Impetuoso ex-general que já foi banido dos EUA pode ser novo presidente da Indonésia
Prabowo Subianto, ex-general do Exército que já foi acusado de violações dos direitos humanos, recebeu 60% dos votos nos resultados preliminares das eleições
Prabowo Subianto ainda não tinha obtido votos suficientes para conquistar as eleições presidenciais da Indonésia, mas, com a confiança de um homem preparado para tomar o poder de uma das maiores democracias do mundo, deu uma coletiva de imprensa, seminu, em sua piscina, em nos arredores de Jacarta.
Aos 72 anos, o ex-general do Exército, que já foi banido dos Estados Unidos por supostas violações dos direitos humanos, pode ser décadas mais velho que os seus oponentes — ambos ex-governadores na casa dos 50 anos –, mas destaca que está mais do que pronto para liderar.
“O objetivo mais importante da democracia é dar às pessoas os líderes e representantes que desejam”, afirmou Prabowo aos jornalistas na sua piscina. “Espero que todas as partes entendam o objetivo maior”, complementou.
Os resultados oficiais das eleições serão anunciados em março, mas, de acordo com as primeiras projeções, que historicamente têm sido precisas, Prabowo obteve expressivos 60% dos votos, evitando um segundo turno em junho.
Ele perdeu as eleições presidenciais duas vezes para o popular Joko Widodo, também conhecido como Jokowi, provocando protestos mortais em 2019, depois de contestar os resultados. Agora, ele está prestes a se tornar o próximo líder da Indonésia.
Entretanto, há muita especulação sobre o que um militar famoso por ser temperamental fará quando ocupar a Presidência e o que isso significará para a democracia no país.
“Prabowo trabalhou muito para encobrir seu passado e se reinventar com uma imagem mais suave e fofa, mas ainda é muito cedo para dizer que tipo de presidente ele será”, avaliou Zachary Abuza, professor de política e questões de segurança do Sudeste Asiático no National War College em Washington, DC.
“O foco de Jokowi estava na economia. Ele acreditava que o crescimento econômico e o desenvolvimento resolveriam todos os conflitos”, acrescentou Abuza.
“Vejo Prabowo olhando para os problemas através de lentes militares. Salvaguardar a soberania e a segurança nacional serão as suas prioridades”, adicionou.
Mais recentemente, Prabowo se apresentou como um aliado leal de Jokowi, servindo como seu ministro da Defesa durante os últimos cinco anos. Grande parte da sua campanha eleitoral de 2024 focou na continuação dos projetos e políticas favoritos do presidente que deixa o cargo.
Mas os dois não poderiam ser mais diferentes, dizem os observadores políticos. Quando Widodo venceu as eleições em 2014, atraiu comparações com Barack Obama e aderiu a uma plataforma de mudança, se tornand o primeiro presidente eleito na história da Indonésia sem ligações à elite política ou militar.
Especialistas ressaltam que Prabowo, conhecido por seus discursos inflamados, formação militar e passado combativo, será um tipo de presidente muito diferente. Ele é consideravelmente mais franco e confrontador do que Widodo, conhecido pelo seu comportamento calmo e conciliador, acrescentam.
“Prabowo tinha reputação militar por lutar e por seu temperamento explosivo”, observou Tom Pepinsky, professor de governo e diretor do Programa do Sudeste Asiático da Universidade Cornell.
“Embora ele possa não ter a mesma grosseria ou ousadia de políticos como Rodrigo Duterte, Javier Milei ou Donald Trump, sua política substitui a preocupação com a lei e a ordem por uma preferência pela ordem em detrimento da lei”, explicou.
O professor Zachary Abuza também destacou que Prabowo tem problemas de temperamento. “É muito fácil irritá-lo, como vimos nos debates presidenciais, e não se esqueça: é alguém que justificou o regime militar e, como todos os políticos, sabe como usar o charme”.
Nova era na política externa?
Como ministro da Defesa da Indonésia, Prabowo não é um estranho no cenário mundial. Embora os grupos de direitos humanos possam criticá-lo, os líderes estrangeiros foram rápidos em enviar os parabéns pela sua aparente vitória.
“Prabowo se sentirá mais confortável como líder mundial do que Jokowi. Seu inglês é mais forte e ele está confiante em se movimentar em círculos internacionais”, disse Pepinsky.
Mas sua aparição em uma cúpula de segurança em Singapura, no ano passado, deixou o público atordoado quando ele apresentou um plano de paz improvisado para acabar com a guerra na Ucrânia, apelando a uma zona desmilitarizada que permitiria à Rússia manter os seus ganhos territoriais.
Como presidente da Indonésia, haverá maior pressão sobre Prabowo para navegar e manter fortes laços diplomáticos com países como a China e os Estados Unidos, bem como com a vizinha Austrália, afirmaram especialistas à CNN.
A Indonésia é há muito tempo uma das relações bilaterais mais importantes da Austrália e os especialistas ressaltam que isso não mudará com Prabowo no comando.
“A Austrália terá muito cuidado. Sua relação com a Indonésia é vista como muito politizada, sempre em terreno espinhoso”, comentou Jacqui Baker, professora de política do Sudeste Asiático e membro sênior do Centro de Pesquisa Indo-Pacífico em Perth.
“O governo australiano trabalhará arduamente para manter a sua parceria e boas relações de trabalho com a Indonésia”, concluiu.
A Indonésia, rica em recursos e com as maiores reservas de níquel do mundo, também é vista como um grande prêmio pela influência na Ásia.
As ambições de Widodo para a economia do país o levaram a procurar boas relações tanto com Pequim como com Washington. A Indonésia continuará mantendo a neutralidade mesmo depois de Widodo deixar o cargo.
“Esperamos que a Indonésia, liderada por Prabowo, continue com uma abordagem pragmática e mantenha a neutralidade, não se alinhando com a China ou os EUA para permitir que continue recebendo o investimento chinês e ocidental”, destacou Laura Schwartz, analista sênior do Sudeste Asiático na empresa de inteligência de risco Verisk Maplecroft.
Ainda assim, ele “deveria esperar” o escrutínio internacional da sua reputação, acrescentou Schwartz. “Prabowo pode ter reabilitado com sucesso a sua imagem a nível interno, mas a nível global, ele ainda é visto como uma figura polarizadora e pode enfrentar mais escrutínio em torno do seu histórico controverso”, explicou.
As relações diplomáticas com a China foram especialmente importantes durante o último ano de mandato de Widodo, que o viu cortejar agressivamente acordos lucrativos de investimento estrangeiro chinês para acelerar o desenvolvimento em infraestruturas.
“Prabowo continuará procurando investimento chinês como Jokowi tem feito, mas não se sabe nesse momento se ele tem a paciência e consistência que Jokowi demonstrou”, afirmou Chong Ja Ian, professor associado de ciência política na Universidade Nacional de Singapura.
“Seu histórico de comportamento incluiu mais casos de mudanças imprevisíveis de direção”, acrescentou.
Muitos dos comentários sobre Prabowo e os EUA foram focados em uma proibição que foi imposta a ele em 1998, depois de ter sido demitido do serviço militar por supostas atrocidades contra os direitos humanos após a queda do falecido ditador Suharto, que também era seu ex-sogro.
Especialistas em segurança apontaram várias visitas que Prabowo fez aos EUA desde que se tornou ministro da Defesa, em 2019. É improvável que as sanções anteriores contra ele apresentem grandes obstáculos quando ele se tornar presidente.
“A proibição de Prabowo de entrar nos EUA foi revogada e ele esteve aqui mais de uma vez e se reuniu com funcionários de alto escalão, efetivamente passando um pano sobre os abusos de direitos [humanos] no seu passado”, observou Abuza.
Dan Slater, professor de ciências políticas e diretor do Centro para Democracias Emergentes da Universidade de Michigan, colocou à CNN que prevê que Prabowo terá “alguma margem de manobra com os EUA” depois de se tornar presidente.
“Washington irá procurar esforços e ambições na Ásia, particularmente em relação a Pequim, e enquanto olhar para os países asiáticos como terreno para competição com a China, dará a Prabowo alguma liberdade para fazer boa vontade inicial”, ponderou.
Dito isso, Prabowo “venceu uma eleição democrática com uma grande vitória esmagadora”, destacou Slater. “Portanto, haverá muita inclinação por parte de Washington para tentar se dar bem com ele”, finalizou.
Renascimento do poder político militar
Durante grande parte da década que ficou cargo, o foco de Widodo esteve no avanço da economia da Indonésia, prometendo que ela se tornaria a quarta maior do mundo até 2045.
O crescimento econômico e a infraestrutura melhoraram sob sua supervisão enquanto ele cortejava grandes empresas chinesas e a gigante de carros elétricos Tesla para investir em sua indústria de mineração de níquel.
Prabowo, embora seja um empresário muito rico e experiente, com ativos supostamente avaliados em mais de US$ 125 milhões, é, antes de mais nada, um militar e é provável que tenha prioridades diferentes, dizem os especialistas.
“Como ministro da Defesa, ele estava comprometido com a modernização militar. Como presidente, não está claro como e se ele usará os militares para promover os seus objetivos”, salientou Chong, da Universidade Nacional de Singapura.
“O risco é se ele tentar repolitizar o Exército para servir os seus interesses ou fechar os olhos à corrupção e ao abuso”, advertiu.
Espera-se que a sua posição sobre questões territoriais no Mar do Sul da China permaneça a mesma, acrescentou Chong.
“Ele tem poucos incentivos para aumentar [as tensões], mas se acreditar que a Indonésia está sendo provocada, poderá estar mais disposto a correr riscos em comparação com Jokowi, como vimos no seu passado militar”, sustentou.
O Exército indonésio, conhecido pelas suas iniciais TNI (Tentara Nasional Indonesia), está formalmente banido da política, mas mesmo com restrições legais em vigor, os generais continuam sendo uma força poderosa.
“No sudeste asiático, as pessoas tendem a considerar os militares como instituições importantes e de confiança, especialmente se houver políticos corruptos no governo”, analisou Abuza.
“Na Indonésia, temos visto o TNI recuperar sistematicamente a autoridade ao longo dos anos e tentar se reafirmar em espaços que deveriam ser da alçada das autoridades civis”, continuou.
“Posso definitivamente ver Prabowo ascendendo às fileiras de oficiais e generais aposentados do Exército para muitos de seus conselheiros e oficiais de gabinete. Mas uma preocupação maior é se ele acelerará o retorno de uma dupla função para os militares”, concluiu.
“Papua será o marco zero”
No TikTok, parece que a vida anterior de Prabowo como temível comandante das forças especiais nunca existiu, resultado de uma campanha de reformulação de marca bem-sucedida que encantou os jovens eleitores e o transformou em uma figura fofinha de avô.
Mas nem todos esqueceram o seu passado sangrento.
“Estamos lidando com a possibilidade do nosso próximo presidente estar implicado em graves violações dos direitos humanos”, afirmou Usman Hamid, diretor-executivo da Anistia Internacional indonésia.
“Uma Presidência de Prabowo poderia fazer retroceder as nossas reformas democráticas e o receio é que as coisas mudem para pior”, alertou.
Uma das principais preocupações está relacionada à Papua, a província rebelde onde as tropas do TNI mantêm forte presença há muito tempo. O acesso ao país é rigorosamente controlado e são reportados frequentemente relatos de abusos cometidos por soldados contra civis.
“A Papua será o marco zero para muitas das políticas de Prabowo. Ele defendeu uma resposta mais militar para esmagar os papuas e imagino que não será do tipo que procura soluções políticas”, avaliou Abuza.
“Simplesmente não o vejo tentando chegar a acordos negociados que dariam mais autonomia à região. Na verdade, ele aumentaria o controle do Estado”, acrescentou.
A Presidência de Prabowo corre o risco de uma repetição perigosa do regime autoritário do falecido Suharto, disse a advogada indonésia de direitos humanos, Veronica Koman, que atualmente vive exilada na Austrália.
“A situação em Papua está prestes a piorar. E vendo o histórico de Prabowo em Timor-Leste, isso não pode ser subestimado”, avaliou Koman à CNN.
*Com informações de Kathleen Magramo e Angus Watson, da CNN.