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    Joe Biden monitorou em tempo real ataque ao líder do Estado Islâmico

    Investida contra mandante do EI era planejada há meses e matou também um tenente do grupo terrorista que se escondia no mesmo prédio

    Kevin LiptakNatasha BertrandNikki Carvajalda CNN

    O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assistiu em tempo real, na quarta-feira, quando comandos de ataque do seu país desembarcaram na Síria para invadir uma casa de três andares, cercada por oliveiras, onde o principal líder do Estado Islâmico morava com a esposa e membros da família.

    Da cabeceira da mesa da “Situation Room” (sala de crise da Casa Branca), Biden observava ansioso um helicóptero americano sofrer problemas mecânicos no solo.

    Houve alívio na sala quando as crianças saíram do primeiro andar do prédio, correndo em segurança.

    Momentos depois, uma explosão abalou o local: uma detonação suicida que matou Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi, a esposa e os filhos dele, explodindo os corpos para fora do prédio e nas áreas vizinhas.

    Os detalhes de como Biden monitorou o ataque vieram de funcionários do alto escalão do governo, que os relataram na manhã de quinta-feira (3).

    A descrição deles era de uma operação bem-sucedida que eliminou um líder terrorista crítico, evitando quaisquer baixas americanas.

    As autoridades norte-americanas insistiram que as únicas mortes de civis foram as causadas pelo próprio líder quando ele explodiu sua residência com a família dentro.

    Essa foi a operação antiterrorismo de maior destaque do mandato de Biden, e as autoridades pareciam dispostas a usá-la para lançar uma luz decisiva sobre o presidente.

    De certa forma, esse se espelhou nos ataques ordenados pelos dois antecessores de Biden que eliminaram os líderes terroristas em suas casas, cada um monitorado em tempo real por uma transmissão segura.

    Assim como depois daquelas missões, a Casa Branca também aproveitou esse momento. Rapidamente divulgou uma foto do presidente sem paletó na Situation Room, olhando atentamente para frente enquanto o ataque se desenrolava.

    O presidente Biden, o vice-presidente Harris e membros da equipe de segurança nacional do presidente observam a operação dos EUA na Síria/ Divulgação/Casa Branca

    Biden surgiu no meio da manhã para fazer uma breve declaração sobre a missão da Sala Roosevelt da Casa Branca.

    “Esta operação é uma prova do alcance e capacidade dos Estados Unidos de eliminar ameaças terroristas, não importa onde eles tentem se esconder em qualquer lugar do mundo”, disse ele, emitindo uma mensagem aos integrantes que ainda estão foragidos: “Nós iremos atrás de você e te encontraremos”.

    Ele acrescentou que todas as precauções foram tomadas para proteger os civis, dizendo: “Sabemos que, quando nossas tropas se aproximaram para capturar o terrorista, em um ato final de covardia desesperada, sem levar em conta a vida de sua própria família ou de outros no prédio, ele escolheu se explodir […] em vez de enfrentar a justiça pelos crimes que cometeu”.

    Quando Biden era vice-presidente, ele foi contra a arriscada missão de eliminar o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, em seu esconderijo no Paquistão, uma operação bem-sucedida que foi projetada para limitar as baixas civis.

    A missão de Biden refletiu essa operação de algumas maneiras, e ele também decidiu usar as forças especiais americanas para derrubar o líder do Estado Islâmico em vez de ordenar um ataque aéreo à casa, um sinal de que sua visão dos riscos mudou nos mais de 10 anos desde a morte de bin Laden.

    “Sabendo que esse terrorista havia escolhido se cercar de familiares, incluindo crianças, optamos por realizar um ataque das Forças Especiais com um risco muito maior para nossa própria equipe, em vez de atingi-lo com um ataque aéreo. Fizemos essa escolha para minimizar as vítimas civis”, disse Biden na manhã de quinta-feira.

    As descrições do ataque feitas pelos EUA foram derivadas de contabilização no local e da transmissão em tempo real. No passado, a contabilidade inicial dos EUA acabou se revelando incompleta ou errada.

    Fontes no local relataram pelo menos 13 mortes durante o ataque, incluindo seis crianças e quatro mulheres, de acordo com o grupo de defesa civil sírio, os Capacetes Brancos.

    ‘Tensão tremenda’

    Em Washington, as autoridades descreveram que a operação estava em andamento há meses para incapacitar um líder obscuro de um grupo terrorista que alguns temiam que estaria se reagrupando.

    “Achamos que o impacto (da morte de Qurayshi) será um golpe para o Estado Islâmico”, disse um funcionário do alto escalão do governo, dizendo que o terrorista “estava fortemente envolvido na condução de muitas das operações”.

    Autoridades disseram que ele supervisionou as filiais do EI no exterior – incluindo uma no Afeganistão, responsável pela morte de fuzileiros navais dos EUA no ano passado – e desempenhou um papel fundamental no genocídio da minoria étnica yazidi.

    A coleta de informações feita pelos EUA sobre o líder do Estado Islâmico aumentou durante o outono e culminou em um relatório detalhado para Biden em 20 de dezembro sobre uma operação para capturar Qurayshi, disse outro funcionário sênior do governo.

    Esse funcionário se recusou a detalhar como os EUA finalmente se concentraram na localização precisa do líder da organização terrorista, mas observou que Qurayshi tinha mensageiros para se comunicar com o mundo exterior que faziam parte da inteligência que levou à sua localização.

    Cinco dias antes do Natal, Biden sentou-se com o secretário de Defesa Lloyd Austin, o comandante do Comando Central dos EUA, general Frank McKenzie, e outros para trabalhar em detalhes minuciosos como uma operação para capturar Qurayshi funcionaria e quais os riscos que isso acarretaria.

    A operação estava repleta de riscos por causa dos civis que ocupavam o mesmo prédio que o líder do Estado Islâmico.

    Em certo momento, funcionários do alto escalão do Pentágono trouxeram uma maquete do local para a Situation Room para orientar o presidente sobre seus planos.

    O alvo, Qurayshi, nunca deixava o complexo onde vivia. Morando no terceiro andar com sua família, ele aparecia apenas ocasionalmente para tomar banho no telhado.

    No primeiro andar moravam famílias sem conexão com o Estado Islâmico, aparentemente sem conhecimento do terrorista dois andares acima delas.

    Os EUA souberam meses atrás que o líder do EI estava morando lá, executando operações terroristas através da sua rede de mensageiros.

    Quando Biden foi informado por comandantes operacionais em dezembro, ele ordenou que o Pentágono tomasse precauções para minimizar as mortes de civis – uma proposta difícil para um alvo que parecia se cercar intencionalmente de crianças e famílias como proteção.

    As forças americanas que realizaram a missão ensaiaram a operação, incluindo as salvaguardas para proteger inocentes.

    Quando a equipe americana desembarcou, eles anunciaram sua presença em voz alta, pedindo que os que estavam dentro do prédio saíssem e que outros na área residencial ao redor ficassem longe.

    Os militares haviam planejado uma operação de duas horas no local, ressaltando a necessidade de minimizar as baixas civis.

    Biden deu a aprovação final da operação na terça-feira no Salão Oval, onde foi informado por Austin e pelo general Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto.

    Um dia depois, houve “tremenda tensão” na Situation Room, quando o presidente, a vice-presidente Kamala Harris e membros das equipes militares e de segurança nacional de Biden monitoraram a situação em “tempo real”.

    Outras pessoas presentes na sala incluíam o conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan, o vice-conselheiro de segurança nacional Jonathan Finer, a conselheira de segurança interna Elizabeth Sherwood-Randall, o chefe de gabinete da Casa Branca Ron Klain e o coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio e Norte da África, Brett McGurk.

    Austin e Milley monitoraram do Pentágono.

    Meses de preparação

    Biden estava “muito mergulhado nos detalhes operacionais” após meses de planejamento, disse um funcionário do alto escalão do governo, que incluía o modelo do prédio que abrigava o principal mandante do Estado Islâmico trazido por líderes militares à Situation Room em dezembro.

    Ele se engajou em um “dar e receber constante” de informações com seus comandantes militares.

    No início de dezembro, oficiais de inteligência dos EUA tinham certeza de que Qurayshi estava morando na residência.

    O planejamento era incrivelmente complexo, disse o funcionário. Qurayshi morava em um bairro residencial no terceiro andar de um prédio que abrigava famílias, incluindo crianças.

    O próprio Qurayshi raramente deixava o prédio e seus “escudos humanos”, disseram as autoridades, exceto para banhos ocasionais no telhado.

    O objetivo era capturar Qurayshi vivo. Ele havia revelado informações valiosas quando os EUA o deteve no Iraque em 2008, e havia uma possibilidade distinta de que ele pudesse fazê-lo novamente, desta vez como chefe do Estado Islâmico.

    Além do valor das informações de Qurayshi, estava o fato de que, enquanto ele estava sob a custódia dos EUA, “ele cantou como um canário”, disse um ex-oficial de contraterrorismo de alto nível familiarizado com os relatórios dos interrogatórios.

    “Os investigadores obtiveram enormes percepções sobre [a Al Qaeda no Iraque] por causa do que ele lhes contou”, disse o embaixador Nathan Sales, coordenador de contraterrorismo dos EUA no Departamento de Estado do ex-presidente Donald Trump.

    Oficiais dos EUA “é claro” que consideraram que Qurayshi poderia se detonar durante a operação, da mesma forma que o líder do Estado Islâmico Abu Bakr al-Baghdadi havia feito durante o ataque no qual morreu em 2019.

    Foi o próprio Biden quem perguntou sobre a possibilidade de Qurayshi estar armado com um colete suicida ou outro tipo de explosivo.

    Foi exatamente isso que aconteceu. Dentro da Situation Room, Biden recebeu um relatório de uma “explosão significativa”, que as autoridades informaram que acabou matando Qurayshi e a família dele.

    “Isso aconteceu bem no início da operação”, explicou o funcionário sênior do governo. A partir daí, as coisas correram de forma “linear” e todas as mortes e vítimas foram resultado de ações de membros do Estado Islâmico, alegou a Casa Branca.

    A explosão ocorreu antes de qualquer força dos EUA entrar no prédio, destruindo o terceiro andar e lançando corpos para a área ao redor.

    O explosivo era muito maior do que as autoridades americanas presumiram que Qurayshi usaria quando modelaram como uma explosão poderia afetar o prédio – além do que um colete suicida poderia fazer, disse um funcionário do alto escalão do governo –destruindo o topo do prédio.

    Como resultado, as autoridades americanas acreditam que todo o terceiro andar pode ter sido carregado com explosivos, acrescentou o funcionário.

    Engenheiros militares haviam determinado de antemão que a explosão não faria o prédio desmoronar.

    “Duvido que ele soubesse disso quando acionou a detonação”, disse um funcionário sênior do governo. “Provavelmente era a intenção dele matar todos naquele prédio”.

    Ainda assim, a operação não foi concluída. Um alto tenente do Estado Islâmico estava no andar abaixo de Qurayshi, facilitando as operações diárias da organização terrorista.

    Quando as forças dos EUA entraram no prédio, ele fez uma barricada com a esposa em seus aposentos no segundo andar e enfrentou as forças americanas. O tenente do EI foi morto.

    Após sua morte, várias crianças emergiram do segundo andar. Elas foram removidas em segurança.

    Um helicóptero dos EUA teve “problemas mecânicos” durante o ataque e foi “destruído adequadamente a alguma distância do local”, disse uma autoridade. Essas questões não tinham nada a ver com “qualquer tipo de ação hostil”.

    “Em última análise, aquele helicóptero conseguiu sair da área alvo imediata e, sob controle, pousar em outro local onde foi tomada a decisão de desativá-lo e destruí-lo”, disse o funcionário.

    Quando as forças dos EUA deixaram o local, obtiveram “ID visual” de Qurayshi – jargão militar para uma identificação positiva do alvo usando suas características faciais. Eles também fizeram biometria na impressão digital de Qurayshi, que correspondeu.

    A tensão na Situation Room se transformou em “alívio” quando chegaram os primeiros relatórios do ataque.

    Uma família no primeiro andar, incluindo um homem, uma mulher e várias crianças, que as autoridades acreditavam desconhecer os membros do Estado Islâmico que viviam ao seu redor, foram “levados em segurança” para longe do prédio.

    Mas a situação permaneceu “tensa” mesmo quando as tropas deixaram a área. Ao partir, outro grupo descrito como “hostil” pelo Pentágono abriu fogo contra o helicóptero norte-americano.

    Autoridades dizem que eram membros de uma afiliada da Al Qaeda, já que a área é um reduto de Hay’at Tahrir al-Sham. Helicópteros atacaram o grupo, matando dois membros antes que o resto fugisse.

    Quando a operação foi concluída, Biden deu apenas algumas palavras.

    “O presidente ficou obviamente satisfeito com os relatórios de seus comandantes”, disseram as autoridades. Biden fez “enormes elogios” à equipe.

    As autoridades disseram que, ao sair da Situation Room, Biden disse: “Deus abençoe nossas tropas”.

     

    Contribuíram para esta reportagem da CNN: Natasha Bertrand, Oren Liebermann, Alex Marquardt e Paul LeBlanc.

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