Ilha italiana com 6 mil habitantes recebe mais de 7 mil migrantes em 48 horas
O prefeito de Lampedusa – ilha que costuma ser ponto de parada dos migrantes que atravessam o norte de África para entrar na Europa – disse que a crise migratória atingiu um “ponto sem volta”
A pequena ilha italiana Lampedusa – cuja população é de pouco mais de 6 mil habitantes – assistiu a 7 mil pessoas desembarcarem no local nos últimos dois dias, o que levou o presidente da Câmara e a agência das Nações Unidas para os refugiados a alertar que a ilha está ficando sobrecarregada.
Lampedusa tem sido há muito tempo uma primeira parada de escala de pessoas que atravessam o norte de África para entrar na Europa, e tem se demonstrado um ponto crítico na crise migratória.
O prefeito da ilha, Filippo Mannino, disse na quinta-feira (14) que a crise migratória atingiu um “ponto sem volta”.
“Nas últimas 48 horas, cerca de 7.000 pessoas chegaram à minha ilha, uma ilha que sempre acolheu e salvou nos seus braços”, disse Mannino à rádio italiana RTL 102.5. “Agora chegamos a um ponto sem retorno, onde o papel desempenhado por esta pequena rocha no meio do Mediterrâneo foi colocado em crise pela natureza dramática deste fenômeno.”
O número também foi confirmado à CNN pelo Ministério do Interior do país.
A representante da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) para a Itália, Santa Sé e São Marino, Chiara Cardoletti, disse nesta sexta-feira (15) que a situação em Lampedusa é “crítica” e que a retirada de pessoas da ilha é “uma prioridade absoluta”.
Cardoletti disse que estão em curso “ações urgentes” para “trazer a ilha de volta à normalidade” e que as autoridades transferiram cerca de 5 mil pessoas para fora da ilha nas últimas 28 horas.
Muitas das últimas pessoas a chegar fugiram da instabilidade política na Tunísia. Nos anos anteriores, a maioria veio da Líbia e foi resgatada por navios de caridade de ONGs e por equipes de resgate italianas, em vez de desembarcar na ilha, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). O grupo teme agora que os números aumentem ainda mais após as inundações catastróficas na Líbia.
Na quarta-feira (13), a Alemanha disse que informou a Itália da sua decisão de adiar “até novo aviso” a recepção de migrantes conforme o plano europeu de solidariedade voluntária, de acordo com o Ministério do Interior do país. Esse programa supervisiona a recolocação de refugiados durante um ano e visa aliviar a pressão nas fronteiras da União Europeia.
Separadamente, o ministro do Interior francês, Gerard Darmanin, disse no início desta semana que devido “à desestabilização da Líbia e da Tunísia, que se acelerou”, mais migrantes estavam chegando até a fronteira entre França e Itália.
Muitos dos que chegam a Lampedusa e são transferidos para o continente italiano tentam atravessar a fronteira italiana de Ventimiglia com a cidade costeira francesa de Menton.
Darmanin, que falava de Menton, disse que “temos um aumento de 100% nos fluxos na fronteira italiana, o que obviamente afeta o departamento dos Alpes-Marítimos, bem como todos os departamentos dos Alpes”, anunciando “reforços muito significativos” para enfrentar a situação na fronteira e “combater a imigração ilegal”.
“Olho para os nossos amigos alemães, eles têm quatro vezes mais pedidos de asilo do que nós, o que é uma prova de que quando colocamos muitos recursos na fronteira também limitamos a atratividade do nosso país”, disse Darmanin.
“Uma grande parte das pessoas que atravessam a fronteira italiana aqui querem ir para a Grã-Bretanha, o que também é um incentivo para negociar com os nossos amigos britânicos e, em particular, desenvolver um tratado europeu entre a União Europeia e a Grã-Bretanha”, acrescentou.
Rosario Valastro, presidente da Cruz Vermelha na Itália, cujas instalações em Lampedusa acolhem milhares de pessoas, apesar de terem sido construídas para 500 pessoas, disse esperar algum alívio após o aumento desta semana.
“A atividade continua incessantemente em Lampedusa, onde 3.800 pessoas estão presentes esta manhã”, disse a Cruz Vermelha em comunicado nesta sexta-feira.
“Os mais de 130 operadores e voluntários da Cruz Vermelha italiana estão fazendo além do impossível para garantir as necessidades básicas. Ontem foram produzidos 5 mil almoços e 5 mil jantares. Estamos sendo testados, mas continuamos operando”, disse Valastro.
“Para nós, as pessoas vêm antes de tudo”, acrescentou.
Até 14 de setembro, 125.928 pessoas tinham chegado a Itália, segundo o Ministério do Interior, um número que está alinhado com o de 2016, quando o número de migrantes aumentou na sequência da guerra na Síria.
No entanto, Flavio Di Giacomo, da OIM, disse que o número de chegadas a Lampedusa agora é muito maior do que antes.
A ausência da Guarda Costeira da Líbia devido às inundações no país, e o elevado número de migrantes na Líbia (um país de trânsito para a migração para a Europa) mantidos em centros de detenção e que estão agora desesperados para partir, também poderão afetar as chegadas nas próximas semanas.
Esta semana, o Ministro das Infraestruturas de Itália, Matteo Salvini, qualificou as chegadas como “um ato de guerra” durante uma conferência de imprensa com a Associação de Imprensa Estrangeira da Itália.
Ele sugeriu que as chegadas eram “orquestradas” e disse que o governo “não iria parar por nada” até restringir as chegadas, aplaudindo as tentativas da primeira-ministra italiana de extrema-direita, Giorgia Meloni, de negociar com a Tunísia.
Em julho, Meloni, juntamente com a chefe da UE, Ursula Von der Leyen, viajou para a Tunísia com a promessa de fundos de investimento como incentivo para parar os barcos de migrantes em direção a Europa, incluindo 105 milhões de euros dedicados a parar os contrabandistas de pessoas.
Meloni, sob pressão da sua própria coligação em relação ao elevado número de migrantes, não comentou diretamente sobre a ilha de Lampedusa, mas disse à mídia estatal na quinta-feira que a realocação não era o problema, e sim impedir as chegadas.