Israel mantém difícil “ponto de equilíbrio” na guerra da Rússia contra a Ucrânia
Primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, tem evitado críticas diretas à Rússia e a Putin
Três importantes aliados dos EUA no Oriente Médio aderiram à resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) condenando a invasão da Ucrânia pela Rússia nesta semana, mas seus votos desmentiram a tensão que está sob a superfície.
Enquanto os Emirados Árabes Unidos votaram a favor da resolução da AGNU, abstiveram-se na resolução anterior do Conselho de Segurança da ONU, condenando a Rússia. A decisão do Conselho de Segurança deveu-se provavelmente às suas frustrações com a recusa do governo de Joe Biden em classificar os houthis como uma entidade terrorista estrangeira na região e seu desejo de permanecer nas boas graças da Rússia, que se tornou uma aliada nos últimos anos.
Os sauditas votaram a favor da resolução, mas pretendem não alienar Moscou e resistiram à pressão do governo Biden para bombear mais petróleo, principalmente por causa de um acordo da Opep+ que fizeram com a Rússia para limitar a produção diária. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman também está zangado com o presidente Joe Biden por se recusar a falar com ele sobre seu suposto envolvimento no assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi – o governo saudita ainda nega que o príncipe herdeiro tenha desempenhado qualquer papel na morte do jornalista.
Talvez o mais complexo seja o caso de Israel. Alguém poderia ser perdoado por pensar que, como o aliado mais próximo dos Estados Unidos e a única democracia da região – ainda que falho – o apoio inabalável de Israel aos ucranianos seria dado.
Mas os interesses únicos de Israel na região estão forçando Jerusalém a seguir um curso que tenta evitar alienar o líder russo Vladimir Putin e Biden ao mesmo tempo. À medida que a campanha sangrenta de Putin na Ucrânia se intensifica, no entanto, Israel pode se ver sob maior pressão para adotar uma postura anti-Rússia mais dura.
Embora Israel tenha votado a favor da resolução da AGNU esta semana, ela foi precedida por um período de manobras desajeitadas dos líderes israelenses para evitar uma dura condenação pessoal à invasão de Putin. Em 24 de fevereiro, logo após as tropas russas pisarem em solo ucraniano, o ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, chamou a invasão de “uma violação grave da ordem internacional” – mas não mencionou o nome de Putin.
Mais recentemente, em resposta a um ataque russo a Kiev que ocorreu nas proximidades do memorial do Holocausto em Babyn Yar, Lapid “denunciou o dano”, mas não mencionou a Rússia como o autor do dano. Enquanto isso, o primeiro-ministro Naftali Bennett, supostamente buscando desempenhar um papel mediador na crise, até agora evitou usar as palavras “Putin”, “Rússia” e “condenar” na mesma frase. Embora tenha dito: “Estamos orando pelo bem-estar dos cidadãos da Ucrânia e esperamos que mais derramamento de sangue seja evitado”, Bennett concordou apenas em enviar ajuda humanitária – incluindo equipamentos médicos, sistemas de purificação de água, tendas, cobertores e sacos de dormir.
O cientista político e diretor executivo da StandWithUs Brasil, André Lajst, lembra que Israel é residência de mais um milhão de refugiados que saíram da ex-União Soviética e foram para Israel. “São pessoas que são da Rússia, da Ucrânia e de várias outros países satélites que fizeram parte da União Soviética.”
“Isso torna o caso de Israel muito peculiar: Israel é um país democrático, não é membro da Otan e tem relações estratégicas com a Rússia por causa da presença iraniana na Síria desde do começo da guerra. Israel coordena com os russos as suas ações militares que ela conduz de tempos em tempos contra essas posições iranianas na Síria e contra transferências de armas que o Irã faz pro Hezbollah através do solo sírio”, explica.
Para Lajst, a Rússia, assim como os Estados Unidos e outros países exportadores de armas, “precisam de outros países comprando armas para poder sustentar a indústria interna”. E afirma que a Rússia tem como clientes Irã, Síria e outros países não alinhados a Israel.
“Então, obviamente, Israel conversa diplomaticamente com a Rússia tempo todo nos últimos trinta anos para que a Rússia não venda armas [para esses países]”, resume.
Zelensky pede armas para Israel
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu ao governo israelense que forneça armas também, mas os israelenses até agora se opuseram. Na quinta-feira, o presidente ucraniano, ele próprio judeu, exortou Israel a adotar uma postura moral mais forte e ofereceu algumas palavras para Bennett: “Não sinto que ele esteja envolto na bandeira da Ucrânia”.
A hesitação de Israel sobre a Ucrânia é motivada, em parte, pela necessidade de manter a cooperação diária com a Rússia na Síria. Os russos, que controlam grande parte do espaço aéreo sírio, deram a Israel ampla latitude para atacar alvos iranianos, sírios e libaneses na Síria. O arranjo envolve um mecanismo de desconflito que evita conflitos acidentais entre as forças russas e israelenses por meio de um canal de comunicação em tempo real. Acrescente a isso a preocupação perene de Israel com o bem-estar e a segurança dos 150.000 judeus na Rússia, e o argumento a favor de manter boas relações com Putin é forte.
Ao mesmo tempo, Israel tem outros interesses críticos a proteger. Como um estado criado como um porto seguro para os judeus do mundo após o Holocausto, Israel paga um preço por parecer vacilar diante de um poder predatório que ataca um estado mais fraco.
De acordo com Axios, o governo Biden tem entendido a necessidade de equilíbrio de Israel, mas também pressionou Israel a “tomar uma posição clara” – argumentando que esta é uma questão “de certo e errado”. E certamente os israelenses sabem que esta é a crise internacional mais séria da presidência de Biden até agora.
Talvez Bennett acredite seriamente que, ao se abster de atacar Putin de frente, ele manterá seu suposto papel de mediador honesto. Embora Bennett precise proteger os interesses de Israel, ele também tem outro papel a desempenhar como um dos aliados mais próximos dos Estados Unidos e como uma democracia diante da agressão da Rússia.
À medida que a invasão de Putin ceifa mais vidas inocentes e a crise da Ucrânia ameaça ainda mais os interesses americanos, europeus e globais, Bennett certamente sabe que Biden e muitos na comunidade internacional esperam que Israel aja como tal.
(* Com informações da CNN Brasil)