Líder da resistência ao Talibã diz que luta contra intolerância do grupo islâmico
Ahmad Massoud é filho de um comandante afegão assassinado por ordem de Bin Laden antes do 11 de setembro; à CNN, líder diz querer governo que respeite grupos étnicos do país
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Muitas manchetes nos últimos dias alardearam a ideia de que a guerra no Afeganistão acabou. Sim, é verdade que as tropas americanas se foram, mas a guerra civil de décadas continua no país. Na verdade, a guerra está entrando em uma nova fase com o Talibã controlando quase todo o país, mas a resistência ao grupo islâmico está começando a se formar.
Esta resistência é liderada por Ahmad Massoud, de 32 anos, formado em Sandhurst, o equivalente britânico de West Point, e filho do lendário comandante afegão Ahmad Shah Massoud.
O pai de Ahmad foi fundamental para forçar os soviéticos a se retirarem do Afeganistão em 1989 e liderou a resistência ao Talibã na última vez em que controlaram grande parte do Afeganistão, antes dos ataques de 11 de setembro.
Massoud foi assassinado no Afeganistão por homens enviados por Osama bin Laden dois dias antes do 11 de setembro, que foi efetivamente o pano de fundo da Al Qaeda para os ataques a Nova York e Washington que se seguiram.
Em entrevista à CNN, o jovem Massoud disse que suas forças lutam “contra a intolerância e a opressão causadas por uma força política sobre a maioria da população que não a apoia” e que o Afeganistão precisa de um governo que represente os vários grupos étnicos da nação.
Massoud está reunindo forças contra o Talibã no Vale Panjshir, uma região montanhosa e inacessível ao norte de Cabul, onde seu pai está enterrado. Nesta segunda-feira, o Talibã lutou contra as forças de Massoud em Panjshir; sete combatentes do grupo islâmico foram mortos, de acordo com a Reuters.
A CNN realizou esta entrevista com Massoud por e-mail. Leia abaixo:
Peter Bergen: Por que você está resistindo ao Talibã?
Ahmad Massoud: Infelizmente, o Talibã não mudou e ainda busca o domínio em todo o país. Resistimos à dominação, intolerância e opressão que uma força política exerce sobre a maioria da população que não a apoia. O Talibã só será aceito se formar um governo inclusivo com todos os grupos étnicos do país.
O Afeganistão é um país formado por minorias étnicas e ninguém constitui a maioria. É um estado multicultural em vez de um estado-nação. Por isso, eles não podem governar o país, e se eles ocuparem essa posição, nós iremos resistir a eles. Somente em um estado descentralizado onde o poder é igualmente distribuído entre diferentes grupos étnicos e sectários, podemos coexistir pacificamente. Além disso, acreditamos que a democracia, os direitos e a liberdade de todos os cidadãos, independentemente de raça e gênero, devem ser preservados.
Bergen: Quem está em sua força? Quantos homens? Quais tipo de armas?
Massoud: Nossas forças são compostas por forças de resistência locais de Panjshir, forças de resistência locais de outras províncias e os remanescentes do antigo exército afegão. Temos equipamento suficiente no momento, mas precisaremos de ajuda para manter nossa resistência a longo prazo.
Bergen: Seu pai evitou nove ofensivas soviéticas e também o Talibã. Você está continuando o legado dele?
Massoud: Estamos fazendo tudo que podemos para seguir o caminho do meu pai e continuar seu legado. Estamos determinados a defender nosso povo e nossa região até nosso último suspiro, e assim como meu pai lutou bravamente contra os agressores soviéticos e o terrorismo internacional, estou determinado a segui-lo tanto quanto possível e lutar pela independência, liberdade, democracia e outros valores que ele estimava.
Bergen: Quais são as fraquezas do Talibã – militarmente falando?
Massoud: O Talibã não é tão forte quanto muitos acreditam. A razão pela qual eles tomaram o país foi a fraqueza do governo e das liderança das forças afegãs. Infelizmente, o ex-presidente afegão Ashraf Ghani expurgou do exército generais e oficiais que sabiam como lutar contra o Talibã e que tinham vontade e motivação para lutar contra o inimigo.
A liderança do país era outro problema. Ashraf Ghani não tinha legitimidade e as massas se separaram de seu governo nos últimos anos. A interferência de Ghani e de seu conselheiro de segurança nacional, Hamdullah Mohib, no processo de tomada de decisões do exército afegão também enfraqueceu as forças armadas. São duas pessoas sem treinamento ou experiência militar, mas foram eles que tomaram as decisões finais sobre os planos de guerra.
Bergen: Você ainda está tentando negociar com o Talibã?
Massoud: Sempre somos a favor da negociação, e meu pai também tentou a negociação e a paz antes da resistência. No entanto, assim como as tentativas de meu pai não foram recebidas com sinceridade e seriedade, meu diálogo com o Talibã até agora não resultou em nada tangível. Não estou negociando para fazer parte do governo ou para garantir alguns cargos.
Estou negociando para ver se um acordo político pode ser alcançado que possa estabelecer justiça social, garantir igualdade, direitos e liberdade para todos e preservar a democracia. Se o Talibã não fizer concessões e continuar acreditando que pode dominar o país, também iremos resistir. A última vez que buscaram a dominação, eles enfrentaram cinco anos de resistência.
Bergen: Você estudou no King’s College, em Londres, e também em Sandhurst. Isso o preparou para lutar contra o Talibã?
Massoud: Sim, meu tempo em Sandhurst me treinou para lutar e planejar batalhas. No entanto, meu tempo no King’s College aprendendo Estudos de Guerra me ensinou como evitar a guerra e como buscar a paz da melhor maneira possível para evitar derramamento de sangue. Mas as negociações têm seus limites e, como menciona Clausewitz [militar da antiga Prússia, especialista em estratégia de guerra], a guerra é a continuação da política, e se enfrentarmos a agressão seremos forçados a lutar e lançar resistência para defender nossa terra, nosso povo e nossos valores.
Nota do editor: Peter Bergen é analista de segurança nacional da CNN, vice-presidente da New America e professor na Universidade Estadual do Arizona. Bergen faz reportagens sobre o Afeganistão desde 1993. Ele é autor do livro “A ascensão e queda de Osama bin Laden”. As opiniões expressas nesta entrevista são de sua responsabilidade.
(Este texto é uma tradução. Para ler o original, em inglês, clique aqui)