Larry Kramer, escritor que lutou por portadores do HIV, morre aos 84 anos
Muitos membros da comunidade LGBTQI+ também o creditam por liderar o caminho para a possibilidade de viver com orgulho de ser gay


Ele trouxe a AIDS para os holofotes
No início dos anos 80, uma doença pouco conhecida, chamada AIDS, foi estigmatizada quando a sociedade voltou o olhar para centenas de gays que ela estava matando. Mas então Larry Kramer publicou seu ensaio “1.112 and Counting” [em tradução livre, “1.112 e contando”].
“Se este artigo não o despertar para raiva, fúria, raiva e ação, os gays não têm futuro nesta terra”, escreveu Kramer. “A menos que lutemos por nossas vidas, morreremos.”
Com esse único ensaio, Kramer ajudou a voltar a atenção do país para a disseminação da Aids, e seu contínuo ativismo, embora muitas vezes polarizador, impulsionou os EUA na resposta à crise, da maneira que ela exigia.
O responsável por essa mudança, que muitos creditam ter salvo milhares de vidas afetadas pela doença, morreu nessa quarta-feira (27), em Nova York. Ele tinha 84 anos.
Kramer estava com uma forte pneumonia, disse à CNN, o amigo íntimo e executor literário William Schwalbe.
“Larry fez uma enorme contribuição ao nosso mundo como ativista, mas também como escritor”, disse Schwalbe, que conhece Kramer há 57 anos. “Acredito que suas peças e romances, de ‘The Normal Heart’ a ‘The American People’, serão mais do que resistir ao teste do tempo.”
Kramer, roteirista indicado ao Oscar pelo filme de 1969 “Women in Love” (Mulheres Apaixonadas), trouxe ainda mais a epidemia da Aids aos olhos do público com sua peça semiautobiográfica “The Normal Heart”, focada na ascensão da crise da Aids, em Nova York, e, em 2014, adaptada para um filme da HBO.
Ele foi um dos primeiros ativistas na luta contra a Aids e, em 1982, co-fundou a Gay Men’s Health Crisis, primeira organização de apoio a portadores do vírus HIV.
Kramer foi demitido do grupo um ano depois, após sua retórica acusatória causar um rebuliço dentro do grupo, mas, em 1987, ele ajudou a fundar o ACT UP (Coalizão de Aids para Liberar o Poder), uma organização mais extrema que realizava manifestações, autorizações políticas, funerais políticos e discursos contra funcionários do governo, líderes religiosos e Wall Street para acelerar a pesquisa sobre a Aids e defender a comunidade LGBTQI+.
“Descanse em poder [alusão à “desancasse em paz”] para o nosso lutador Larry Kramer. Sua raiva ajudou a inspirar um movimento. Continuaremos honrando seu nome e espírito com ação”, twittou o ACT UP NY, nesta quarta-feira (27).
O próprio Kramer era HIV positivo, de acordo com uma entrevista em 2002 à rede de televisão PBS.
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Sua raiva levou à ação
Um pioneiro para a comunidade LGBTQI+
Kramer não causou o impacto “embelezando as coisas”. Ele era conhecido por suas táticas impetuosas e agressivas. Em seu ensaio “1.112 and Counting”, culpou o prefeito de Nova York, Ed Koch, por ser apático em relação a pacientes com AIDS.
Certa vez, Kramer encontrou Koch no saguão do prédio onde ambos moravam. Koch estendeu a mão para acariciar seu cachorro Molly, mas Kramer a puxou para longe.
“Eu disse: ‘Molly, você não pode falar com ele. Esse é o homem que matou todos os amigos de papai'”, disse Kramer, ao New Yorker, em 2002.
Seu relacionamento com Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas do Instituto Nacional de Saúde, foi ainda mais hostil. Em 1988, Kramer escreveu uma carta aberta no San Francisco Examiner, chamando Fauci de “assassino” e dizendo que estava sendo inativo em sua resposta à epidemia da Aids.
Apesar de suas duras críticas a Fauci, os dois se tornaram amigos e Fauci até creditou Kramer e outros ativistas do ACT UP por acelerar o processo no qual as agências governamentais testam medicamentos.
“Não há dúvida de que Larry ajudou a mudar a medicina neste país”, disse Fauci, que agora lidera a resposta dos EUA contra a pandemia do novo coronavírus, ao New Yorker, em 2002.
Embora Kramer seja conhecido por seu ativismo contra a Aids, muitos membros da comunidade LGBTQI+ o creditam por liderar o caminho para a possibilidade de viver com orgulho de ser gay.
“Eu conheci Larry Kramer quando tinha 18 ou 19 anos e fiz uma leitura de sua peça The Destiny of Me”, twittou o ator Anthony Rapp, do musical “Rent”. “Conversar com ele e absorver parte de sua incrível energia foi estimulante, e uma das principais razões pelas quais escolhi viver minha vida como ator publicamente, numa época em que poucos o faziam”.
“Deus te abençoe, Larry Kramer”, twittou Andy Cohen. “Todos na comunidade LGBTQI+ lhe devem uma dívida de gratidão.”