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    Heroísmo de Zelensky está perto dos limites dos políticos ocidentais

    Embora o Ocidente tenha imposto sanções à Rússia, seus líderes continuam cautelosos com a possibilidade de uma guerra que pode se transformar em um desastroso impasse nuclear

    Análise por Stephen Collinsonda CNN

    O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky é como a consciência moral do Ocidente, com seus comentários diários em vídeo destacando o heroísmo de seu país em resistir a uma invasão russa que evoluiu para ataques assassinos contra civis.

    No entanto, ao tornar impossível desviar o olhar da agonia de sua nação, Zelensky está cada vez mais entrando de cabeça na dura realidade da guerra: o presidente Joe Biden e os líderes europeus enfrentam limites (as chamadas linhas vermelhas) políticos e geopolíticos que o presidente russo Vladimir Putin, um tirano com armas nucleares, simplesmente não tem em sua destruição implacável.

    Os preços do petróleo em alta também estão jogando na equação paralela da guerra: a pressão ocidental estrangulará a economia russa e forçará o recuo de Putin antes que a Ucrânia e seu povo sejam destruídos ou levados a um êxodo em massa? E quanto tempo pode a opinião pública nos EUA e na Europa se manter firme?

    Os apelos emocionantes de Zelensky fizeram legisladores nos EUA e na Europa chorarem em videochamadas, acordarem de seu sono pós-Guerra Fria no Ocidente e cativaram o mundo com sua defesa da democracia. Ele é o antagonista da crueldade de Putin. Se um homem mudou o mundo, poucos o fizeram tão rapidamente quanto Zelensky.

    Na última mensagem de vídeo em sua campanha de quase três semanas para inspirar e envergonhar o Ocidente a salvar sua nação que não faz parte da Otan, Zelensky deixou seu bunker e apareceu desafiadoramente em sua sala da presidência, elogiando os ucranianos que protestavam contra as tropas russas.

    “Eles dizem: ‘Estou aqui, é meu, e não vou dar embora. Minha cidade. Minha comunidade. Minha Ucrânia’”, disse Zelensky na mensagem transmitida na noite de segunda-feira (7).

    Os episódios diários do comediante-que-virou-herói-trágico narrando a tentativa de Putin de destruir a Ucrânia injetaram aço no esforço global para transformar a Rússia em um pária, algo que foi mais longe e mais rápido do que se esperava. Zelensky efetivamente atraiu o Ocidente para uma guerra indireta com Moscou, enquanto os EUA e aliados canalizam foguetes antitanque e antiaéreos para a Ucrânia. As sanções internacionais pulverizaram a economia russa, levaram a moeda do país, o rublo, a níveis recordes para baixo e podem acabar alimentando ressentimentos contra Putin dentro da Rússia e comprometer sua capacidade de fornecer e reforçar suas tropas na Ucrânia. Oligarcas ao redor do líder russo tiveram seus jatinhos, superiates e fortunas confiscados pelo Ocidente em um esforço para aumentar a pressão dentro do regime do líder russo.

    Mas, quase duas semanas após o início da invasão, o Ocidente começa a questionar quais são as opções para intensificar o aquecimento econômico na Rússia, evitando uma escalada militar paralela.

    E há sinais crescentes de que, apesar de todo o seu heroísmo, Zelensky pode estar enfrentando o prudente desejo do Ocidente de evitar desencadear o pior cenário que poderia levar a uma terceira guerra mundial.

    Zelensky, no entanto, não desistiu do presidente dos EUA, dizendo em entrevista ao programa “World News Tonight with David Muir” da ABC na segunda-feira (7): “Tenho certeza de que o presidente pode fazer mais. Tenho certeza de que ele pode e quero acreditar nisso. Ele é capaz de fazer isso”.

    “Todo mundo pensa que estamos longe da América ou do Canadá. Não, estamos nesta zona de liberdade”, disse Zelensky na entrevista, observando como a guerra na Ucrânia também pode afetar em breve o resto do mundo. “Quando os limites dos direitos e liberdades estão sendo violados e pisoteados, vocês têm que nos proteger. Porque nós seremos os primeiros. Vocês virão em segundo lugar. Porque, quanto mais esse animal come, mais e mais ele quer”.

    Sem zona de exclusão aérea

    Mesmo assim, os repetidos apelos de Zelensky por uma zona de exclusão aérea foram rejeitados por potências ocidentais desesperadas para evitar um confronto direto com as forças russas.

    Na segunda-feira, durante uma passagem pelos países membros da Otan do Báltico, o secretário de Estado dos EUA Antony Blinken explicou categoricamente por que uma missão para proteger o espaço aéreo ucraniano não vai decolar.

    “Significa que, se um avião russo violar a zona declarada, nós o derrubamos. E isso gera o risco considerável de criar um conflito direto entre nossos países e a Rússia e, portanto, uma guerra mais ampla, que não é do interesse de ninguém”, declarou.

    O apelo de Zelensky foi para que ex-estados do Pacto de Varsóvia fornecessem aviões de guerra da era da Guerra Fria para a Ucrânia para os quais seus pilotos já estavam treinados para voar. Ele pediu aos legisladores dos EUA no fim de semana que enviassem jatos.

    Mas esse plano pode estar perdendo força em meio a temores de que a fúria de Putin contra os caças da era soviética disparando contra as tropas russas possa arrastar os países da Otan do Leste Europeu para a guerra. A chancelaria do primeiro-ministro polonês escreveu num tuíte no domingo que “a Polônia não enviará seus caças para a Ucrânia” ou permitirá que o país use seus aeroportos. E a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, minimizou na segunda-feira a ideia de que os EUA poderiam rapidamente “abastecer” a Força Aérea Polonesa com seus próprios jatos se o governo da Polônia enviasse jatos para a Ucrânia.

    “Existe uma base aérea da Otan na Polônia. Se aviões partirem de lá, isso pode ser uma circunstância desafiadora. Quais são as outras opções e onde elas pousam?”, comentou Psaki. “Não estamos, certamente, impedindo, bloqueando ou desencorajando a Polônia. Mas não é tão fácil como apenas mover aviões”.

    Seus comentários foram o mais recente sinal de que, embora o Ocidente tenha imposto punições extremas à Rússia em uma tentativa de salvar a Ucrânia, seus líderes continuam cautelosos em desencadear uma guerra que pode se transformar em um desastroso impasse nuclear.

    Proibição de exportação

    Outra opção discutida nos últimos dias para apertar o cerco ao redor de Putin foi a proibição das exportações russas de petróleo e gás. Paradoxalmente, as sanções que ajudaram a disparar os preços do petróleo estão enviando mais dinheiro aos cofres de Moscou para ajudá-la a combater a guerra e pelo menos evitar parte do impacto dessas sanções. Assim, a ideia de uma proibição de compras de petróleo russo é altamente atraente para o governo dos EUA, especialmente porque o petróleo russo representou menos de 2% de todas as importações de petróleo dos EUA em dezembro.

    Zelensky fez seu próprio apelo por um boicote à energia russa. Ele pediu, “em particular, a rejeição de petróleo e produtos petrolíferos da Rússia” em um comunicado em vídeo na segunda-feira. “Isso pode ser chamado de embargo. Ou apenas moralidade — a recusa de dar dinheiro a um terrorista”.

    No entanto, seu apelo parece ser um passo muito grande para a Europa, que tem sido fortemente criticada em Washington por décadas de políticas que a tornaram dependente do gás e do petróleo russos e vulnerável à extorsão em um momento de tensões internacionais elevadas.

    O chanceler alemão Olaf Scholz está traçando uma linha. O novo líder anteriormente agradou os líderes americanos com sua disposição de transformar décadas da política externa de Berlim para punir a invasão russa da Ucrânia – inclusive enviando armas ofensivas para uma zona de conflito e interrompendo o gasoduto Nord Stream 2.

    Mas Scholz disse na segunda-feira que a energia russa era um “imperativo essencial” para a Europa. A Hungria também disse que não apoiará a proibição de petróleo e gás russos. Os russos respondem por 40% das necessidades de gás da União Europeia e 27% de suas importações de petróleo.

    Há um forte apoio no Congresso dos EUA para a legislação que está sendo elaborada atualmente para proibir as importações de petróleo da Rússia. Mas qualquer ação unilateral provavelmente seria um tanto simbólica, a menos que a Europa se juntasse.

    O nivelamento das sanções diretamente ao petróleo russo pode ser um negócio maior porque impediria que países ao redor do mundo o usassem se não quisessem entrar em conflito com essas medidas. Mas, dado o tamanho da Rússia como produtora de petróleo – e a dependência da Europa – as consequências financeiras e políticas podem ser enormes.

    Lista de párias

    O enigma sobre o petróleo russo levou o governo Biden a reconsiderar sua lista de párias globais em seu esforço de punir Putin.

    Natasha Bertrand, da CNN, relata que representantes dos EUA estiveram na Venezuela no fim de semana para negociações sobre permitir que uma nação sob sanções por suprimir a democracia venda seu petróleo nos mercados internacionais para aliviar a alta dos preços. Um possível novo acordo nuclear internacional com o Irã – para substituir o que foi destruído pelo então presidente Donald Trump — poderia ter um efeito semelhante. E Biden pode viajar para a Arábia Saudita, um líder crítico na produção de petróleo, este ano mesmo após manter o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman à distância depois que o reino foi acusado de assassinar e esquartejar o colunista do “The Washington Post” Jamal Khashoggi em 2018.

    Cada uma dessas consultas tem sua própria lógica interna. Mas a importância dessas nações para a produção global de petróleo deu-lhes nova relevância e aberturas após a invasão russa da Ucrânia.

    Biden e líderes europeus confrontados com altos preços de energia têm restrições políticas internas. Nos Estados Unidos, os preços da gasolina atingiram um recorde de US$ 4,14 (cerca de R$ 21) o galão (3,7 litros) na segunda-feira, um limite perigoso para Biden e outros democratas em um ano de eleições de meio de mandato. Embora tenha havido forte apoio nas pesquisas para sanções à Rússia, os aumentos maciços nos preços do gás serão um novo teste para a opinião pública.

    Embora os republicanos tenham apoiado amplamente a linha dura de Biden em relação a Putin, eles não estão dando a ele uma folga nos preços da gasolina, argumentando que ele preparou os EUA para o fracasso ao tentar fazer a transição para uma política de baixo carbono favorável ao clima.

    Os políticos também aproveitaram sugestões de que os EUA podem conversar com seus inimigos em um esforço para convencê-los a produzir mais petróleo para isolar ainda mais um inimigo maior em Putin.

    O senador Rick Scott, da Flórida, que dirige o braço de campanha dos republicanos do Senado, disse na segunda-feira: “Devemos parar de importar petróleo russo, ponto final. E não deveríamos ir para a Venezuela. … Quando vamos aprender que não podemos confiar nesses bandidos?”

    A crescente controvérsia em Washington é um sinal de alerta para Zelensky e também será notada em Moscou.

    Quanto mais durar a guerra na Ucrânia, maior a chance de que a pressão política e estratégica também se acumule nas capitais dos países da Otan. O destino da Ucrânia pode se resumir a uma pergunta amarga: o que resiste por mais tempo, o povo corajoso do país e seu presidente, a economia russa, ou a opinião pública ocidental e a tolerância dos líderes para o aumento da tensão com um presidente russo fazendo ameaças nucleares?

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