Explosão em Beirute: o que se sabe até agora
Líderes mundiais e organizações internacionais se unem para oferecer ajuda ao Líbano, e autoridades locais investigam o caso


Uma grande explosão em Beirute, capital do Líbano, nessa terça-feira (4), deixou ao menos 163 mortos e milhares de feridos, segundo as autoridades locais.
O acontecimento vem sendo relacionado a uma grande quantidade de material explosivo confiscado e potencialmente inseguro, armazenado em um depósito no porto da cidade, próximo a áreas populosas.
Enquanto líderes mundiais e organizações internacionais se unem para oferecer ajuda, inicia-se uma investigação sobre o caso. Na manhã de quarta (5), equipes focaram em tratar os feridos, buscar sobreviventes e mensurar a extensão dos danos.
O que aconteceu?
A explosão foi registrada às 18h07 (12h07 em Brasília) perto do porto de Beirute e do centro da cidade, próximo a muitas áreas populosas e turísticas. Alguns pontos da região que atraem visitantes são a histórica Praça dos Mártires, a mesquita Mohammad Al-Amin, o Grand Serail (sede do governo libanês) e o Palácio Baabda (residência oficial do presidente).
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A força da explosão causou estragos em toda a cidade, virando carros, quebrando vidros e destruindo casas. Entre os prédios danificados estão a sede do ex-primeiro-ministro Saad Hariri e o escritório da CNN no centro da capital libanesa.
Para se ter uma ideia da extensão da tragédia, a estatal Agência de Notícias Nacional (NNA, na sigla em inglês) afirmou que 90% dos hoteis de Beirute estão danificados. Além disso, o governador de Beirute, Marwan Abboud, disse que o prejuízo estimado pode chegar a US$ 3 bilhões.
Os danos chegaram a até 10 km do epicentro, segundo testemunhas. A explosão foi sentida até no Chipre, país localizado a 240 km de Beirute, e registrada como um terremoto de 3,3 graus de magnitude.
De acordo com uma análise feita pela CNN a partir das imagens de satélite da empresa Planet Labs, a explosão criou uma cratera de aproximadamente 124 metros de diâmetro – maior que um campo de futebol, em comprimento.
Quantas pessoas morreram?
Ao menos 163 pessoas morreram, mais de 6 mil se feriram e 300 mil ficaram desabrigadas, segundo autoridades do país e a NNA, citando o ministro da Saúde do pais, Hamad Hassan. Contudo, o número de vítimas ainda pode aumentar.
“Há muitos desaparecidos. As pessoas estão perguntando no departamento de emergências sobre seus parentes, e é difícil realizar as buscas durante a noite porque não há eletricidade. Estamos enfrentando uma catástrofe real e precisamos de tempo para calcular a extensão dos danos”, afirmou Hassan.
Entre os mortos estão o secretário-geral do partido político Kataeb, Nazar Najarian, segundo a NNA. Ele estava em seu gabinete quando a explosão aconteceu e morreu em razão da gravidade dos ferimentos.

O que causou a explosão?
Logo após a tragédia, surgiram informações conflitantes. Primeiro, a causa foi atribuída a um grande incêndio em um depósito de fogos de artifício localizado perto do porto.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aumentou ainda mais as dúvidas quando se referiu ao incidente como um “ataque”, apesar de funcionários do Departamento de Defesa norte-americano dizerem que não havia indícios que apontassem para isso.
Mais tarde, o primeiro-ministro do país, Hassan Diab, disse que cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, um material altamente explosivo, vinha sendo armazenado em um depósito perto do porto há seis anos, “sem medidas preventivas”.
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O chefe de segurança do Líbano afirmou que um “material altamente explosivo” foi confiscado anos antes e armazenado no depósito em questão, localizado a poucos minutos do centro de Beirute.
“Não vou descansar até encontrarmos os responsáveis pelo que aconteceu e impor punição máxima”, disse o premiê em um comunicado, mencionando ser “inaceitável” que tamanha quantidade de nitrato de amônio tenha sido armazenado “enquanto ameaçava a segurança dos cidadãos”.
Até o momento, as autoridades não confirmaram oficialmente o que desencadeou a explosão.
As autoridades sabiam sobre o material explosivo?
O governo do Líbano solicitou na quarta-feira prisão domiciliar para alguns trabalhadores do porto de Beirute. Segundo autoridades locais, eles são suspeitos da negligência que teria resultado na explosão.
No dia seguinte, 16 pessoas foram presas. Segundo a NNA, o juiz Fadi Akiki, representante do governo na corte militar, afirmou que, até o momento, mais de 18 autoridades portuárias e aduaneiras e indivíduos responsáveis ou envolvidos em trabalhos de manutenção no depósito prestaram depoimento no âmbito das investigações.

Documentos obtidos pela CNN mostram que o nitrato de amônio estocado chegou a Beirute em um navio russo em 2013, que tinha como destino Moçambique. A embarcação parou na capital libanesa em razão de problemas financeiros e para que os tripulantes pudessem descansar, e nunca mais deixou o local.
A tripulação abandonou o navio, que foi confiscado pelas autoridades, e o nitrato de amônio a bordo foi armazenado em um hangar no porto.
De acordo com os documentos, Badri Daher, diretor da Alfândega libanesa, alertou por anos sobre o “perigo extremo” de deixar a substância no local. À CNN, ele disse que funcionários da alfândega escreveram seis vezes às autoridades solicitando que a carga fosse removida do porto, mas os pedidos não foram atendidos.
Dias depois, os compradores originais do nitrato de amônio disseram à CNN que o produto foi adquirido para ser usado na mineração. A Fábrica de Explosivos Moçambique (FEM), uma empresa de fabricação de explosivos do país africano, afirmou que foi ela que solicitou a compra do material. O pedido estava destinado à fabricação de explosivos para companhias mineradoras de Moçambique.
O nitrato de amônio nunca chegou a Moçambique, segundo um porta-voz da FEM, e acabou sendo armazenado em um depósito no porto da capital libanesa.
A FEM disse que esta foi a única compra da substância química que nunca chegou ao seu destino. “Isso não é comum. Nada comum”, afirmou o porta-voz. “Normalmente, quando você faz um pedido do que quer que seja, é raro não receber a mercadoria. Isso é um navio, não é como algo que se perdeu no correio, é uma grande quantidade.”

Outros documentos encontrados sugeriram que diversas agências do governo libanês foram informadas sobre o armazenamento do nitrato de amônio no porto, incluindo o Ministério da Justiça.
A empresa que representa a tripulação do navio russo divulgou um comunicado em que diz que enviou cartas em julho de 2014 a autoridades do porto de Beirute e ao Ministério dos Transportes “alertando para os perigos dos materiais transportados no navio”.
A CNN tentou entrar em contato com as pastas libanesas da Justiça e dos Transportes e com a administração do porto, mas não teve resposta.
Ainda de acordo com esses últimos documentos, autoridades alfandegárias emitiram avisos sobre os perigos da carga a um juiz. Mas este, que não teve o nome revelado por razões legais, respondeu várias vezes alegando que a embarcação e sua carga poderiam não estar dentro da jurisdição do tribunal. Com isso, o material permaneceu no local.
Revoltada, a população de Beirute protestou contra as autoridades por estas permitirem que uma grande quantidade de nitrato de amônio fosse armazenado por anos no local, sem medidas de segurança.
Há possibilidade de ter participação de algum agente externo?
Alguns especialistas apontam que a explosão pode ter sido causada por mais do que apenas nitrato de amônio. Anthony May, um investigador aposentado da Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos dos EUA (ATF, em inglês), disse que a cor da nuvem de fumaça sugere que havia outros componentes envolvidos.
Para Robert Baer, ex-membro da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e com extensa experiência em Oriente Médio, afirmou que “aquela bola laranja [de fogo]” indica possibilidade de explosivos de nível militar.
“A causa ainda não foi estabelecida. Há a possibilidade de interferência externa por meio de um foguete ou bomba ou outra coisa”, afirmou Aoun, em comentários veiculados pela imprensa local e confirmados pelo gabinete oficial.
O presidente disse que também considera que a explosão possa ter acontecido em razão de negligência ou de um acidente.
O que é nitrato de amônio?
O nitrato de amônio, um composto de amônia e nitrogênio, é um material altamente volátil utilizado em fertilizantes agrícolas e bombas.
Acidentes envolvendo a substância são raros, considerando que os EUA usam milhões de toneladas do material anualmente em fertilizantes, segundo a Agência de Proteção ao Meio Ambiente (EPA, em inglês).
Em sua forma sólida e “pura”, o nitrato de amônio é estável, mas se misturado com outros contaminantes, mesmo em pequenas quantidades, a composição se torna muito mais propensa à detonação. Por isso normalmente há orientações rigorosas por parte dos governos sobre como lidar com ele e armazená-lo adequadamente.
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“Em geral, as condições de armazenamento do nitrato de amônio são cruciais para a segurança e a estabilidade dele. Materiais alocados ou armazenados junto podem afetar a sua sensibilidade de explodir”, explicou a EPA em um guia publicado em 2019.
Por exemplo, o nitrato de amônio não deve ser armazenado com combustíveis, materiais orgânicos, cloretos ou metais – todos contaminantes em potencial –, segundo o guia. Para os locais de armazenamento, a EPA também recomenda paredes resistentes a chamas, piso não inflamável e temperaturas controladas.

O nitrato de amônio não queima, se exposto ao calor, mas pode derreter, lançando gases tóxicos que podem causar uma explosão. Ele é ainda mais perigoso se houver uma grande quantidade armazenada, porque quando uma pequena porção da substância começa a derreter e explodir, o calor resultante afeta todo o resto.
Um dos piores acidentes na história dos EUA envolvendo um tipo de amônia aconteceu em abril de 1947, quando uma embarcação que transportava nitrato de amônio pegou fogo no momento em que estava ancorado na cidade do Texas.
As chamas causaram uma explosão e incêndios adicionais que danificaram mais de mil prédios e mataram cerca de 400 pessoas, de acordo com o site da Associação Histórica do Texas. O fogo foi desencadeado por 2.087 toneladas de nitrato de amônio. Em 1995, um atentado na cidade de Oklahoma que matou 169 pessoas e feriu 467, usou apenas 1,8 tonelada do produto.
No Brasil, o nitrato de amônio tem a sua importação controlada pelo Exército, sendo considerado uma substância de “interesse militar”. O composto geralmente é utilizado como um fertilizante.
Quem está ajudando?
A destruição registrada em Beirute proporcionou uma onda de solidariedade internacional para ajudar o país.
A União Europeia, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Cruz Vermelha e países como Alemanha, Noruega, Itália, França, Rússia, Irã e Qatar prometeram enviar dinheiro, alimentos, equipes médicas e insumos de saúde, incluindo estruturas para a montagem de hospitais de campanhas.
O Banco Mundial anunciou que está pronto para avaliar os prejuízos e as necessidades do Líbano, e disse que ajudará a mobilizar financiamento público e privado para reconstrução e recuperação.
Em visita ao Líbano na quinta, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que seu país vai “organizar uma forma de reerguer Beirute”. “Uma conferência internacional será realizada nos próximos dias como forma de reerguer os libaneses”, disse ele.
O Brasil vai enviar ao Líbano kits de emergência que já estão prontos e armazenados em um centro de logística em Guarulhos (SP). Cada kit, com cerca de duas toneladas, tem medicamentos básicos para emergências e diversos equipamentos, como luvas e esparadrapos.
Esses kits são utilizados internamente quando ocorre algum acidente ou tragédia de grande porte no país — como o rompimento de uma barragem de mineração em Brumadinho. Eles também podem ser enviados para outros países como ajuda humanitária.
Neste momento, o Ministério da Saúde faz um levantamento do que pode ser doado e está em contato direto com o governo libanês para saber o que, de fato, o país precisa. Existe a possibilidade de o governo brasileiro enviar também vacinas, como a do tétano.
Há brasileiros no Líbano?
Desde 2011, o Brasil lidera uma missão de paz da ONU no Líbano. Segundo a Marinha, os militares brasileiros que participam da missão no país estão em segurança.
No comunicado, o governo afirmou que nenhum dos oficiais foi ferido durante o ocorrido. A parte do contingente na cidade de Naqoura, no sul do país, também não sofreu dano.
Em entrevista à CNN, o contra-almirante Sergio Renato Berna Salgueirinho, comandante da força-tarefa, disse que a explosão só não atingiu a fragata Independência porque a embarcação estava em um período de patrulhas pela costa da capital libanesa.
“A explosão só não nos atingiu porque estávamos navegando. Costumamos ficar atracados no porto de Beirute”, contou ele, lembrando que viu uma coluna de fumaça de longe, mas que não pôde retornar ao porto para ajudar.
Brasileiras que moram na capital libanesa e conversaram com a CNN narraram momentos de muita tensão. “Foi terrível, eu achei que tinha morrido. Estava no restaurante com duas amigas em uma reunião perto do porto. A explosão foi tão forte que a cadeira me jogou para longe. Os vidros todos quebraram e eu fiquei ferida nos braços, na perna, escorria sangue do meu nariz e da minha boca”, relatou Latife Nakad.
“Estava no carro com meu filho e meus sobrinhos e, de repente, ele [o veículo] começou a tremer. Ficamos surdos por alguns segundos e procurando ver o que estava acontecendo. A gente achou que era terremoto, porque já aconteceu antes, mas vi aquela bola de fogo impressionante”, contou Viviane Guedes, que integra o Conselho de Cidadãos Brasileiros no Líbano.
(Com Reuters)