Mesmo com acordo de paz com guerrilheiros, violência na Colômbia está aumentando
Grupos dissidentes das Farc recusaram acordo e lutam para controlar rotas de drogas na fronteira com Venezuela; 23 pessoas morreram em confrontos este ano


Este ano começou com ações violentas na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, onde facções militantes dissidentes competem pelo controle territorial de lucrativas rotas de drogas que ligam o país sul-americano aos EUA e à Europa.
Pelo menos 23 pessoas foram mortas em confrontos violentos no início do ano, seguidos por um carro-bomba mortal e pelos assassinatos de um líder comunitário local e sua esposa.
A retomada da violência ocorre mais de cinco anos depois que o governo colombiano assinou um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), encerrando um conflito armado de 52 anos que matou até 220 mil pessoas e expulsou outras 5 milhões.
O presidente colombiano, Iván Duque, prometeu acabar com a violência durante seu mandato. Mas ela continua a atormentar as áreas rurais, onde a paz deveria trazer desenvolvimento e novas oportunidades — trazendo preocupações crescentes de que os dias mais violentos do país podem não ter acabado.
Aqui está o que você precisa saber sobre o conflito na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela.
Quem está lutando?
As autoridades colombianas acusaram alguns grupos de desencadear os recentes confrontos no estado de Arauca, no nordeste do país: o Exército de Libertação Nacional – o maior grupo guerrilheiro de esquerda no país, conhecido por sua sigla em espanhol ELN – e facções dissidentes das Farc.
As Farc foram desarmadas e dissolvidas após o acordo de paz de novembro de 2016. Um partido político formado com a mesma sigla, mas renomeado para “Comunes” no ano passado.
Os grupos dissidentes das Farc consistem em combatentes rebeldes que se recusaram a entrar no processo de paz. Entre eles estão os grupos que também estão em desacordo uns com os outros.
Embora a presença desses grupos na região seja relatada desde a década de 1980, a competição entre o ELN e as Farc em Arauca se intensificou entre 2006 e 2010.
O presidente Duque, o ministro da Defesa Diego Molano e vários generais que visitaram Arauca nas últimas semanas culpam a violência por causa da competição entre todos esses grupos, que, segundo eles, são fortalecidos com apoio da Venezuela.
O governo colombiano alega que Caracas permitiu que esses grupos criminosos se refugiassem em seu território, permitindo que eles escapassem da perseguição pelas forças colombianas – algo que Caracas sempre negou.
Os grupos lutam por rotas de contrabando de drogas da Colômbia para Venezeula – uma porta de entrada para os lucrativos mercados norte-americano e europeu, de acordo com o governo colombiano.
Por que agora?
Os combates na fronteira pararam em 2010, depois que as facções em guerra assinaram uma trégua que dizia que “não haverá mais confronto entre revolucionários”.
A essa altura, pelo menos 868 civis já haviam sido mortos e 58 mil pessoas deslocadas das regiões, de acordo com um relatório da Human Rights Watch (HRW).
No entanto, as tensões continuaram a crescer até que a violência estourou este ano. Ainda não está claro o que desencadeou o confronto de 2 de janeiro, mas todos os grupos se acusaram de desistir da trégua em uma tentativa de ganhar controle sobre a região.

Qual é o papel da Venezuela?
O governo da Colômbia há muito acusa o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de abrigar dissidentes das Farc e combatentes do ELN para desestabilizar e exacerbar o conflito interno da Colômbia. Maduro negou repetidamente essas alegações.
No entanto, foi apenas na primavera passada que o governo de Maduro lançou uma campanha militar para conter a violência em sua fronteira sul, admitindo pela primeira vez que grupos criminosos colombianos estavam operando na área. A Venezuela enviou forças especiais e unidades de inteligência em março de 2021.
Durante essa campanha, pelo menos quatro soldados venezuelanos foram mortos em confrontos com grupos criminosos colombianos no estado de Apure, na Venezuela, segundo o Ministério da Defesa venezuelano, com milhares de pessoas buscando refúgio na Colômbia como resultado.
A situação deixa a Colômbia e a Venezuela com o mesmo problema: a presença de grupos criminosos altamente qualificados que controlam partes de seus territórios fronteiriços.
Mas como os dois vizinhos cessaram qualquer comunicação diplomática desde 2019 – como a Colômbia, os Estados Unidos e a maioria dos países da América do Sul, não reconhece o governo de Maduro – eles não conseguem desenvolver uma estratégia comum em torno de seus 2.219 quilômetros de fronteira.
Quem está em risco?
No centro do sofrimento estão as pessoas – principalmente grupos indígenas – de Arauca, uma das áreas mais pobres da Colômbia.
As pessoas que vivem em ambos os lados da fronteira foram afetadas, com a ouvidoria da Colômbia escrevendo no Twitter na semana passada que um número crescente de cidadãos venezuelanos – principalmente de grupos indígenas no estado de Apure – está buscando refúgio dos confrontos.
“Grupos armados em Arauca e Apure ameaçam rotineiramente as pessoas para garantir o controle social”, segundo o relatório da HRW. Essas ameaças são “muitas vezes dirigidas contra pessoas que violam as ‘regras’ dos grupos ou para pressionar os civis a fazer o que os grupos querem”.
A Unidade de Vítimas da Colômbia registrou mais de 6 mil ameaças desse tipo em Arauca em 31 de dezembro de 2021.
Um ativista de direitos humanos em Apure disse à HRW que é como se houvesse duas formas de governo. “Eles (os grupos armados) ameaçam você duas vezes e a terceira vez é uma sentença de morte”.
O que poderia deter a violência?
Todos os olhos estão voltados para a Colômbia, onde as eleições presidenciais estão previstas para maio de 2022. Sob a supervisão de Duque, o processo de paz está em grande parte paralisado.
Parte dessa pausa pode ser atribuída à pandemia de Covid-19, mas o presidente – que fez campanha contra o acordo em 2016 – enfrentou duras críticas pela falta de foco que seu governo dedicou à questão.
De acordo com um estudo recente da Universidade de Notre Dame, menos de um terço do que foi estipulado no acordo foi totalmente implementado até o final de 2021, com o número de líderes de direitos humanos assassinados no país em ascensão – uma estatística importante que ajuda a indicar a situação geral da segurança no país.
Muitos candidatos à presidência prometeram desfazer as políticas de Duque, mudando a abordagem da Colômbia em relação à segurança.
Candidatos esquerdistas estão fazendo campanha pelo retorno à estrutura do acordo de paz e investindo recursos para implementar as promessas do acordo, enquanto candidatos de direita estão prometendo mais apoio às operações de segurança.
O líder de esquerda Gustavo Petro sinalizou que está aberto a restabelecer relações diplomáticas com Caracas e o governo Maduro.
No entanto, não está claro se os dois países podem começar a cooperar após anos de silêncio diplomático e desconfiança, independentemente do resultado das eleições.
Qual é o papel dos EUA?
Os Estados Unidos são o principal parceiro militar da Colômbia e o aliado mais importante do país.
No final de 2021, durante uma visita ao país, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, instou Duque a fazer mais para implementar o acordo de paz, recomendando que ele “aumente e fortaleça a presença do Estado nas áreas rurais”.
Essa recomendação segue anos de apoio econômico e logístico de Washington para pôr fim aos conflitos do país — do narcotráfico à guerrilha. Os militares dos EUA estão frequentemente presentes na Colômbia por meio de programas de treinamento e operações conjuntas com as Forças Armadas colombianas.
Em 2020, uma brigada do Exército dos EUA foi enviada ao país, incluindo em Arauca, para fortalecer as capacidades antidrogas. A Casa Branca também sinalizou que não se envolverá com o governo Maduro tão cedo.
Mas para acabar com a violência em Arauca, o novo presidente terá que seguir uma linha tênua: abrir uma forma de comunicação com a Venezuela, sem se distanciar dos EUA.