Israel não mostrou provas contra funcionários de agência da ONU, diz relatório
Governo acusa integrantes da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA) de envolvimento em atos terroristas
Israel ainda não apresentou provas das acusações que fez de que centenas de funcionários da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) são membros de grupos terroristas, apontou análise sobre a agência divulgada nesta segunda-feira (22).
Isso pode fazer com que alguns países que doavam para o órgão revejam o congelamento de financiamentos.
As Nações Unidas nomearam a ex-ministra das Relações Exteriores da França Catherine Colonna para liderar a análise da capacidade da UNRWA de garantir a neutralidade e de responder a alegações de violações.
Isso aconteceu após Israel acusar 12 funcionários da agência de participarem dos ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas, que desencadearam o conflito em Gaza.
Realizada por investigadores internos da ONU, uma apuração separada analisa as alegações israelenses contra os 12 funcionários da UNRWA. A ONU disse na semana passada que o Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU teve “uma série de reuniões e cooperação das autoridades israelenses sobre o assunto”.
A UNRWA oferece educação, saúde e ajuda a milhões de palestinos em Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria. O relatório afirma que a agência compartilha listas de funcionários com a Autoridade Palestina, Israel, Jordânia, Líbano e Síria.
Ainda segundo a análise, Israel não havia levantado nenhuma preocupação com o órgão com base nessas listas de funcionários desde 2011. Então, em março de 2024, “Israel tornou públicas alegações de que um número significativo de funcionários da UNRWA seriam membros de organizações terroristas”.
“No entanto, Israel ainda não forneceu evidências que comprovem isso”, alerta o documento.
O país intensificou suas acusações em março, alegando que mais de 450 funcionários da UNRWA eram agentes militares de grupos terroristas de Gaza. A agência emprega 32 mil pessoas em sua área de operações, 13 mil delas em Gaza.
Nesta segunda-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, acusou mais de 2.135 funcionários de serem membros do Hamas ou da Jihad Islâmica Palestina.
Ele ressaltou que a análise de Colonna sobre a UNRWA foi insuficiente e constitui um “esforço para evitar o problema e não abordá-lo de frente”.
“O relatório Colonna ignora a gravidade do problema e oferece soluções cosméticas que não lidam com o enorme escopo da infiltração do Hamas na UNRWA”, avaliou o porta-voz.
Ele acrescentou que Israel pede às nações que não deem dinheiro para a UNRWA em Gaza e, em vez disso, financiem outras organizações humanitárias no território palestino.
“Salvação”
Colonna pontuou a jornalistas que manteve boas relações com Israel durante a investigação, mas não ficou surpresa com a resposta israelense. Ela disse ter feito um apelo a Israel para que “por favor, leve isso em consideração; o que quer que recomendemos — se implementado — trará benefícios”.
Questionada sobre o comentário de Marmorstein, a diretora de comunicações da UNRWA, Juliette Touma, ponderou: “Incentivamos os Estados-membro que têm essas informações a compartilhá-las com a investigação em andamento e não com a mídia”.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, aceitou as recomendações, informou seu porta-voz, solicitando a todos os países que apoiem a UNRWA, pois ela é “uma tábua de salvação para os refugiados palestinos na região”.
As acusações israelenses levaram 16 países a pausar ou suspender o financiamento de US$ 450 milhões para a agência, um golpe para uma organização que luta contra a crise humanitária que varre Gaza desde que Israel lançou sua ofensiva na região.
A UNRWA informou que 10 desses países retomaram o financiamento, mas os Estados Unidos, o Reino Unido, a Itália, a Holanda, a Áustria e a Lituânia não o fizeram. Um porta-voz da ONU destacou que o órgão atualmente tem fundos suficientes para pagar as operações até junho.
Após as alegações contra os agentes, os Estados Unidos, maior doador da agência, repassando entre US$ 300 milhões e US$ 400 milhões por ano, interrompeu o financiamento e, em seguida, o Congresso dos EUA suspendeu as contribuições até pelo menos março de 2025.
“Estrutura robusta”
Israel critica a agência, fundada em 1949 para cuidar dos refugiados palestinos, há algum tempo. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pediu o fechamento da UNRWA, dizendo que ela procura preservar a questão dos refugiados palestinos.
A UNRWA diz que rescindiu os contratos de 10 dos 12 funcionários acusados por Israel de envolvimento nos ataques de 7 de outubro, e que os outros dois estão mortos.
A análise de Colonna observou que a agência tem “uma abordagem mais desenvolvida” em relação à neutralidade do que outros grupos semelhantes da ONU ou de ajuda humanitária.
“Apesar dessa estrutura robusta, as questões relacionadas à neutralidade persistem”, concluiu.
Segundo o relatório, entre elas estão alguns funcionários que expressam publicamente opiniões políticas, livros didáticos com conteúdo problemático sendo usados em algumas escolas da UNRWA e sindicatos de funcionários politizados fazendo ameaças contra a administração do órgão e interrompendo as operações.
Em Gaza, os desafios de neutralidade da agência incluíam o tamanho da operação, com a maioria dos funcionários sendo ao mesmo tempo recrutados e também beneficiários dos serviços da agência, destaca o relatório.
O chefe da UNRWA, Philippe Lazzarini, afirmou nesta segunda-feira que ela desenvolve um plano de ação para levar adiante as recomendações da revisão de Colonna.
“As recomendações desse relatório fortalecerão ainda mais nossos esforços e nossa resposta durante um dos momentos mais difíceis da história do povo palestino”, avaliou.
O Ministério das Relações Exteriores palestino destacou que as recomendações “para melhorar os já altos padrões de imparcialidade, humanidade e neutralidade da UNRWA” eram importantes e apelou aos doadores que interromperam o financiamento que “reconsiderem urgentemente suas decisões”.