Invasores do Capitólio queriam anular eleição na qual não votaram
Registros mostram que alguns dos rebeldes que invadiram o Capitólio dos Estados Unidos não votaram na eleição que motivou os protestos
Eles estavam lá para “parar o roubo” e manter o presidente que reverenciavam no cargo. No entanto, os registros mostram que alguns dos rebeldes que invadiram o Capitólio dos Estados Unidos não votaram na eleição que motivou os protestos. Nos país, o voto não é obrigatório.
Um desses arruaceiros é Donovan Crowl, um ex-fuzileiro naval que avançou em direção a uma entrada do Capitólio em trajes paramilitares em 6 de janeiro enquanto a multidão pró-Donald Trump gritava “quem é nosso presidente?” As autoridades federais identificaram posteriormente Crowl, 50 anos, como membro de uma organização que se autodenomina uma milícia em seu estado natal, Ohio, e é afiliada ao grupo extremista Oath Keepers.
Sua mãe disse à CNN que ele havia dito a ela que “eles iriam tomar o governo se eles (…) tentassem tirar a presidência de Trump dele”. A mãe contou que Crowl ficou cada vez mais raivoso durante o governo Obama e que estava ciente de seu apoio ao ex-presidente Donald Trump.
Apesar dessas visões aparentemente pró-Trump, uma autoridade eleitoral do condado em Ohio disse à CNN que ele se registrou como eleitor em 2013, mas “nunca votou nem respondeu a nenhum de nossos avisos de confirmação para manter seu registro”. O ex-fuzileiro naval foi então removido das listas de eleitores no final de 2020 e o estado disse que ele não era mais registrado em Ohio. Um secretário do condado de Illinois, onde Crowl foi registrado no passado, também confirmou que ele não era eleitor ativo em nenhuma seção do estado.
Crowl foi indiciado por um tribunal federal sob a acusação de destruição de propriedade do governo e conspiração por supostamente coordenar o planejamento do ataque com outros invasores. Ele permanece preso depois que um juiz afirmar que a mera “sugestão de liberá-lo para viver numa residência com nove armas de fogo não é válida”. Em uma entrevista à revista “New Yorker” citada pelo governo, Crowl contou que tinha intenções pacíficas e alegou ter protegido a polícia. O advogado de Crowl não quis se pronunciar sobre o histórico de votação de seu cliente.
Muitos envolvidos na insurreição professaram ser motivados pelo patriotismo, declarando falsamente que Trump foi o legítimo vencedor do pleito. No entanto, pelo menos oito das pessoas que agora enfrentam acusações criminais por seu envolvimento nos eventos no dia da insurreição não votaram na eleição presidencial de novembro de 2020, de acordo com uma análise dos registros de votação dos estados onde os manifestantes foram presos, entre os estados que exibem registros públicos. Os manifestantes vieram de estados de todo o país e tinham idades entre 21 e 65 anos.
Para determinar quem votou em novembro, a CNN analisou os registros de votação de mais de 80 dos presos logo após o ataque. A maioria votou nas eleições presidenciais e, embora muitos fossem republicanos registrados, alguns foram registrados como democratas nas jurisdições que forneciam informações sobre o partido (o partido de preferência do eleitor pode ser informado e isso pode constar em seu registro, mas não em quem ele votou). O acesso público aos registros do histórico eleitoral varia de acordo com o estado, e a CNN não conseguiu visualizar os registros de alguns dos acusados.
Entre os que não votaram estavam um homem da Geórgia de 65 anos que, de acordo com documentos do governo, foi encontrado em sua van com uma pistola carregada e munição, e um homem da Louisiana que se gabou publicamente de ter passado quase duas horas dentro Capitólio depois de participar do comício “Parem o roubo” (“Stop the Steal”) de Trump.
Outro caso é de uma mulher de 21 anos de Missouri que, segundo os promotores, compartilhou um vídeo no Snapchat que a mostrou desfilando com um pedaço de uma placa de madeira do escritório da presidente da Câmara, Nancy Pelosi. Há também um homem da Flórida anteriormente condenado por tentativa de homicídio acusado pelo governo de se recusar a deixar o Capitólio – ele não pode votar porque tinha multas judiciais não pagas.
Jessica Stern, professora da Universidade de Boston que passou cerca de 30 anos pesquisando extremistas, afirmou que, embora não tenha falado com os indivíduos envolvidos nos eventos no Capitólio, a partir de suas entrevistas com outros extremistas violentos ela pode concluir que uma série de fatores estiveram em jogo. Os manifestantes podem ter acreditado que o sistema era fraudado, como afirma o movimento “Parem o Roubo” – e nesse caso não haveria sentido em votar. Eles poderiam ser mais atraídos pela encenação, a violência ou a atenção que obteriam em uma manifestação como a do Capitólio do que por alcançarem de fato seu objetivo (no caso, o resultado diferente das eleições).
Para a professora, pode ter acontecido uma combinação dessas razões, que se somaram a sentimentos de raiva e humilhação que frequentemente atraem as pessoas para grupos extremistas e para a violência. Ela disse que quando uma pessoa vota, “precisa acreditar mais na ética de votar do que no que seria uma perda de tempo (…) e ver isso como um imperativo moral. A pessoa tem que acreditar que o sistema funciona para todos, que é para o bem do país”.
Jack Griffith, um jovem de 25 anos do Tennessee, alardeou sua chegada a Washington com uma postagem no Facebook dizendo: “A CAVALARIA ESTÁ CHEGANDO!!!!”, usando a hashtag “#MAGA”, de acordo com documentos do tribunal. Pouco depois de deixar o Capitólio em 6 de janeiro, ele postou uma mensagem de decepção. “Eu odeio ser esse cara, mas a Nova Ordem Mundial nos venceu”, escreveu. “Trump foi nosso maior campeão e ainda não foi o suficiente. Ele fez o melhor que pode. Ele fez tanto, mas é só um homem… Até ajudei a invadir o capitólio hoje, mas só piorou as coisas… Por que, Deus? Por quê? POR QUE VOCÊ NOS ABANDONOU? A menos que… Trump ainda tenha um plano?”
As participações online descrevendo sua participação no cerco ao Capitólio foram mais tarde usadas pelo Departamento de Justiça para construir um processo criminal contra ele. Griffith enfrenta uma série de acusações, incluindo entrada violenta ou conduta desordeira na área do Capitólio.
Os dados eleitorais do Tennessee e do Alabama, onde os registros públicos provam que Griffith viveu, mostraram que ele votou nas eleições de 2016 e 2018, mas não no pleito presidencial de 2020. O defensor público que inicialmente o representava não quis comentar. Outro advogado listado como seu atual representante não respondeu aos pedidos de comentários.
Os registros do tribunal detalham como Gracyn Courtright, estudante veterana da Universidade de Kentucky, postou uma série de imagens no Instagram nas quais aparece marchando com uma grande bandeira dos Estados Unidos e outra com os braços erguidos em triunfo fora do Capitólio, com a legenda “mal posso esperar para contar aos meus netos que estive aqui”. Mais tarde, ela postou uma foto sua com uma camisa à mostra com a legenda: “A infâmia é tão boa quanto a fama. De qualquer forma, fiquei mais conhecida. Beijos”.
Acusada de crimes como entrar intencionalmente em um prédio restrito, entre outros, a estudante também foi identificada em imagens de vigilância arrastando uma placa do Congresso “Somente para membros” (“Members Only”) pelo Capitólio, de acordo com registros do tribunal.
“Não sei o que é traição”, ela escreveu em uma conversa compartilhada com o FBI por um informante, que confrontou a estudante universitária mostrando uma série de mensagens no Instagram. A universitária não está registrada em Kentucky, segundo autoridades eleitorais, e sim em seu estado natal, West Virginia, mas os documentos mostram que ela não votou na eleição de 2020. Seu advogado disse à CNN que Courtright não contestou o fato de ela não ter votado na eleição, mas se recusou a fazer mais comentários.
Em uma série de postagens nas redes sociais que compartilhou direto do Capitólio, Edward Jacob Lang, de Nova York, se disse pronto para uma revolução. “1776 começou”, escreveu em um documento citado pelo governo, mostrando-o de pé nos degraus do Capitólio. “Eu fui o líder da Liberdade hoje. Me prendam. Vocês estão do lado errado da história”, dizia outro texto. Depois de deixar o Capitólio, ele continuou a encorajar os seguidores a se juntarem ao “movimento patriota” com ele. “DÊ-ME LIBERDADE OU A MORTE”, postou.
Os promotores federais disseram que o vídeo de 6 de janeiro mostra Lang tentando atacar policiais com um taco de beisebol, vestindo uma máscara de gás e um escudo antimotim. Ele agora enfrenta uma série de acusações federais, incluindo agressão, resistência ou impedimento de certos oficiais ou funcionários, desordem civil e entrada violenta. Uma texto recente no site ProPublica revelou como Lang usou o aplicativo de mensagens online Telegram em uma tentativa de radicalizar os “normies” (os que seguem as normas) e convencê-los a se juntar a grupos de milícias locais, encorajando as pessoas nos dias após o motim do Capitol a estocar armas e se preparar para a guerra.
Embora os registros estaduais mostrem que Lang está registrado como eleitor e tenha participado de algumas eleições anteriores, funcionários do condado e do estado confirmaram à CNN que ele não votou na eleição de novembro. O advogado de Lang disse em um comunicado que, de dentro da prisão, Lang alegou que apresentou uma justificativa de voto à distância, dizendo: “O Senhor Lang sempre se apresentou como um Libertário… Ele não é um apoiador devoto de Trump, mas acredita que aqueles que assumem o cargo não irão defender os direitos da Primeira e da Segunda Emenda dos cidadãos”.
A lei de Nova York exige que os votos à distância sejam postados até o dia da eleição e recebidos na semana seguinte para serem contados. Quando questionado sobre a alegação de Lang de que ele enviou seu voto à distância, o Conselho de Eleições do condado de Sullivan instruiu a CNN a registrar uma solicitação de registros abertos para receber qualquer informação. A solicitação não foi respondida até a publicação desta reportagem.
O advogado de Lang também disse que o homem de 25 anos era um “jovem ingênuo e impressionável” que foi provocado pela retórica de Trump. Ele citou a declaração do senador Mitch McConnell de que “a multidão foi alimentada com mentiras” e disse que esperava que Lang e outros não fossem considerados culpados “devido apenas às suas associações, crenças e presença”.
Um homem que se identificou com o nome do pai de Lang recusou-se a falar com um repórter, dizendo: “Nós odiamos a CNN. Nós somos pró-Trump, adeus”. Em uma declaração para um jornal local, o pai de Lang atribuiu as ações de seu filho no Capitólio a “um problema de abuso de drogas”.
Arie Perliger, professor da Universidade de Massachusetts Lowell especializado em terrorismo doméstico de direita, disse que não ficou surpreso ao saber que alguns dos manifestantes não votaram, principalmente membros de milícias, como o ex-fuzileiro naval Crowl, já que a filiação à milícia costuma estar enraizada na desconfiança do governo. Ainda assim, o professor afirmou que temia que isso pudesse refletir uma erosão crescente da fé no processo democrático norte-americano, que é um “risco no qual precisamos pensar”.
“Quando vemos que grupos ideológicos significativos estão deixando de participar do processo democrático, isso pode significar que estão procurando outras formas de se envolver, que podem ser mais violentas”, declarou Perliger, que supervisiona um banco de dados de extremistas de direita atos de violência nos Estados Unidos. “Devemos nos preocupar com um número crescente de grupos ideológicos reduzindo seu envolvimento na política eleitoral”.
* Curt Devine, Sara Sidner, Anna-Maja Rappard e o Editorial Research da CNN contribuíram nesta reportagem.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).