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    Lítio, hidrogênio, data center: entenda a teia de ligações que envolveu premiê de Portugal

    Após casos de corrupção virem à tona, António Costa apresentou renúncia ao cargo, na última terça-feira (7)

    Ex-premiê de Portugal António Costa
    Ex-premiê de Portugal António Costa 06/10/2023 REUTERS/Juan Medina

    Da CNN*

    A “Operação Influencer”, do Ministério Público português, que apura um esquema de corrupção no governo federal do país, foi dividida em três braços ou frentes. Entenda abaixo os focos de cada um deles.

    A operação foi responsável por derrubar o primeiro-ministro de Portugal, António Costa (Partido Socialista), que apresentou renúncia ao cargo na última terça-feira (7).

    1 – Braço do lítio

    João Galamba é a peça-chave deste braço da investigação, que trata da exploração de lítio em Montalegre.

    Depois, vem um ex-secretário de Estado socialista que teria sido contratado para pressionar outros membros do governo. Mas não era o único: a investigação revela que o gestor Ricardo Pinheiro, da LusoRecursos, procurava também essa influência junto de outros socialistas.

    Tudo ganhou escala muito maior quando a operação revelou que a empresa que ganhou a exploração de lítio em Montalegre durante 50 anos não era a mesma que tinha ganhado a prospecção. No entanto, a lei diz que só pode candidatar-se à exploração definitiva se também tiver os direitos de prospecção.

    Mas eles foram entregues a uma outra LusoRecursos, constituída três dias antes da assinatura do contrato de exploração, após uma briga entre sócios.

    O governo, e nomeadamente João Galamba, secretário de Estado da Energia, foi avisado dessa irregularidade e de que o processo iria ser impugnado em tribunal.

    O governante nunca conseguiu explicar por qual motivo, nestas circunstâncias, o negócio avaliado em 380 milhões de euros continuou avançando.

    Na época, o ministro do Meio Ambiente era João Pedro Matos Fernandesprotagonista do segundo braço da investigação.

    Outro nome relevante neste caso é o de Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização, que acabou contratado pela LusoRecursos como consultor financeiro, empresa que tinha sede no edifício da junta de Montalegre.

    Costa Oliveira pediu demissão na sequência do caso dos bilhetes da Euro2016, conhecido como GalpGate, que também envolveu Vítor Escária (chefe de gabinete de António Costa e antigo assessor de José Sócrates) e Rui de Oliveira Neves (empresário da Start Campus, fundamental no terceiro braço da investigação).

    O Ministério Público considera que Costa Oliveira foi contratado informalmente para pressionar membros do governo e forçar a exploração para a LusoRecursos.

    Em setembro, a Agência Portuguesa do Ambiente, liderada por Nuno Lacasta, agora alvo de processo, aprovou a exploração definitiva.

    O Ministério Público suspeita que ocorreram irregularidades na aprovação da Declaração de Impacto Ambiental, originadas em contatos entre representantes da LusoRecursos com políticos, como João Galamba.

    Essa posição teria de vir da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), liderada por Nuno Lacasta, investigado neste processo.

    Foi durante um inquérito-crime aberto no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que começaram as escutas. Nelas, surgem os nomes do então primeiro-ministro, António Costa, e do seu chefe de gabinete. O premiê seria apresentado como um desbloqueador de “procedimentos”.

    Houve ainda, depois, a concessão de lítio em Boticas, com suspeitas de favorecimento à Galp, com contatos entre João Galamba, João Pedro Matos Fernandes e Rui de Oliveira Neves, que na época era diretor de assuntos jurídicos da petrolífera (e que volta a ser determinante no terceiro braço da investigação).

    2 – Braço do hidrogênio

    O antigo ministro do Meio Ambiente, o socialista João Pedro Matos Fernandes — que, apesar de ter o seu nome referido no processo, não é acusado — protagoniza este segundo braço da investigação. Nesta segunda frente está em causa a exploração de hidrogênio.

    Na época, Galamba era secretário de Estado da Energia, e deu sinal verde que acabou excluindo um potencial candidato à exploração, favorecendo um consórcio no qual estava a Galp.

    O chefe de gabinete de Costa também está envolvido. Os fatos remontam ao início de 2020.

    Matos Fernandes e o seu subordinado teriam favorecido o consórcio formado pela Galp, EDP e REN (com um projeto chamado H2Sines), em prejuízo do Resilient Group, do empresário holandês Marc Rechter, que desejava a construção de um “cluster” entre os Países Baixos e Portugal para a produção de hidrogênio verde.

    O projeto dava direito a fundos europeus milionários – uma área em que Vítor Escária, ainda antes de ser chefe de gabinete, assessorou António Costa.

    Um primeiro sinal foi a contratação de Carlos Calder, ex-adjunto de Matos Fernandes, por parte de Rechter.

    Segundo o Ministério Público, Calder procuraria aplicar a vontade de Matos Fernandes e Galamba para impor a Galp, EDP e REN no negócio.

    De acordo com a investigação, em julho de 2020, o projeto de Rechter foi excluído por Galamba da lista de propostas que o governo submeteu à Comissão Europeia para o estatuto de “Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI)”, que poderia garantir financiamento comunitário na íntegra.

    Os procuradores entendem que o holandês teria sido prejudicado pelos governantes, com o fundamento de que o seu consórcio estaria identificado com o projeto da Galp, EDP e REN.

    Mais tarde, a empresa Martifer e a dinamarquesa Vestas passaria a integrar o projeto H2Sines. Vítor Escária foi administrador não-executivo deste grupo Martifer.

    O Ministério Público diz que Matos Fernandes começou, depois de sair do governo, a colaborar com a Copenhagen Infrasctrutures Partner, onde a Vestas (que integraria o consórcio do hidrogênio) investiu no final de 2020.

    Matos Fernandes, que é apenas suspeito e não acusado, foi contratado pela Abreu Advogados, que prestou serviços à Copenhagen Infrasctrutures Partner.

    Há, de acordo com a investigação, contatos considerados suspeitos entre Matos Fernandes e Carlos Martins, um dos homens fortes da Martifer, que também integrou o consórcio.

    3 – Braço do “data center”

    É neste braço da investigação que se juntam as pontas soltas, à custa de Diogo Lacerda Machado, um dos melhores amigos de António Costa e consultor de uma empresa que queria criar um gigantesco “data center” em Sines.

    Galamba, que virou ministro da Infraestrutura, volta a ser determinante. E o chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária, acaba por se efetivar como elemento facilitador de todas as vontades.

    Este braço da investigação provoca o que o país assistiu na terça-feira (7): António Costa renunciou.

    Além de terem sido detidos Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado, Nuno Mascarenhas, Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves, João Galamba e Nuno Lacasta tornam-se acusados.

    Estão todos ligados em torno da empresa Start Campus, um “data center” que pode representar um investimento de 3,5 bilhões de euros.

    Diogo Lacerda Machado, que nunca escondeu a amizade com António Costa, era consultor deste projeto, recebendo 6.500 euros por mês.

    Machado era identificado como advogado, embora o Ministério Público insista que ele nunca realizou tarefas nesse âmbito para a empresa. O seu papel, argumenta o MP, era outro: tirar partido da amizade com Costa e pressionar governantes e responsáveis de outras entidades na sua alçada para que tomassem decisões favoráveis ao projeto.

    No esquema, havia contatos diretos com o chefe de gabinete de António Costa, que passaram por reuniões em São Bento e na sede do Partido Socialista.

    Escária seria a ponte para o chefe de governo, mencionado como um desbloqueador para a concretização de todas as vontades dos envolvidos.

    À frente da Start Campus estão Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves, advogado e ex-diretor de assuntos jurídicos da Galp. Ambos teriam participado das reuniões em São Bento e na sede do Partido Socialista.

    Os autos descrevem que os empresários teriam acesso “direta ou indiretamente ao próprio primeiro-ministro e a vários membros do governo” por influência de Lacerda Machado.

    O projeto foi aprovado e licenciado por Nuno Mascarenhas, socialista e presidente da Câmara Municipal de Sines, também detido. Mascarenhas não teria pedido qualquer contrapartida para si pessoalmente, mas para sua cidade.

    Segundo o Ministério Público, ele pediu à empresa “um patrocínio de 5 mil euros ao festival Músicas do Mundo de Sines, um valor não apurado de apoio às equipes jovens do clube de futebol Vasco da Gama de Sines e ainda um valor não apurado para um projeto social da Câmara”.

    Já Nuno Lacasta, da Agência Portuguesa do Ambiente, teria favorecido a concretização do “data center” ao dispensar um procedimento de Análise de Impacto Ambiental na primeira fase do projeto.

    Ambas as práticas, para o Ministério Público, não teriam seguido a lei, constituindo primeiro um favor de Lacasta, Galamba e do atual ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, perante as pressões de Lacerda Machado.

    Os autos do processo dizem que foram pagos vários almoços e jantares de valor elevado a João Galamba e Nuno Lacasta.

    Segundo o Ministério Público, os advogados da Start Campus chegaram a “elaborar o texto dos diplomas ou atos a aprovar” que Galamba levou, com sucesso, ao Conselho de ministros.

    Assim, conseguiram “influenciar o conteúdo normativo dos ativos do governo” pelas mãos de Galamba e de Ana Fontoura Gouveia, secretária de Estado da Energia.

    VÍDEO – Primeiro-ministro de Portugal renuncia após escândalo de corrupção

    *Publicado por Pedro Jordão, com informações da CNN Portugal.

    Este conteúdo foi criado originalmente em português (pt).

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