Governo australiano é acusado de racismo após ameaçar prender viajantes da Índia
Pessoas que estiveram na Índia nos últimos 14 dias serão proibidas de entrar na Austrália; quem ignorar as novas restrições pode enfrentar cinco anos de prisão
O governo australiano foi acusado de racismo após ameaçar com pena de cinco anos de prisão para cidadãos que violassem uma proibição temporária de viajar entre a Índia e a Austrália.
A partir desta segunda-feira (3), as pessoas que estiveram na Índia nos últimos 14 dias serão proibidas de entrar na Austrália devido às preocupações com a crescente onda de coronavírus na Índia, que viu quase 400 mil casos em um único dia no último domingo (2).
O ministro da Saúde, Greg Hunt, comunicou que qualquer um que ignorasse as novas restrições enfrentaria cinco anos de prisão, multa de US$ 66,600 (R$ 362) ou ambos. A proibição expira em 15 de maio, mas pode ser renovada.
“O governo não toma essas decisões levianamente”, declarou Hunt. “No entanto, é fundamental que a integridade dos sistemas de saúde pública e da quarentena australianos seja protegida e o número de casos de Covid-19 em instalações de quarentena seja reduzido a um nível administrável”.
Nos últimos sete dias, a Austrália confirmou 139 casos de Covid-19 adquiridos no exterior.
As novas restrições surgiram depois que dois jogadores australianos de críquete viajaram para Melbourne via Doha para contornar a proibição de voos diretos de passageiros entre a Índia e a Austrália, instituída pelo governo na semana passada.
A mídia local disse que foi a primeira vez que ocorreu a criminalização de um australiano por tentar retornar ao seu país de origem. Nenhuma medida semelhante foi implementada no auge da pandemia de Covid-19 no Reino Unido e nos EUA.
A proibição de chegada da Índia enfrentou forte oposição da comunidade indiana da Austrália, de defensores dos direitos humanos e até de membros do próprio governo.
O senador do governo Matt Canavan tuitou, nesta segunda-feira, que era mais importante consertar o sistema de quarentena do que “deixar nossos compatriotas australianos perdidos”.
“Devíamos ajudar os australianos a retornar na Índia, não os prender”, disse Canavan. Cerca de 9 mil australianos na Índia estão registrados no governo como desejando retornar à Austrália.
O colunista conservador Andrew Bolt afirmou, em um artigo publicado nesta segunda-feira, que a proibição “cheira a racismo”, acrescentando que a decisão foi “motivada pelo medo, ignorância e incompetência”.
“Não posso acreditar que imporíamos tal proibição de viagens aos australianos brancos que fogem, digamos, da Inglaterra”, ponderou.
No sábado (1), a Comissão Australiana de Direitos Humanos declarou que a proibição de viagens e as sanções criminais levantam “sérias preocupações com os direitos humanos” e pediu ao Senado que revise as novas medidas imediatamente.
“A necessidade de tais restrições deve ser justificada publicamente. O Governo deve mostrar que essas medidas não são discriminatórias e a única forma adequada de lidar com a ameaça à saúde pública”, disse em comunicado.
Em uma rádio local nesta segunda-feira, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, falou que a decisão foi tomada “no melhor interesse da saúde da Austrália”. Segundo ele, os poderes seriam “usados ??com responsabilidade” para impor o bloqueio às chegadas da Índia e aliviar a pressão sobre o sistema de quarentena dos hotéis.
Em uma entrevista coletiva no domingo, a ministra das Relações Exteriores, Marise Payne, negou que as novas medidas fossem racistas e disse que a proibição foi baseada no conselho do médico-chefe da Austrália, Paul Kelly.
No entanto, em uma entrevista para a Australian Broadcasting Corporation nesta segunda-feira, Kelly declarou que “nenhum conselho foi dado” para impor multas e penas de prisão. “É assim que funciona a Lei de Biossegurança. Se houver uma violação do que é visto como um uso dos poderes de emergência, então é o que acontece”, comentou o médico.
Kelly acrescentou que havia repassado ao governo que algo precisava ser feito sobre o número de casos positivos que chegam ao sistema de quarentena de hotéis da Austrália.
No domingo, a ministra das Relações Exteriores disse que 57% das infecções por coronavírus detectadas em quarentena eram da Índia naquele momento.
O jornalista Angus Watson contribuiu para esta publicação.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler a versão em inglês)