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    COP27

    Lagos que arrotam, crateras misteriosas, “fogueira zumbi”: como a crise climática está transformando o Ártico

    Ártico está aquecendo quadro vezes mais rápido do que a média global, fazendo o que antes era tundra coberta de grama jorrar água

    Katie Huntda CNN

    Há quatro anos, Morris J. Alexie teve que sair da casa que seu pai construiu no Alasca em 1969 porque ela estava afundando na terra e a água estava começando a penetrar pelo piso.

    “Os lamaçais estão aparecendo entre as casas em toda a nossa comunidade. Atualmente, há sete casas ocupadas e mesmo elas estão muito inclinadas e afundadas no chão”, contou Alexie por telefone de Nunapitchuk, uma vila com cerca de 600 moradores. “Tudo está atolando”.

    O que era antes uma tundra coberta de grama está jorrando água. A região onde ele vive está sendo cruzada de tábuas de pouco mais de um metro de comprimento que a comunidade usa para ir de um lugar a outro. E mesmo algumas tábuas já começaram afundar. “Parece que a tundra está cheia de bolinhas, que são as poças. Antes a gente tinha grama em toda a nossa comunidade. Agora ela virou um grande pântano”.

    O descongelamento do permafrost – a camada de solo há muito tempo congelada que tem sustentado a tundra ártica e as florestas boreais do Alasca, Canadá e Rússia durante milênios – está ameaçando os meios de vida de pessoas como Alexie. Também está transformando drasticamente a paisagem polar, agora salpicada de enormes poças, lagos recém-formados ou drenados, costas que colapsam e danos provocados pelo fogo.

    As construções em Nunapitchuk, Alasca, estão afundando por causa do derretimento do permafrost.
    As construções em Nunapitchuk, Alasca, estão afundando por causa do derretimento do permafrost. / Sue Natali, Woodwell Climate Research Center
    A comunidade tem pouca terra sólida para construir
    A comunidade tem pouca terra sólida para construir / Sue Natali, Woodwell Climate Research Center

    Negligenciado e subestimado

    Não são só as 3.6 milhões de pessoas que vivem em regiões polares que precisam se preocupar com o descongelamento.

    Todo mundo precisa – especialmente os líderes e legisladores de políticas climáticas de quase 200 países que estão agora no Egito para a COP 27, a cúpula anual das Nações Unidas sobre o clima.

    A grande quantidade de carbono armazenado nos rincões mais ao norte do nosso planeta é um fator condutor negligenciado e subestimado da crise climática. O solo congelado tem uma estimativa de 1,7 bilhão de toneladas métricas de carbono – cerca de 51 vezes a quantidade de carbono que o mundo liberou como emissão de combustíveis fósseis em 2019, de acordo com a NASA. A atividade pode estar emitindo tanto gás de efeito de estufa quanto o Japão.

    O descongelamento do permafrost recebe menos atenção do que o encolhimento das geleiras e dos mantos de gelo, mas os cientistas disseram que isso precisa de mudar – e logo.

    “O permafrost é como o primo sujo dos mantos de gelo. É um fenômeno enterrado. Ninguém o vê. Ele é coberto de vegetação e terra”, explicou Merritt Turetsky, diretor do Instituto de Pesquisas Árticas e Alpinas da Universidade de Colorado Boulder. “Mas está lá embaixo. Sabemos que está lá. E tem um impacto igualmente importante no clima global”.

    O problema é particularmente urgente porque a invasão da Rússia na Ucrânia interrompeu muitas parcerias científicas, o que significa uma potencial perda de acesso a dados e conhecimentos essenciais sobre a região.

    Verões mais quentes – o Ártico está aquecendo quatro vezes mais rápido que a média global – enfraqueceram e aprofundaram a camada superior ou ativa de permafrost, que descongela no verão e congela no inverno.

    O descongelamento desperta os micróbios no solo que se alimentam de matéria orgânica, permitindo a liberação de metano e dióxido de carbono do solo e da atmosfera. Além disso, ele também pode abrir caminhos para que o metano se eleve de reservatórios profundos na
    terra.

    “O permafrost tem servido basicamente como congelador do planeta para a biomassa antiga”, comparou Turetsky. “Quando essas criaturas e organismos morreram, sua biomassa foi incorporada nestas camadas congeladas do solo e preservada ao longo do
    tempo”.

    À medida que o permafrost descongela, muitas vezes de formas complexas que não são claramente compreendidas, a tampa do congelador abre. Cientistas como Turetsky estão duplicando os esforços para compreender o que essas mudanças trarão.

    Depois de descongelar, um lago drenado ficou assim no Peel Plateau, nos Territórios do Noroeste do Canadá
    Depois de descongelar, um lago drenado ficou assim no Peel Plateau, nos Territórios do Noroeste do Canadá / Scott Zolkos/Woodwell Climate Research Center
    O descongelamento do permafrost provoca o colapso do solo
    O descongelamento do permafrost provoca o colapso do solo / Scott Zolkos/Woodwell Climate Research Center

    O elemento surpresa do clima

    O permafrost é um elemento surpresa muito imprevisível na crise climática porque ainda não está claro se as emissões de carbono do permafrost serão só uma gota a mais ou um acrescimento devastador. As últimas estimativas sugerem que a magnitude das emissões de carbono do permafrost até o final deste século pode ser igual ou maior do que as atuais emissões dos principais países emissores de combustíveis fósseis.

    “Há alguma incerteza científica sobre o tamanho desse país de comparação. No entanto, se tomarmos um cenário de altas emissões, isso poderia ser tão grande ou maior que os Estados Unidos”, revelou Brendan Rogers, cientista associado do Woodwell Climate Research Center em Massachusetts.

    O especialista norte-americano descreveu o permafrost como um gigante adormecido, cujo impactos ainda não estão claros.

    “Estamos só falando de uma enorme quantidade de carbono. Não esperamos que tudo descongele, porque algumas camadas são muito profundas e demorariam centenas ou milhares de anos para isso”, disse Rogers. “Mas, mesmo que uma pequena fração desse número seja admitida na atmosfera, isso é muito importante”.

    As projeções de emissões cumulativas de carbono do permafrost de 2022 a 2100 variam entre 99 gigatoneladas e 550 gigatoneladas. Em comparação, os Estados Unidos emitem atualmente 368 gigatoneladas de carbono, de acordo com um artigo publicado em
    setembro na revista “Environmental Research Letters”.

     Em meados de setembro, a fumaça de um incêndio era visível atrás de uma torre de monitoramento do permafrost na Scotty Creek Research Station, nos Territórios do Noroeste do Canadá. A própria torre queimou em outubro devido a atividades incomuns de incêndio não provocado
    Em meados de setembro, a fumaça de um incêndio era visível atrás de uma torre de monitoramento do permafrost na Scotty Creek Research Station, nos Territórios do Noroeste do Canadá. A própria torre queimou em outubro devido a atividades incomuns de incêndio não provocado / Joëlle Voglimacci – Stephanopoli

    “Descongelamento abrupto”

    Nem todos os modelos de mudança climática que os governantes usam para fazer suas previsões já sombrias nos dias de hoje incluem as emissões projetadas de descongelamento. Mesmo quem as usa imagina que elas serão graduais, afirmou Rogers.

    O pesquisador e outros cientistas estão preocupados com a prevalência de descongelamento abrupto ou rápido em regiões de permafrost, que tem o poder de causa um choque na paisagem para libertar muito mais carbono do que apenas com o aquecimento gradual do topo para baixo.

    A visão tradicional do descongelamento do permafrost é que ele é um processo que expõe as partes lentamente, mas o “descongelamento abrupto” está expondo camadas de permafrost profundas mais rapidamente de várias formas.

    Um exemplo é o Big Trail Lake no Alasca, um lago recém-formado que “arrota” bolhas de metano (um potente gás de efeito estufa) que vem do descongelamento do permafrost abaixo da água do lago. O metano pode impedir que tais lagos se recongelem no inverno,
    expondo o permafrost mais profundo às temperaturas mais quentes e à degradação.

    O cientista do Woodwell Climate Research Center conta também que o rápido descongelamento do permafrost também acontece junto com intensos incêndios florestais que atravessaram partes da Sibéria nos últimos anos. Por vezes, essas chamas ardem silenciosamente no subsolo durante meses, muito depois de o fogo acima do solo ter sido extinto, o que lhes deu o apelido de “zumbi”.

    “Os próprios incêndios queimam parte da camada ativa (de permafrost), incendiando o solo e liberando gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono”, detalhou Rogers. “Mas esse solo que sofreu combustão também era isolante, mantendo o permafrost fresco no verão. Quando ele desaparece, camadas ativas muito mais profundas surgem e podem levar a emissões maiores nas décadas seguintes”.

    Também é muito preocupante o surgimento súbito de cerca de 20 crateras perfeitamente cilíndricas no distante norte da Sibéria nos últimos 10 anos. Com dezenas de metros de diâmetro, eles podem ter sido causados por um acúmulo e explosão de metano – um fenômeno geológico anteriormente desconhecido que surpreendeu muitos cientistas do permafrost e poderia representar um novo caminho de escape para o metano anteriormente contido nas profundezas da terra.

    “O Ártico está aquecendo muito rapidamente e coisas loucas estão acontecendo”, pontuou o cientista.

     Crateras apareceram no remoto ao norte da Sibéria nos últimos 10 anos
    Crateras apareceram no remoto ao norte da Sibéria nos últimos 10 anos / Evgeny Chuvilin/Skoltech
    Acredita-se que as crateras sejam causadas por um acúmulo e explosão de metano, um fenômeno geológico anteriormente desconhecido
    Acredita-se que as crateras sejam causadas por um acúmulo e explosão de metano, um fenômeno geológico anteriormente desconhecido / Evgeny Chuvilin/Skoltech

    Guerra é um desastre para a ciência

    A falta de monitoramento e dados sobre o comportamento do permafrost, que cobre 15% da superfície terrestre exposta do Hemisfério Norte, significa que os cientistas ainda têm apenas uma colcha de retalhos, uma compreensão localizada do rápido descongelamento e como ele contribui para o aquecimento global e afeta as pessoas que vivem em regiões do permafrost.

    No Woodwell Climate Research Center, o cientista Rogers faz parte de uma nova iniciativa de US$ 41 milhões (cerca de R$ 217 milhões) financiada por um grupo de bilionários e denominada Audacious Project para entender o descongelamento. O projeto visa coordenar uma rede pan-ártica de monitoramento de carbono para preencher algumas lacunas de dados que tornaram difícil incorporar as emissões de descongelamento do permafrost nas metas climáticas.

    A primeira torre de fluxo de carbono do projeto, que rastreia o fluxo de metano e dióxido de carbono do solo para a atmosfera, foi instalada este verão em Churchill, na província canadense de Manitoba. No entanto, os planos para instalar estações de monitoramento semelhantes na Sibéria estão bagunçados por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia.

    “Sempre foi mais desafiador trabalhar na Rússia do que em outros países, como o Canadá, por exemplo”, confidenciou Rogers. “Mas a invasão, é claro, tornou tudo exponencialmente mais desafiador”.

    Sebastian Dötterl, professor e cientista de solos da universidade suíça ETH Zurich, que estuda a forma como as temperaturas do ar e do solo mais quentes alteram o crescimento das plantas no Ártico, conseguiu viajar para o arquipélago norueguês de Svalbard, no Ártico, no último verão, para recolher amostras de solo e plantas.

    No entanto, o custo da viagem de campo foi o dobro do orçado inicialmente porque o grupo foi proibido de usar qualquer infraestrutura de propriedade russa, forçando a equipe a contratar um barco de turismo e a reorganizar o seu itinerário. Mas Dötterl disse
    que a questão mais premente é que ele já não consegue interagir com os seus pares das instituições russas.

    “Estamos agora dividindo uma comunidade muito pequena de especialistas em todo o mundo em grupos políticos que estão desconectados, enquanto os nossos problemas são globais e devem estar ligados”, afirmou.

    Turetsky concordou, dizendo que a guerra na Ucrânia vem sendo “desastre para o nosso empreendimento científico”.

    “A Rússia e a Sibéria são atores imensos. Muitos dos projetos financiados pelos EUA e União Europeia para trabalhos na Sibéria com algum tipo de compartilhamento lateral do conhecimento foram todos cancelados”, contou o pesquisador do Colorado.

    “Vamos parar de tentar? Não, claro que não. Há muito que podemos fazer com os dados existentes e com os produtos globais de detecção remota. Mas esse foi um verdadeiro revés para a comunidade científica”.

    *Publicado por Daniel Reis

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