Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Kamala Harris: Primeira vice negra dos EUA passou a carreira quebrando barreiras

    A Casa Branca é apenas a última de uma série de barreiras quebradas por Kamala, que fez história também como procuradora da Califórnia e senadora

    Kamala Harris toma posse como vice-presidente dos Estados Unidos
    Kamala Harris toma posse como vice-presidente dos Estados Unidos Foto: Kevin Lamarque - 20.jan.2021/Reuters

    Da CNN, em São Paulo*

    Os Estados Unidos da América empossaram nesta quarta-feira (20) a sua primeira vice-presidente mulher, negra e descendente do Sul da Ásia: Kamala Harris. A ex-promotora e ex-senadora assumiu como a número 2 do país ao lado do novo presidente americano, Joe Biden.

    A posse de Kamala foi repleta de simbolismo. A vice-presidente dos Estados Unidos jurou cumprir a Constituição perante à juíza Sonia Sotomayor, a primeira integrante da Suprema Corte de origem hispânica.

    E o fez usando roxo, a cor de campanha de Shirley Crisholm, mulher negra que disputou as primárias democratas em 1972, mas acabou preterida por George McGovern na convenção do partido.

    Antes de Kamala, os democratas haviam tido duas vezes um homem negro como candidato e presidente eleito, Barack Obama (2008 e 2012), uma mulher como candidata a vice, Geraldine Ferraro (1984), e uma como candidata a presidente, Hillary Clinton (2016).

    O Partido Republicano teve uma mulher como candidata a vice-presidente, Sarah Palin (2008).

    Barreiras

    A trajetória de Kamala Harris, de 56 anos, até a Casa Branca foi inteira quebrando barreiras.

    Na Califórnia, ela foi a primeira mulher – e a primeira negra – a servir como procuradora-geral do estado. Foi a primeira mulher negra da Califórnia eleita para o Senado dos EUA, e a segunda em todo o país, depois de Carol Moseley Braun, de Illinois. Harris também foi a primeira pessoa de ascendência indiana a aparecer em uma chapa presidencial.

    A ex-senadora escolheu o termo “Pioneira”, em homenagem à sua trajetória de superação, como seu codinome junto ao Serviço Secreto.

    A californiana segue a democrata Geraldine Ferraro, em 1984, e a republicana Sarah Palin, em 2008, sendo a terceira mulher escolhida como companheira de chapa em uma eleição presidencial.

    As duas candidatas a vice antes dela perderam as eleições para ícones dos partidos opostos – Ronald Reagan se elegeu presidente em 1984, levando o próprio vice para a Casa Branca, e Barack Obama ganhou em 2008, tendo Biden como companheiro de chapa.

    Durante as últimas primárias presidenciais do Partido Democrata, Harris muitas vezes se viu presa entre a ala progressista de seu partido, liderada pelos senadores Bernie Sanders, de Vermont, e Elizabeth Warren, de Massachusetts, e o establishment moderado, encabeçado por Biden.

    A esquerda criticou o histórico de Kamala Harris na justiça criminal, desde sua eleição como promotora distrital em San Francisco até seu trabalho como procuradora-geral da Califórnia.

    Essas preocupações foram ampliadas após a entrada espetacular de Harris na corrida democrata em janeiro de 2019, quando seu anúncio foi recebido por uma multidão de 20 mil pessoas ao ar livre em Oakland, Califórnia.

    Sua campanha conseguiu levantar o maior apoio financeiro já conseguido por qualquer mulher negra na história política americana. Décadas após a deputada Shirley Chisholm se pré-candidatar à presidência em 1972 (também pelo Partido Democrata), Harris acumulou mais de US$ 35 milhões em 11 meses, apesar dos desafios que as candidatas negras enfrentam para obter financiamento. 

    A infância de Harris

    Kamala Harris passou sua infância em um dos berços do ativismo de esquerda norte-americano: Berkeley e Oakland, onde nasceu em 1964.

    Sua mãe foi uma pesquisadora de câncer e seu pai, que é de ascendência jamaicana, um professor de economia. Ambos participavam do movimento dos direitos civis e Harris, junto com sua irmã mais nova, Maya, que presidiu sua campanha presidencial, cresceram em um ambiente de ativismo.

    Depois que seus pais se divorciaram, as irmãs Harris se mudaram para o Canadá com a mãe, Shyamala Gopalan Harris, que assumiu o cargo de professora na Universidade McGill e continuou sua pesquisa de câncer de mama no Jewish General Hospital em Montreal.

    Harris, que se formou no ensino médio nessa cidade, manteve um relacionamento muito próximo com sua mãe, uma particularidade que ela já abordou publicamente várias vezes.

    “Minha mãe criou minha irmã Maya e eu, e ela era durona”, Harris disse certa vez sobre a doutora Gopalan, uma aclamada pesquisadora sobre câncer de mama que morreu em 2009. “Nossa mãe tinha praticamente um metro e meio de altura, mas se você a conhecesse pensaria que ela tinha o dobro de tamanho”.

    Harris estudou na Universidade Howard, em Washington D.C., uma importante faculdade e universidade historicamente negra. Lá, ela se juntou à Alpha Kappa Alpha Sorority, a mais antiga irmandade negra do país.

    Em junho de 2009, a senadora falou sobre sua experiência na Universidade Howard em um vídeo de campanha.

    “Em uma HBCU (sigla para uma universidade historicamente negra), um jovem vê que pode ser qualquer coisa. Você sai da minoria e se torna a maioria”, afirmou. “Tudo é exatamente o que Aretha (Franklin) nos disse: Você é jovem, talentoso e negro”.

    Início na política

    Depois de se formar na Howard, Harris voltou para o oeste, onde frequentou a faculdade de direito da UC-Hastings, que a levaria a uma carreira como promotora no norte da Califórnia – e à política. Em 2003, ela foi eleita procuradora distrital em San Francisco.

    Os antecedentes de Harris em San Francisco e sua atuação como procuradora-geral da Califórnia foram examinados de perto durante a corrida para as primárias de 2020.

    Ela se descreveu como uma “promotora progressista”, tendo ganho seu primeiro mandato no sistema judiciário em uma plataforma que se opunha à pena de morte – uma posição, mesmo em uma das cidades mais liberais da América, que levaria a um confronto precoce com líderes estaduais.

    Pouco depois de assumir o cargo, Kamala Harris anunciou que não pediria a pena de morte para um acusado de matar um policial. Falando no funeral do próprio policial, a senadora Dianne Feinstein, que seria depois colega de Harris, pediu a pena de morte.

    A disputa abriu um fosso entre Harris e alguns líderes da polícia, mas ela consertou essas barreiras nos anos seguintes, enquanto caminhava por uma linha estreita para avançar em sua carreira política pioneira.

    Seu histórico de justiça criminal foi submetido a uma grande investigação na corrida presidencial, com defensores e ativistas progressistas questionando uma série de decisões que ela tomou como autoridade jurídica.

    Kamala Harris e Doug Emhoff chegam para evento de posse em Washington
    Kamala Harris e Doug Emhoff chegam para evento de posse em Washington
    Foto: CNN (20.jan.2021)

    Por exemplo: em 2014, quando era procuradora-geral da Califórnia, ela lançou um recurso contra a decisão de um juiz federal, que chamou de “falha”, alegando que a implementação da pena de morte pelo estado era inconstitucional.

    Um ano depois, optou por não apoiar uma ação do Caucus Negro do Legislativo (a bancada pelos direitos dos negros) para exigir que todos os policiais usassem câmeras corporais, embora ela acabasse por obrigar todos os agentes de seu escritório a usá-las.

    Harris resistiu a pedidos para que seu escritório investigasse todos os tiroteios fatais envolvendo policiais, dizendo que a decisão deveria ficar nas mãos dos promotores locais.

    Em seu primeiro discurso ao se tornar procuradora-geral, ela apoiou a uma nova lei estadual da Califórnia que imporia multas, e possível pena de prisão, aos pais de jovens estudantes que sofriam com evasão escolar crônica – uma tática que ela adotou como a principal promotora de San Francisco.

    “Por mais inaceitável que seja esse problema, sei que é algo que podemos consertar”, disse Harris em seu discurso de posse.

    “Em San Francisco, ameaçamos os pais de alunos faltosos com processo, e a evasão caiu 32%. Portanto, estamos avisando os pais: ‘Se você falhar em sua responsabilidade para com seus filhos, vamos trabalhar para garantir que você enfrente toda a força e as consequências da lei’”.

    Em abril, Harris disse em uma entrevista para o podcast liberal “Pod Save America” que tinha remorso por ter agido dessa forma.

    “Lamento ter ouvido histórias em que, em algumas jurisdições, os promotores criminalizaram os pais. E lamento que isso tenha acontecido”, disse Harris. “Ao pensar que uma ação minha possa ter levado a essas consequências, digo claramente que não era a intenção. Nunca foi a intenção”.

    Harris teve um papel importante no acordo nacional de US$ 25 bilhões com os grandes bancos, em resposta às práticas das instituições financeiras durante a crise de habitação e execução hipotecária.

    Na sua corrida para o Senado em 2016, Harris teve um papel importante na difícil negociação com as cinco maiores empresas de serviços de hipotecas do país, incluindo JPMorgan Chase e Citigroup. Ela também trabalhou para fortalecer (com resultados mistos) a proteção aos proprietários de casas ameaçados por credores predatórios.

    A senadora tirou a Califórnia das negociações de 2011 num momento crucial, argumentando que o negócio que estava à vista –  firmado com outros procuradores-gerais do estado – não era duro o suficiente com os bancos, uma decisão que rendeu elogios à época e nos anos seguintes de Elizabeth Warren, que viria a ser sua colega no Senado e rival na corrida presidencial em 2020.

    Durante esse período, Harris também se aproximou do filho mais velho de Joe Biden, Beau, que era procurador-geral de Delaware durante as negociações.

    “Nós protegíamos um ao outro”, escreveu Harris sobre Beau Biden em um livro de memórias de 2019.

    “Havia períodos, quando eu estava no centro dos ataques, em que Beau e eu conversávamos todos os dias”, lembra Harris, “às vezes várias vezes ao dia”.

    Esse relacionamento perdurou, Harris e outros disseram, até a morte de Beau Biden em 2015.

    Quando Harris atacou Joe Biden em termos contundentes sobre seu histórico em questões raciais, incluindo sua posição sobre a dessegregação de ônibus na década de 1970 (uma prática conhecida como busing, na qual crianças negras eram levadas de ônibus para estudar em escolas melhores, majoritariamente brancas), durante um debate primário no ano passado, houve sugestões de que os laços das famílias haviam se desgastado.

    Em uma entrevista à CNN após o debate, Biden confessou que ficou surpreso com as palavras de Harris.

    “Eu estava preparado para todos me atacarem”, contou Biden. “Mas não para a pessoa que me atacou do que jeito que me atacou. Ela conhecia Beau, ela me conhece.”

    *Gregory Krieg e Jasmine Wright, da CNN