqui na Ucrânia, os principais canais de TV são de transmissão unificada. A cada poucas horas, eles trocam mensagens ao longo do dia”, relata.

    “Os estúdios de transmissão estão localizados principalmente em porões. Meu canal não participou disso, mas agora o governo obrigou todos os meios de comunicação a transmitirem essa live conjunta, ou seja, todos os canais de TV mostram a mesma coisa, pois esses canais de TV concordaram em compartilhar a produção de conteúdo. alguém lidera o noticiário de manhã, outros à tarde, outros à noite”, afirma a jornalista.

    Nesta sexta-feira (25), Arthur completa um mês de vida e, mesmo em meio a guerra, Mariia colocou um “traje festivo” para celebrar esse dia. Para o futuro de Arthur, os pais esperam por tempos melhores na Ucrânia.

    “Não sabemos quando poderemos voltar para casa e se haverá para onde voltar. Em um dia perdemos tudo o que tínhamos! Mas esperamos o futuro de Arthur aqui, em uma Ucrânia renovada, um país moderno e próspero. Claro, não era assim que nós imaginávamos seus primeiros dias de vida, sua infância. Esperamos que essas sejam as maiores dificuldades da vida dele e ele nem se lembre dessa vez”, conclui.