Escolas ucranianas têm “russificação” dos programas educacionais em áreas ocupadas
Militares russos ameaçaram diretores de colégios e recolheram livros didáticos em ucraniano em algumas regiões, de acordo com denúncias de educadores
Quando soldados russos mascarados saquearam a casa de Nina no nordeste da Ucrânia, às 6h de um dia no fim de abril, eles não estavam procurando por armas. Na verdade, estavam procurando por seus livros escolares ucranianos.
Os oficiais apontaram armas para sua filha e seu marido, e a mulher de 48 anos disse à CNN que sabia que haviam vindo por sua causa. Como diretora de uma escola, ela acredita que eles a viam como uma inimiga.
“Eles estavam procurando em todos os lugares, mesmo nos ralos e nos toaletes na área externa”, ela explicou. “Eles encontraram livros didáticos e tutoriais da língua ucraniana.”
Nina não está sozinha. Oficiais ucranianos dizem que os educadores em áreas recém-ocupadas estão reportando crescentes casos de intimidação, ameaças e pressão para adaptar programas escolares para que se alinhem à retórica pró-Rússia.
Enquanto a guerra se espalha pela Ucrânia, a educação tornou-se vítima do conflito – e um possível campo de batalha na luta pelo controle do país.
Antes de as tropas russas invadirem, em 24 de fevereiro, cerca de 4,3 milhões de estudantes estavam matriculados em escolas, de acordo com dados compilados pelo Instituto da Ucrânia de Análise da Educação, uma agência estatal. Agora, milhões de crianças em idade escolar foram deslocadas internamente ou forçadas a fugir do país com suas famílias.
Após revistarem sua casa, Nina disse que os soldados – que a forçaram a falar em russo – “a deram um minuto para se vestir e a levaram para a escola”.
Ela disse que seus captores colocaram um gorro preto em sua cabeça antes de a jogar dentro e um veículo e a levar para outro local, onde o interrogatório continuou.
“Eles perguntaram sobre a minha postura sobre a ‘operação militar’, me acusaram de ser muito patriótica, muito nacionalista”, ela disse. “Eles me perguntaram por que eu uso a língua ucraniana…por que eu vou para a igreja ucraniana.”
Nina disse que eles queriam reabrir a escola e assegurar que as crianças voltasse, mas ela argumentou que não era seguro nem para os alunos, nem para os professores.
Eventualmente ela foi liberada, mas não antes de seus captores “enfatizarem que eles sabem sobre meu filho e me lembrarem que eu tenho uma filha”, ela disse, acrescentando que “considerou isso uma ameaça”.
Dias depois, com medo de que as tropas russas voltassem, Nina e sua família fugiram.
Interferência russa
A experiência de Nina não é um incidente isolado. Relatos de ameaças contra educadores em regiões recém-ocupadas estão crescendo conforme o conflito escala.
Uma professora disse à CNN que tropas russas contataram a diretora de sua escola e ordenou que ela “entregasse todos os livros didáticos escritos na língua ucraniana e sobre a história da Ucrânia, mas a diretora se recusou. Seu posicionamento foi tão contundente que eles, de alguma forma, não pressionaram mais…eles saíram de mãos vazias.”
Alguns professores conseguiram retomar as aulas remotas, usando salas de aula virtuais parecidas com as criadas durante a pandemia do coronavírus. Mas para outros, as lições foram interrompidas por conta dos serviços de internet corrompidos, e as escolas próximas a zonas de conflito foram forçadas a fechar as portas.
Pelo menos 1.570 instituições educacionais foram destruídas ou danificadas por bombardeios desde o início da invasão, de acordo com a fala do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky no dia 2 de maio. As declarações do presidente não foram checadas de forma independente pela CNN.
A Ucrânia acusou a Rússia de bombardear uma escola na região de Luhansk em 7 de maio, onde 90 pessoas estavam abrigadas. Serhiy Hayday, chefe da administração militar regional em Luhansk, disse que o prédio foi nivelado no ataque. Sessenta pessoas podem ter morrido.
O Ombudsman da Educação do país, Serhii Horbachov, disse à CNN que o governo recebeu mais de 100 denúncias e pedidos de ajuda de professores, pais e estudantes em regiões ocupadas desde fevereiro.
“Os funcionários de instituições educacionais que permaneceram nas ocupações arriscam suas próprias vidas e saúde, [e] estão sujeitas a coerção, violência e pressão”, disse Horbachov.
“Há casos conhecidos de abduções de chefes de autoridades educacionais e diretores de escolas”, acrescentou. “Professores são forçados a cooperar e trabalhar em escolas sob a vigilância de metralhadoras.”
“Russificação” de áreas ocupadas
Outros exemplos de forças russas tentando erradicar a identidade ucraniana em áreas ocupadas foram vistos na região sul de Kherson, segundo Serhii Khlan, um representante do conselho regional, que acusou repetidamente os oficiais ocupantes de ameaçar educadores nas últimas semanas.
Khlan disse na quinta-feira (12) que forças russas estavam invadindo vilarejos e lançando buscas intensivas, e também iniciando um censo sobre aqueles que restaram em alguns locais. Ele também reivindica que os russos indicaram que “irão importar professores da Crimeia porque nossos professores não concordam em trabalhar com programas russos. Os poucos professores que concordaram em trabalhar, os conhecemos pessoalmente, serão responsabilizados criminalmente por isso.”
Khlan já havia avisado que diretores na cidade de Kakhovka estavam sendo ameaçados no final de abril.
Suas últimas declarações vieram após um relato de que um novo diretor havia sido instaurado pelos “ocupantes” em uma escola de Kakhovka após o diretor anterior ter sido raptado em 11 de maio, segundo um jornalista local.
Esforços para forçar o sistema educacional ucraniano a se alinhar com programas escolares da Rússia espelham esforços similares de “russificação” em áreas tomadas por forças russas e separatistas apoiados pela Rússia em anos anteriores. O presidente russo Vladimir Putin – que fez acusações de opressão ampla contra falantes de russo em regiões ucranianas e as usou como um dos pretextos para a invasão – deixou claro em seus pronunciamentos públicos que não considera a Ucrânia uma nação legítima.
Oleh Okhredko é um educador veterano com mais de duas décadas de experiência em lecionar e um analista do Centro Almenda para Educação Civil, uma organização inicialmente estabelecida na Crimeia, que monitora a educação em territórios ocupados. Ele disse à CNN que é uma estratégia que testemunhou após a Rússia anexar a Crimeia em 2014.
“A Crimeia tornou-se um campo de experiências para a Rússia. Aqui eles começaram a militarização da educação em geral”, explicou.
Ele disse que a propaganda russa revisando eventos históricos estava inserida no programa escolar da Crimeia, algo que ele afirma ter um efeito prejudicial nas crianças.
“A Ucrânia foi totalmente retirada dos livros didáticos e tudo se tornou a ‘história da Rússia'”, discorreu Okhrendko. “As crianças em ocupações são muito influenciadas sendo educadas em um sistema que constantemente precisa ter um inimigo. Agora os inimigos são os Estados Unidos e a Ucrânia. E essa hostilidade começa a se expressar nas crianças em forma de agressão.”
Ele acrescentou: “Aquelas crianças que estudaram na escola de seis a oito anos atrás – quando tinham entre 11 e 13 anos de idade – agora estão lutando contra a Ucrânia. Cidadãos da Ucrânia infelizmente lutando contra seu próprio país”.
Oposição ucraniana
Por agora, muitos educadores em áreas ocupadas da Ucrânia estão tentando resistir a tentativas russas de se ajustar a seus cronogramas, com medo do impacto que as mudanças poderiam ter em seus estudantes a longo prazo.
Na região de Luhansk, Maria, uma professora de matemática e membro da administração escolar regional, disse à CNN que seus membros receberam um ultimato para lecionar usando um programa russo. Maria recebeu um pseudônimo para proteger sua identidade.
“Claramente, dissemos a eles que não faremos isso. E eles responderam ‘veremos, temos uma ficha para cada um de vocês’. É assustador”, disse, acrescentando que receberam livros didáticos russos por e-mail, com o pedido de que ‘pelo menos os leiam e então decidam, porque o programa é muito bom'”.
“Eles tentaram nos persuadir. Mas dissemos a eles, não temos internet aqui e não recebemos nada”, explicou.
“Eles ainda nos perguntaram ‘qual a diferença, por que é importante estudar em ucraniano ou russo? Você ensina matemática, é igual em qualquer língua’. Eu fiquei chateada com isso…e os disse que sua educação, seus estudos, não são reconhecidos em lugar algum, as crianças não poderão frequentar universidades. E eles responderam: ‘Quais universidades? Para que? Precisamos de trabalhadores e soldados'”.
Enquanto a invasão da Ucrânia continua, Maria permanece assustada, mas esperançosa.
“Estamos com medo de que levarão equipamentos das escolas, temos muitas coisas boas na nossa escola”, ela disse. “Estamos esperando, desesperados para que nosso exército venha, achamos que acontecerá logo.”