Exclusivo CNN: ex-assessor de Trump confirma ataques do ex-presidente contra militares
John Kelly afirmou que empresário "admira autocratas e ditadores assassinos"
John Kelly, quem permaneceu mais tempo como chefe do gabinete de Donald Trump na Casa Branca, fez duras críticas ao ex-presidente dos Estados Unidos em uma declaração exclusiva à CNN.
Kelly fez uma confirmação oficial de uma série de histórias contundentes sobre declarações que Trump fez a portas fechadas atacando militares e veteranos dos EUA, listando uma série de comentários questionáveis, que Kelly testemunhou Trump fazer em primeira mão.
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Questionado se gostaria de opinar sobre seu ex-chefe à luz dos comentários recentes feitos por outros ex-funcionários de Trump, Kelly pontuou: “[Trump é] uma pessoa que pensa que aqueles que defendem o seu país uniformizados, ou que são abatidos ou gravemente feridos em combate, ou que passam anos sendo torturados como prisioneiros de guerra, são todos ‘otários’, porque ‘não há nada para eles nisso’.
“[Trump é] uma pessoa que não quer ser vista na presença de militares amputados, porque ‘isso não parece bom para mim’. [É] uma pessoa que demonstrou desprezo público por uma família Gold Star [famílias que perderam integrantes em serviço militar] — por todas as famílias Gold Star — na TV durante a campanha de 2016, e reclama que os nossos heróis mais preciosos que deram as suas vidas em defesa da América (sic) são ‘perdedores’ e não visitaria seus túmulos na França”, destacou Kelly.
“[Trump é] uma pessoa que não é verdadeira em relação à sua posição sobre a proteção da vida nascituro, sobre as mulheres, sobre as minorias, sobre os cristãos evangélicos, sobre os judeus, sobre os homens e mulheres trabalhadores”, continuou.
“[Trump é] uma pessoa que não tem ideia do que a América (sic) representa e não tem ideia do que é a América (sic). Uma pessoa que arrogantemente sugere que um guerreiro altruísta que serviu o seu país durante 40 anos em tempos de paz e de guerra deveria perder a vida por traição – na expectativa de que alguém tome medidas”, pontuou Kelly.
“[Trump é] uma pessoa que admira autocratas e ditadores assassinos. Uma pessoa que não sente nada além de desprezo pelas nossas instituições democráticas, pela nossa Constituição e pelo Estado de direito”, ressaltou.
“Não há mais nada que possa ser dito. Deus nos ajude”, concluiu.
Com a declaração, Kelly confirma, oficialmente, uma série de detalhes de uma reportagem de 2020 da revista The Atlantic, do editor-chefe Jeffrey Goldberg.
Isso inclui Trump fazendo críticas enquanto estava com Kelly no Memorial Day de 2017 (um feriado para homenagear os militares mortos) em uma seção do Cemitério Nacional de Arlington para os mortos no Afeganistão e no Iraque.
Outros detalhes também incluem a incapacidade de Trump de compreender por que a população dos Estados Unidos respeita os antigos prisioneiros de guerra e os que morreram em combate.
Em 2015, quando Trump era candidato à Presidência, ele disse diante de uma multidão que o ex-senador e prisioneiro da guerra do Vietnã John McCain, um republicano do Arizona, “não era um herói de guerra. Ele foi um herói de guerra porque foi capturado. Gosto de pessoas que não foram capturadas”.
Mas fontes afirmaram a Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, que esta falta de compreensão fez com que Trump chamasse repetidamente McCain de “perdedor” e se referisse ao ex-presidente George H. W. Bush, que foi abatido quando era piloto da Marinha na Segunda Guerra Mundial, como um “perdedor”.
A CNN entrou em contato com a campanha de Donald Trump na tarde desta segunda-feira (2) informando que um ex-funcionário do governo havia confirmado, oficialmente, uma série de detalhes sobre a reportagem da The Atlantic de 2020, sem nomear Kelly.
Os representantes do ex-presidente responderam insultando o carácter e a credibilidade do general Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, que nada teve a ver com esta história.
O artigo da Atlantic também descreveu a visita de Trump à França em 2018 para o centenário do fim da Primeira Guerra Mundial, onde, de acordo com vários altos funcionários, o empresário disse que não queria visitar os túmulos dos soldados americanos enterrados no Cemitério Americano Aisne-Marne, perto de Paris.
Ele teria dito à época: “Por que eu deveria ir a esse cemitério? Está cheio de perdedores. Durante a mesma viagem à França, relatou o artigo, Trump pontuou que os 1.800 fuzileiros navais dos EUA mortos em Belleau Wood eram “otários” por terem sido mortos”.
A declaração de Kelly traz contexto a uma história do livro “The Divider: Trump in the White House, 2017-2021”, de Susan Glasser e Peter Baker, em que o ex-presidente, após uma viagem à França em 2017, disse ao assessor que não queria veteranos feridos em um desfile militar que ele estava planejando em sua homenagem.
Inspirado no desfile do Dia da Bastilha, com exceção da seção do desfile que traz veteranos franceses feridos em cadeiras de rodas, Trump diz a Kelly: “Olha, não quero nenhum ferido no desfile”.
Entretanto, o assessor responde: “Eles são os heróis. Na nossa sociedade, existe apenas um grupo de pessoas que são mais heroicas do que eles – e estão enterradas em Arlington”;
“Eu não os quer. Não parece bom para mim”, respondeu Trump.
Os relatos também se encaixam em outra história recente de Jeffrey Goldberg para o The Atlantic: um perfil do ex-chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley.
Nela, é dito que Trump não reagiu bem ao ver o capitão do Exército Luis Avila gravemente ferido cantando “God Bless America” em um evento de boas-vindas para o novo chefe. “Por que você traz pessoas assim aqui? Ninguém quer ver isso, os feridos”, disse o empresário.
A declaração de John Kelly à CNN também se refere a uma observação feita por Trump em resposta à mesma reportagem, que descreve Milley, já nos últimos dias da presidência de Trump, em 2020, recebendo informações de que os militares chineses temiam que o presidente americano estivesse prestes a ordenar um ataque militar.
Milley, durante chamada autorizada por funcionários da administração Trump, garantiu aos seus homólogos chineses que tal ataque não aconteceria.
Essa ligação foi relatada pela primeira vez em 2021, no livro “Perigo”, de Bob Woodward e Robert Costa, mas Trump disse em rede social que a ligação foi “um ato tão flagrante que, em tempos passados, a punição seria a MORTE.”
Questionado sobre a reação à sugestão de que ele merece execução, Milley disse a Norah O’Donnell, do programa “60 Minutes”, que não “comentaria diretamente sobre essas coisas. Mas posso dizer-lhe que este militar, este soldado, eu, nunca irá virar as costas para a Constituição.”
A declaração de Kelly à CNN ocorre dias depois de a ex-assessora de Trump na Casa Branca, Cassidy Hutchinson, fazer uma entrevista também à CNN promovendo seu novo livro, “Enough” (“Basta”, em tradução livre), alertando o público que “Donald Trump é a ameaça mais grave que enfrentaremos à nossa democracia durante nossa vida e, potencialmente, na história americana”.
Curiosamente, o livro contém uma passagem em que Hutchinson e a então diretora de comunicações da Casa Branca, Alyssa Farah Griffin, resistem à reportagem da The Atlantic em 2020. Griffin emitiu uma declaração à revista depois que a história foi publicada negando a matéria.
Procurada para comentários no fim de semana, Griffin afirmou: “Apesar de elogiar publicamente os militares e afirmar ser o presidente mais pró-militar, há um histórico demonstrável de Trump atacando os militares mais condecorados em nosso país, do general Mattis a Kelly e Milley, além de criticar os feridos ou falecidos como John McCain.
“Donald Trump fundamentalmente nunca compreenderá o serviço militar da mesma forma que aqueles que realmente serviram uniformizados o farão, e essa é uma das inúmeras razões pelas quais ele não está apto para ser chefe”, colocou.
Nenhum outro candidato presidencial na história teve tantos detratores no seu círculo íntimo. O ex-secretário de Defesa de Trump, Mark Esper, disse à CNN em novembro de 2022: “Acho que ele não está apto para o cargo. … Ele se coloca à frente do país. Suas ações são todas sobre ele e não sobre o país. E então, é claro, acredito que ele também tem problemas de integridade e caráter”.
O ex-procurador-geral de Donald Trump, Bill Barr, afirmou à CBS em junho que “ele é um narcisista consumado. E ele constantemente se envolve em conduta imprudente”.
“Ele sempre colocará os seus próprios interesses, e a satisfação do seu próprio ego, à frente de todo o resto, incluindo os interesses do país. Nosso país não pode, você sabe, não pode ser uma sessão de terapia para um homem problemático como este”, finalizou.
*Kristen Holmes, da CNN, contribuiu para esta reportagem