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    Forças especiais da Ucrânia usam ataques táticos de distração na Crimeia

    Ações bem-sucedidas na península ocupada pela Rússia incluem até jet skis

    Unidade de defesa ucraniana na linha de frente na região de Donetsk
    Unidade de defesa ucraniana na linha de frente na região de Donetsk Reuters/Oleksandr Ratushniak

    Da CNN*

    Um enxame de jet skis ucranianos atravessa o oceano sob um céu escuro. Eles são visíveis apenas com a câmera de infravermelho de um drone. Os jet skis desaceleram ao se aproximar da costa para evitar a detecção e apressam-se para entrar em terra seca.

    “A Crimeia será ucraniana”, diz um dos homens em um vídeo visto pela CNN. Ele acabava de desembarcar e segurava uma bandeira da Ucrânia.

    O codinome do soldado é “Muzykant”, que significa “o músico”. Afinal, trata-se de um violinista que virou soldado das forças especiais da Ucrânia. Muzykant é o líder do pelotão do batalhão Bratstvo que, juntamente com a inteligência de defesa da Ucrânia e outras unidades, infiltrou-se na Crimeia no início deste mês.

    “Eu estava dopado de adrenalina”, contou Muzykant à CNN, lembrando que toda a operação pareceu uma névoa em sua mente. “Só percebi que tinha estado na Crimeia depois de regressarmos à nossa base. Percebi que tínhamos completado uma tarefa colossal”, contou.

    A operação anfíbia, no início de outubro, foi uma infiltração das forças especiais da Ucrânia no maior reduto da Rússia na Ucrânia ocupada. Ela faz parte de uma abordagem recente de Kiev de aumentar os seus ataques na península. A data e hora exatas do ataque, bem como o número total de homens envolvidos, não foram divulgadas.

    Muzykant foi um dos dez soldados do batalhão Bratstvo envolvidos no ataque noturno à Crimeia, em cooperação com outras unidades ucranianas. Eles navegaram por mares acidentados em lanchas maiores, depois mudaram para jet skis quando estavam ao alcance da península. Em seguida, correram em direção à costa, destruíram equipamentos militares russos colocados à beira-mar e voltaram, tudo em questão de horas.

    O objetivo não foi apenas sabotar alguns dos equipamentos militares que a Rússia mantém perto da costa, mas também transmitir uma mensagem aos cidadãos ucranianos da região.

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    “Fizemos isso para que pessoas na Ucrânia e na Crimeia ocupada não percam o espírito e mantenham a fé de a Crimeia voltar à Ucrânia”, disse Muzykant. As forças russas anexaram ilegalmente a Crimeia em 2014. A península tem uma profunda importância simbólica para o presidente russo, Vladimir Putin, e é um centro logístico vital e estratégico para o esforço de guerra do Kremlin.

    Muzykant disse que a perigosa operação consumiu meses de planejamento para preparar os soldados ucranianos para os muitos riscos que enfrentariam.

    “No desembarque, o mar estava muito agitado, com ondas de até dois metros”, contou. “Além disso, os navios de guerra russos, os Raptors, faziam patrulha ali. Havia quatro deles, cada um com uma tripulação de 20 soldados russos armados com metralhadoras pesadas e uma arma de 30 milímetros”, contou.

    Mesmo assim, o batalhão Bratstvo conseguiu navegar entre as ameaças, chegou à península e executou sua tarefa.

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    “Treinamos muito para esta missão. Todos sabiam o seu papel, o que era preciso fazer na costa”, explicou. “No caminho de volta depois da tarefa, os navios de guerra russos nos perseguiram, mas conseguimos escapar”.

    Nenhum dos soldados do batalhão Bratstvo foi ferido ou capturado, mas a inteligência de defesa ucraniana reconheceu que as forças tiveram perdas na operação, sem detalhes revelados. Segundo a fonte, as baixas do lado russo foram muito mais significativas.

    O governo da Rússia afirma ter capturado um dos soldados ucranianos que desembarcou na Crimeia e divulgou vídeos de seu interrogatório na televisão nacional, mas recusou-se a confirmar quaisquer perdas do lado russo.

    A captura, a lesão ou a morte são os riscos para os quais Muzykant está preparado ao executar missões que ele acredita serem necessárias.

    “Não é apenas apoio moral ao nosso povo na Crimeia, mas também ajuda às nossas forças nas trincheiras. Desviamos a atenção do inimigo para nós, e o inimigo é forçado a mudar o seu pessoal e veículos para a costa da Crimeia”.

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    A frente da Crimeia

    A ação de outubro foi uma das muitas que as forças ucranianas realizaram na península nos últimos meses.

    Em setembro, ataques atingiram a sede da Frota do Mar Negro da Rússia na cidade de Sevastopol, na Crimeia. Aparentemente, os mísseis usados foram os Storm doados pelo Reino Unido.

    A Ucrânia também atingiu várias vezes a ponte Kerch, que liga a Crimeia à Rússia continental.

    As forças de Kiev danificaram um navio russo e um submarino ao atingir uma das docas secas usadas pela frota do Mar Negro em 13 de setembro. A Ucrânia também atacou repetidas vezes a base aérea Saki, de onde decola parte das aeronaves de ataque russas.

    A Rússia prometeu retaliação em várias ocasiões, chamando os ataques de “atos de terrorismo”, mas a Ucrânia seguiu com as ações na península. Além dos drones e mísseis, há também a possível ação das forças especiais de Kiev operando na Crimeia. O ataque anfíbio de outubro colocou os militares ucranianos num patamar acima.

    Um dos fundadores da unidade Bratstvo e um dos principais responsáveis pelo ataque de precisão cirúrgica, Dmytro Korchynskyi, disse que atacar a península é fundamental para a contraofensiva da Ucrânia.

    “A Crimeia é uma base militar que eles (Rússia) ainda consideram ser bem defendida. Portanto, para nós ela é vital”, explicou Korchynskyi. “E também é vital do ponto de vista militar-político. Não podemos deixar ninguém esquecer que a Crimeia é ucraniana e vamos sempre operar lá”.

    “Estamos lutando numa guerra de trincheiras na linha da frente e o sucesso nem sempre é óbvio, mas operações especiais deste tipo na retaguarda ou no mar inspiram e dão energia para continuar a lutar”, acrescentou.

    Embora seja importante atacar ativos russos com drones e mísseis, ele acredita que ter soldados ucranianos no terreno distraia Moscou e force a Rússia a transferir pessoal. “Cada soldado que guarda a praia é um a menos na frente de Zaporizhzhia”, comentou.

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    As operações atrás das linhas inimigas, dentro do território controlado pela Rússia, dependem do apoio da população local, disse Korchynskyi.

    Monitoramento das instalações militares

    Os ucranianos que vivem sob ocupação russa organizam-se há muito tempo em grupos de resistência, localmente chamados de partisans. Eles são ativos em toda a Ucrânia ocupada, mais notavelmente em Kherson e Melitopol, mas também na Crimeia.

    Um dos grupos que operam na península passa pelo nome Atesh, que significa fogo na língua tártara. O grupo concordou em falar com a CNN através de um serviço de mensagens criptografadas, sem mostrar o rosto para proteger a identidade dos membros.

    O Atesh também se recusou a comentar se estava envolvido na ação de setembro contra a frota do Mar Negro em Sevastopol, mas disse que mantém um controle constante sobre os militares russos e comunica quaisquer movimentos aos ucranianos.

    A CNN conseguiu confirmar o envolvimento do grupo com os serviços de inteligência da Ucrânia.

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    Segundo as mensagens do grupo, o trabalho deles é importante, mas extremamente perigoso, já que seus membros são ativamente procurados pelas autoridades russas, incluindo o Serviço Federal de Segurança (FSB).

    “Eles usam vários meios de escuta na área (apartamentos, cafés ou qualquer outra área) e também tentam infiltrar agentes do FSB no nosso movimento”, disse o Atesh. “As tentativas dos russos de se infiltrarem nas nossas fileiras são constantes, mas a nossa equipe as detecta. Além disso, fazemos uma filtragem muito rigorosa de agentes potenciais e a maioria dos agentes opera de forma autônoma para evitar vazamento de informação”.

    “Os agentes do nosso movimento compreendem todos os riscos e seguem rigorosamente as medidas de segurança”, acrescentou o grupo.

    Prontos para a libertação

    Os partisans dizem que só são conseguem cumprir eficazmente suas missões porque desfrutam do “amplo apoio dos moradores locais”, e afirmam que os ataques coordenados do ar e do mar estão aumentando suas fileiras.

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    “O nosso movimento e outros movimentos de resistência estão cada vez maiores e os ocupantes sabem muito bem disso. Os moradores pró-ucranianos da Crimeia estão prontos para a libertação da península”.

    Korchynskyi disse que a libertação é o objetivo final dos ataques, e as forças ucranianas têm aperfeiçoado suas técnicas lentamente, especialmente as táticas anfíbias.

    Muzykant sabe que ainda há tempo e muito trabalho até que as forças ucranianas possam lançar uma ofensiva maior na Crimeia, mas mais – e mais ousadas – ações estão no horizonte ataques.

    “Nós os enfraquecemos destruindo equipamento militar e pessoal, mas eles ficaram mais atentos”, explicou. “Eles ficaram melhores. Portanto, cada próxima tarefa é mais difícil”.

    Em última análise, ele diz que é motivado pela crença que os ucranianos na Crimeia estão à espera deles.

    “Eles estão à espera do nosso sinal para começar a luta contra a agressão russa”, explicou.

    As primeiras fases dessa luta podem já estar acontecendo.

    *Por Vasco Cotovio, Frederik Pleitgen, Daniel Hodge e Kostyantyn Gak, da CNN

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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