França legaliza tratamentos de fertilidade, mas sofre com falta de esperma
País legalizou tratamentos de fertilidade para lésbicas e mulheres solteiras, mas encara escassez de doações
Aurore Foursy descreve seu primeiro encontro com Julie Ligot como um dos mais longos da história. Depois de combinar no Tinder, elas se encontraram no apartamento de Julie na sexta à noite e ficaram juntas até segunda. A química foi instantânea.
Foursy era ativista LGBT de longa data. Ligot trabalhava em TI. Ambas estavam na casa dos 30 anos e queriam filhos. Elas logo foram morar juntas, limparam um segundo cômodo em seu apartamento e compraram um berço.
“Era lógico para nós construirmos uma família juntas”, disse Foursy.
Graças a um decreto assinado pelo ministro da Saúde da França na quarta-feira (29), seu sonho pode finalmente se tornar realidade. Uma lei aprovada em junho, legalizando os tratamentos de fertilidade para casais de lésbicas e mulheres solteiras, já entrou em vigor.
“É um grande passo para a França”, disse Foursy. “Estamos lutando há tanto tempo por esse direito.”
Tratamento de fertilidade
A França está agora entre um total de 13 países na Europa — 11 estados membros da União Europeia, bem como o Reino Unido e a Islândia — oferecendo tratamento de fertilidade para mulheres lésbicas e solteiras. As clínicas de fertilidade esperam um aumento na demanda.
“Esperamos 200 pacientes extras por ano”, disse Laurence Pavie, que trabalha como gerente no centro de fertilidade da Diaconesses Croix Saint-Simon em Paris.
“O mundo precisa saber que casais de lésbicas e mulheres solteiras são bem-vindos. Tentaremos dar a eles o melhor tratamento possível”, disse ela.
No início deste mês, o Ministério da Saúde anunciou US$ 9,3 milhões (cerca de R$ 50 milhões) extras em gastos com pessoal e equipamento para clínicas de fertilidade, para ajudá-las a lidar com o aumento previsto da demanda.
A ação visa reduzir o tempo de espera pelo tratamento de um ano, a média atual, para seis meses.
Crise de doação de esperma
Para a Dra. Meryl Toledano, que dirige sua própria clínica de fertilidade, essa meta parece ambiciosa. “Somente com o esperma francês, vamos lutar para atender à demanda”, disse ela.
A França não permite a importação de esperma do exterior. E, como a lei proíbe a doação de esperma em troca de dinheiro, a França também luta para ter a quantidade necessária.
A nova legislação também inclui o fim do anonimato garantido para doadores de esperma a partir de setembro de 2022, uma medida que provavelmente aumentará a escassez.
Os números oficiais mais recentes mostram que um total de apenas 317 doações de esperma foram feitas na França em 2019 — ante 386 em 2018 e 404 no ano anterior.
Campanha de informação
A Agência de Biomedicina, um órgão financiado pelo estado, planeja lançar uma campanha de informação online em 20 de outubro em uma tentativa de resolver a crise de esperma.
“Doar esperma é uma ação íntima de solidariedade”, disse Helene Duguet, porta-voz da agência. “O primeiro passo é informar às pessoas que essas doações são possíveis e podem ajudar as pessoas a formar famílias. A ideia é incentivar os doadores nos próximos anos.”
Os longos tempos de espera causados pela falta de esperma significam que muitas lésbicas e mulheres solteiras mais velhas planejam continuar fazendo tratamentos de fertilidade no exterior — apesar da nova lei.
Toledano frequentemente recomenda que as mulheres mais velhas deem esse passo.
“Na Espanha você consegue esperma em um dia, então os pacientes com dinheiro vão lá. Quem não tem dinheiro tem que esperar seis a 12 meses e corre o risco de não ter sucesso, porque, aos 40 anos, isso tem um efeito enorme na probabilidade de gravidez “, disse ela.
Uma jornada traumatizante
Agora com 38 anos, Marie concebeu um filho por fertilização in vitro na Bélgica em 2015 — quando ainda era ilegal para ela, como lésbica, receber esse tratamento na França.
“Foi irritante. Eu pago impostos na França e tenho orgulho de pagar impostos e estou feliz por eles poderem ajudar outras pessoas. Mas eu teria ficado feliz se eu pudesse ter me beneficiado também [de tratamento de fertilidade]”, disse Marie, que solicitou que a CNN não usasse seu sobrenome para proteger a privacidade de seu filho.
Depois de cinco anos de tentativas fracassadas, desgosto e mais de US$ 52 mil (cerca de R$ 280 mil) em despesas médicas e despesas de viagem, ela foi finalmente recompensada com o nascimento de sua primeira filha, Louise.
“Meu primeiro tratamento de fertilidade foi um verdadeiro trauma”, disse ela. “Eu estava frustrada porque não estava funcionando. Eu odiava que outras pessoas tivessem tantas gestações indesejadas ou não planejadas. Fiquei amargurada. Eu odiava as pessoas. Eu me tornei alguém que não queria ser.”
Na esperança de ter um segundo filho, Marie agora foi para a Espanha com sua nova parceira — em parte porque tem medo de definhar em uma lista de espera na França.
“Já tenho uma filha e não quero que ela não saia de férias porque estamos tentando dar a ela um irmão ou irmãzinha – e também porque eu não tenho a mesma idade que tinha naquela época “, disse ela.
Além das novas regras em torno da inseminação, a legislação também permite que mulheres na faixa dos 30 anos congelem seus óvulos, um procedimento até então disponível apenas para aquelas em tratamento médico que pode afetar a fertilidade.
A barriga de aluguel, no entanto, continua ilegal, deixando os gays, assim como as mulheres que não podem engravidar, em busca de outras opções ou viajando para o exterior.
Mas para muitos a nova lei ofereceu um vislumbre de esperança.
“A luta acabou”, disse Foursy. “Todos têm os mesmos direitos. Todo tipo de mulher tem os mesmos direitos e posso escolher ser mãe ou não sozinha.”
(Texto traduzido do inglês; leia aqui o original)