Lula pode exercer papel positivo para acabar com a guerra, diz analista ucraniano
Cientista político Olexiy Haran, que tem laços estreitos com o governo de Volodymyr Zelensky, diz que presidente brasileiro pode convencer Putin a desocupar a usina de Zaporizhzhia e "parar de bombardear civis"
Apesar das importantes diferenças de posição acerca do que levará ao fim da guerra, o governo ucraniano acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderia exercer um papel positivo, no sentido de condenar com mais veemência a implosão da barragem da represa de Nova Kakhovka e pressionar a Rússia a se retirar da usina nuclear de Zaporizhia.
A análise é do cientista político ucraniano Olexiy Haran, professor da Academia Mohyla da Universidade de Kiev (ou Kyiv, em ucraniano) e que tem estreitos contatos com funcionários do governo de Volodymyr Zelensky.
“Foi positivo Celso Amorim ter vindo à Ucrânia“, observa o analista, referindo-se ao assessor especial de Lula. “Foi frustrante a reunião entre os presidentes não ter acontecido em Hiroshima [na cúpula do G7, dias 19 a 21 de maio]”. Como admite Haran, há versões diferentes sobre por que o encontro não aconteceu. “Pode ter sido um problema técnico de agendas”, diz ele, repetindo a versão de fontes do governo ucraniano. “Mas tentar difundir a ideia de que Zelensky não leva a sério a intenção de alcançar uma solução para o conflito é absurdo”.
Em entrevista coletiva ao final da cúpula do G7, Zelensky respondeu a uma pergunta dizendo que era Lula quem deveria estar desapontado pelo desencontro. “A forma de expressar não foi correta”, reconhece Haran. “Mas lembre-se de que Zelensky não é político. Algumas coisas que ele diz não são diplomáticas. Observamos isso todos os dias internamente”.
O analista garante, no entanto, que o presidente ucraniano “não teve a intenção de esnobar Lula” e diz que “definitivamente, a Ucrânia está muito interessada em conversar com o Brasil sobre vários aspectos de uma solução de paz”.
“Em qualquer caso, é importante explicar nossa posição no mais alto nível de governo, apesar de todas as diferenças que temos no momento”, ponderou Haran, em entrevista à CNN. “Nós nos lembramos que o presidente Lula disse que a Ucrânia poderia sacrificar a Crimeia para a Rússia, o que é totalmente inaceitável, e contraria o voto tradicional do Brasil na ONU sobre a integridade territorial ucraniana. O presidente Lula mudou de posição sobre a Crimeia depois que a Ucrânia protestou, e isso foi bom”.
De acordo com Haran, para os ucranianos “é muito importante que o Brasil entenda que, mesmo quem se declara neutro, não pode depositar igual responsabilidade sobre o agressor e a vítima”.
Ele aponta também uma diferença entre não se alinhar e se manter neutro. “Países não-alinhados condenaram a invasão do Vietnã pelos Estados Unidos e do Afeganistão pela União Soviética”, lembra ele. “Todos eram contra o colonialismo e não ficavam neutros diante dele. Da mesma forma, um país pode não apoiar um dos blocos, mas ser ativo em promover a paz, não fechar os olhos diante de uma invasão e tentar mudar a situação, não só pedindo a paz, mas fazendo coisas práticas e bem específicas, como exigir o fim dos bombardeios contra civis e contra infraestrutura crítica, denunciar o ecocídio, a instalação de explosivos ao redor de usinas nucleares e assim por diante”.
Os ucranianos acreditam que “a posição do Brasil pode ser bem mais contundente no sentido de parar a guerra, especialmente depois da implosão da barragem da represa de Kakhovka, pois ela mostra os riscos envolvidos na ocupação russa”.
Trata-se, argumenta o analista ucraniano, de um “ecocídio, com enormes consequências sobre a segurança alimentar de todo o mundo”, já que comprometeu a agricultura na região mais fértil da Ucrânia, um dos maiores produtores de grãos do mundo. “Tememos também pela segurança da usina nuclear de Zaporizhia”, adverte ele, referindo-se ao fato de que a água da represa era usada no seu sistema de resfriamento.
“Mesmo que não concordemos sobre a solução para o conflito, poderíamos avançar se o Brasil intercedesse junto a Putin para desocupar a usina, garantir a segurança do corredor de grãos e parar o bombardeio de civis ucranianos”, acrescenta ele, referindo-se ao acordo mediado pela Turquia que permitiu à Ucrânia e à Rússia exportar seus grãos. “É nesse sentido que a Ucrânia quer intensificar o diálogo com o Brasil”.
Sobre a forma de fazer essas gestões, Haran afirma: “Entendo que Lula seria cauteloso publicamente para não dizer algo que confrontasse a Rússia. Mas poderia atuar em conversas privadas”.
Ou, talvez, por intermédio do presidente chinês, Xi Jinping, mais importante aliado de Putin.
Ele ressalva que as posições chinesas são muito próximas da Rússia. “Eu acho que a China sabia dos planos de Putin de invadir a Ucrânia. O que está acontecendo agora é que a China está com medo da derrota da Rússia. Mas, ao mesmo tempo, também teme que o conflito se torne cada vez mais perigoso para a região”.
Por outro lado, para o analisa Haran, “a China gostaria de usar o seu chamado ‘plano de paz’ para criar uma divisão entre a Europa e os Estados Unidos”. Afinal, diz ele, o principal objetivo da política externa chinesa é enfraquecer os EUA.
“Por isso não acredito na iniciativa de paz chinesa, muito blá-blá-blá e palavras bonitas sem significado concreto”, critica. “O plano não menciona uma retirada russa do território ucraniano”.
Mesmo assim, Haran acha que a China pode ter um papel positivo, no sentido de pressionar Putin a não usar armas nucleares. “Em qualquer caso, se Lula avalia que pode fazer algo no âmbito dos Brics, ele pode tentar”, continua o analista. “Não cabe a mim dizer o que ele deve fazer. Mas Lula acredita que Putin é um amigo e quer a paz. Então, vamos explorar as formas de obter isso. Nós, ucranianos, achamos que a única linguagem que funciona com Putin é a força”.