Esperamos que Lula ajude a parar perseguição injusta, diz advogado de González à CNN
Defensor de opositor venezuelano diz que Lula pode ter influência em Maduro e Ministério Público, mas que é preciso mais do que pronunciamentos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um interlocutor que poderia ter influência sobre Nicolás Maduro e ajudar no fim da “perseguição injusta” contra o opositor Edmundo González. É no que acredita José Vicente Haro, advogado defensor do diplomata venezuelano de 75 anos que, segundo a oposição do país, em contestação ao anúncio do poder eleitoral, venceu o pleito presidencial de 28 de julho.
Em entrevista exclusiva à CNN Brasil nesta quarta (4), depois de levar ao Ministério Público do país um documento explicando por que González faltou três vezes após intimações para que prestasse depoimento, o advogado confirmou que nem a esposa do opositor sabe onde ele está.
González, segundo seu defensor, está indo de casa em casa em Caracas, para não ser preso, e tem quem o abasteça com comida, roupa e remédios durante o período na clandestinidade.
Apesar do temor entre a oposição venezuelana de que o candidato acabe preso, após a emissão de um mandado de prisão na última segunda-feira (2), o advogado enfatiza que González não tem intenção de pedir asilo em nenhuma embaixada estrangeira, por temer não conseguir voltar para a Venezuela.
Confira os principais trechos da entrevista:
CNN Brasil: O senhor mencionou ontem que o Edmundo está indo de casa em casa para resguardar sua liberdade, sua segurança.
José Vicente Haro: É verdade.
CNN Brasil: Como ele está? Ele está recorrendo a amigos?
JVH: Bom, isso são protocolos de segurança e eu mesmo não sei de tudo. Ele prefere manter isso em segredo, nem sua esposa sabe desses pequenos detalhes, porque é um protocolo de segurança muito fechado. A Venezuela é um país onde a confidencialidade não está garantida nas comunicações. Mas pelo que sabemos estão levando comida para ele, sapatos, roupas, remédios, todo o necessário para que ele possa atuar e interagir com muitos países e organizações internacionais.
Na quarta da semana passada ele teve um direito de palavra com o conselho de ministros de relações exteriores da União Europeia a portas fechadas, uma reunião coordenada por Josep Borrell, bem sucedida. Em geral, ele continua em comunicação constante com muitos líderes da comunidade internacional democrática, que deram seu apoio. Isso muitas vezes serve não somente para animar, mas para ter clareza e perspectivas sobre cada passo de ação política que são tomados, além da ação jurídica que eu devo tomar.
CNN Brasil: Brasil, Colômbia e México podem ajudar nesta situação em que há uma ordem de prisão contra Edmundo González, para que não seja executada?
JVH: Sim, sem dúvida qualquer gestão da comunidade internacional, de países próximos ao governo de Nicolás Maduro, de presidentes que têm bom entendimento com ele talvez possam influir em algo nessa circunstância. Mas nós não podemos especular, nós temos que nos basear na realidade. E a realidade é que tem uma ordem de prisão e temos que tomar as medidas de ordem jurídica e técnica para dar a proteção correspondente para a família e a moradia dele e para oferecer a maior segurança para o Edmundo González.
CNN Brasil: O senhor chegou a mencionar que agradece essa intenção política dos três países, mas que são necessárias medidas concretas. Quais podem ser essas medidas?
JVH: Avançar na verificação independente e autônoma por parte de especialistas eleitorais das atas de escrutínio, que tanto a oposição como o governismo possuem. Que esses especialistas revisem todas as atas, os países nomeiem observadores, especialistas eleitorais e haja uma auditoria efetivamente independente. Que outros países da comunidade internacional sejam convidados pelo governo de Lula, do [Gustavo] Petro e do Andrés Manuel López Obrador para se juntar a essa iniciativa e que seja conformado um conjunto de países aliados para poder fazer essa verificação, para a qual o Edmundo González Urrutia está disposto, como disse em comunicados emitidos e nos vídeos que transmitiu da clandestinidade.
A ideia é passar para ações concretas, porque mais comunicados de preocupação, de que não reconhecem um, mas não reconhecem outro, de que estão analisando, estudando, dá para ficarem nisso até dezembro, janeiro, sem oferecer solução para os venezuelanos.
Os venezuelanos estão sofrendo uma crise significativa do ponto de vista político, econômico, social, de direitos humanos, de serviços públicos, de eletricidade, de água, uma quantidade de coisas que levaram a uma crise migratória da qual infelizmente vocês, os países latino-americanos, tiveram que padecer.
E é preciso ser justo: vocês têm também que atender os seus cidadãos e o ideal é que os venezuelanos possam viver na Venezuela com liberdade e segurança, não estar emigrando. Porque isso pode gerar potencialmente uma nova onda migração, segundo as últimas pesquisas, bastante forte principalmente a partir de janeiro.
CNN Brasil: Mas como chegar a estas medidas concretas se o governo não quer mostrar suas atas, o poder eleitoral não publicou as atas, a Justiça disse que o assunto já estava resolvido. O que falta por parte do Brasil, México e Colômbia? Mais pressão?
JVH: Acredito que levar para organizações como a Organização das Nações Unidas em aliança com a Organização dos Estados Americanos, elevar o assunto para organizações internacionais transcendentes, de força, em que a Venezuela tenha que se apresentar. Principalmente, em um atuação conjunta, talvez sem precedentes, também com a União Europeia, poderia criar essa iniciativa para que isso aconteça.
O pior que pode ser feito é não fazer nada, esse seria o pior dos cenários, que acreditem só em palavras e pronunciamentos. Acho que eles precisam pensar mais fora da caixa, buscar mais aliados, mais países que se unam a esta proposta. Muitos atores da comunidade internacional estariam dispostos a apoiar isso, na medida em que ofereçam garantias para que Maduro possa apresentar suas atas, o Conselho Nacional Eleitoral possa apresentar as suas, que seja uma verificação internacional independente. Acho que assim há mais possibilidades.
É necessário avançar para além de pronunciamentos, para ações concretas úteis que sejam legítimas, democráticas, transparentes e que conduzam à verdade.
CNN Brasil: O senhor acredita que o presidente Lula tem algo de influência sobre o presidente Maduro e que pode chegar a ter sobre o Ministério Público venezuelano para reverter esta ordem de prisão?
JVH: Sim, sem dúvida. O Lula é uma pessoa que sempre partiu da negociação, do diálogo, da comunicação e demonstrou nos últimos meses, com os pronunciamentos que fez, e esperamos que se mantenha nessa linha e que nos ofereça garantias, que ele seja um interlocutor para nos oferecer garantias, que cesse essa perseguição injusta sobre o Edmundo González Urrutia.
CNN Brasil: Há uma perspectiva de um Ministério Público independente na Venezuela?
JVH: Atualmente não, como já disse o Alto Comissariado das Nações Unidas da ONU, como já disse o painel de especialistas independentes da OEA, e como disseram muitas ONGs nacionais e internacionais, inclusive a Anistia Internacional. Mas é com isso que temos que trabalhar, temos que nos defender diante das instituições venezuelanas independentemente da credibilidade institucional que tenham.
CNN Brasil: O Edmundo González está em Caracas ou em outro estado da Venezuela?
JVH: Em Caracas, na Venezuela.