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    Entenda por que Vladimir Putin anexou territórios ucranianos

    Acordos para inclusão das regiões de Donetsk, Luhansk e grande parte de Kherson e Zaporizhzhia à Rússia foram assinados em uma cerimônia no Kremlin

    Tim Listerda CNN

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    O presidente Vladimir Putin assinou acordos, nesta sexta-feira (30), para anexar à Rússia milhares de quilômetros quadrados de território ucraniano. É a maior tomada forçada de terras na Europa desde 1945.

    Os acordos foram assinados numa cerimônia no Kremlin três dias após referendos realizados apressadamente nas quatro áreas da Ucrânia que o governo de Moscou vai, agora, considerar como território russo.

    Putin fez um discurso e encontrou líderes russos das quatro regiões ocupadas, de acordo com o Kremlin.

    A Ucrânia e os seus aliados ocidentais rejeitaram categoricamente a anexação planejada das quatro regiões – Donetsk, Luhansk e grande parte de Kherson e Zaporizhzhia, uma faixa ucraniana que contém indústria pesada, terras agrícolas férteis e um canal fundamental de água doce para a Crimeia.

    Donetsk e Luhansk são o lar de duas repúblicas separatistas que Moscou tem apoiado desde 2014, enquanto Kherson e partes de Zaporizhzhia têm sido controladas pelas forças russas desde as primeiras semanas após a invasão no final de fevereiro.

    O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou que, se o Kremlin prosseguir com a anexação, qualquer negociação com Putin será impossível.

    Em resumo, a Rússia pretende hastear sua bandeira sobre cerca de 100 mil quilômetros quadrados do território ucraniano, numa violação flagrante do direito internacional e após votações classificadas como nulas e sem efeito pela grande maioria dos países, incluindo alguns amigos da Rússia, como a Sérvia.

    Embora a comunidade internacional rejeite o plano da Rússia quase em uníssono (com algumas exceções possíveis como a Síria e a Coreia do Norte), a anexação altera os “fatos no terreno” e diminui as perspectivas de qualquer acordo negociado.

    Há uma enorme diferença entre abandonar terras ocupadas (como fizeram os russos em abril, quando regressaram de grande parte do norte da Ucrânia) e deixar áreas que foram absorvidas para a pátria de maneira formal e com cerimônia – especialmente para um líder como Putin, obcecado por uma “Grande Rússia”.

    De fato, o ex-presidente russo Dmitry Medvedev disse na semana passada que, uma vez integradas as chamadas repúblicas na Federação Russa, “nenhum futuro líder da Rússia, nenhuma autoridade será capaz de reverter estas decisões”.

    Assim que a bandeira russa tremular sobre essas áreas, elas se qualificam para o mesmo nível de proteção que qualquer outra parte da Rússia, segundo declarou Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia.

    Como disse o especialista e ex-diplomata russo Alexander Baunov em evento do Fundo Carnegie para a Paz Internacional na semana passada, a mensagem do Kremlin aos aliados da Ucrânia é a seguinte: “vocês optaram por nos combater na Ucrânia, agora tentem lutar contra nós na própria Rússia ou, para ser preciso, naquilo que chamamos a Rússia”.

    A segunda parte dessa mensagem –enunciada no discurso de Putin anunciando a mobilização parcial do país– é que qualquer ataque ao que é considerado território russo convida a uma série completa de retaliações.

    Em 2020, Putin assinou um decreto que atualiza a doutrina nuclear da Rússia que permitiu o uso de armas nucleares “em caso de agressão contra a Federação Russa com o uso de armas convencionais, quando a própria existência do Estado está ameaçada”.

    A definição dessa ameaça não é exatamente clara, mas, na semana passada, Putin emitiu ainda o seu aviso mais explícito: “a integridade territorial da nossa pátria, a nossa independência e a nossa liberdade serão asseguradas, ressalto novamente, com todos os meios à nossa disposição. E aqueles que tentam nos chantagear com armas nucleares devem saber que os ventos predominantes podem virar na sua direção”.

    Para a maioria dos observadores, tais avisos terríveis são uma aposta desesperada. Autoridades dos EUA disseram que não acreditam que Putin recorra a armas nucleares táticas, embora não possam descartar a possibilidade.

    A ameaça é certamente “elevada” em comparação com o início do ano, como várias fontes disseram à CNN na quarta-feira. Nos últimos meses, os EUA têm alertado de forma privada a Rússia para não dar um passo tão catastrófico.

    Mas, até agora, não há sinais de que a Rússia esteja planejando de forma iminente o seu uso e que a “avaliação geral não mudou”, segundo uma fonte familiarizada com os serviços de inteligência.

    Putin também pode estar esperando que as cerimônias de anexação de um novo território fortaleçam a opinião pública ao redor dos seus objetivos, após uma semana em que com queixas e protestos sobre a mal executada mobilização parcial de reservistas.

    O presidente russo obteve aprovações estratosféricas depois de anexar a Crimeia, após um “referendo” em 2014, mas muita coisa mudou desde então. A Rússia vem sendo castigada por sanções (e o processo de anexação trará mais ações) e sofreu pelo menos 70 mil baixas na Ucrânia, de acordo com números dos EUA e da Otan.

    Anatol Lieven, diretor do Programa Eurásia no Quincy Institute, disse à CNN na semana passada que o verdadeiro objetivo de Putin é “persuadir os EUA e/ou os europeus a terem sérias dificuldades em negociar um acordo de compromisso para acabar com a guerra, mostrando que, ao contrário, a Rússia tomará medidas radicalmente escaladoras, que não só forçarão o Ocidente a aumentar o tom por sua vez, como também excluirão qualquer paz possível durante muito tempo”.

    Se for esse o caso, Putin poderá ficar decepcionado. Não há sinais de que a Ucrânia ou os governos ocidentais estejam temendo tal aviso. Os EUA acabaram de anunciar o envio de outro lote de armamento de alta tecnologia para a Ucrânia, incluindo mais sistemas de artilharia de longo alcance Himaris, que transformaram o campo de batalha.

    Além disso, as forças ucranianas, longe de pensarem duas vezes sobre o risco maior de atacar áreas hoje consideradas por Moscou como suas, estão acelerando uma ofensiva na região de Donetsk. As forças pró-russas dentro e ao redor da cidade de Lyman estão à beira de serem cercadas.

    Se forem forçados a entregar território no coração de Donbas (que será considerado no Kremlin como terra russa nos próximos dias) isso trará um teste precoce à linha vermelha recém-traçada por Putin.

    Ulrich Speck, analista do Fundo Carnegie e da RFE (Radio Free Europe), tuitou na quinta-feira (29): “Se não houver fronteiras claramente delineadas, a ameaça de defender as ‘fronteiras russas’ na Ucrânia inclusive com armas nucleares perde rapidamente credibilidade e torna-se irrelevante para a luta”.

    Já Jon Wolfsthal, antiga autoridade de controle de armas no governo de Barack Obama, tuitou: “Putin nos deu uma escolha: aceitar o redesenho das fronteiras através da força e evitar ameaças nucleares (por enquanto) ou rejeitar referendos fictícios e ajudar a Ucrânia a se preservar e a aceitar o conceito de estado-nação e os riscos nucleares”.

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