Entenda por que Trump quer correr para indicar um novo juiz para a Suprema Corte
Situação atual abre uma rara janela de oportunidade para alterar a composição da Casa


O anúncio da morte da juíza Ruth Bader Ginsburg deu início a uma corrida para preencher a vaga na Suprema Corte dos Estados Unidos deixada por ela. O presidente Donald Trump quer garantir uma indicação de um nome considerado conservador antes das eleições presidenciais no país, que serão realizadas em novembro.
Ele disse que pretende indicar um nome — e já revelou que será uma mulher — até sábado (26), pois alegou que vai precisar dos nove juízes da Casa para decidir sobre a votação via correio nas eleições deste ano.
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A substituição, entretanto, não é automática. Ainda que a indicação ocorra no sábado, a pessoa escolhida precisa passar por audiências públicas no Senado e depois por duas votações, uma da Comissão Judiciária da casa e outra pelo plenário.
Composição da Suprema Corte
Com a vacância na Suprema Corte, abre-se uma rara janela de oportunidade para alterar a composição do tribunal onde seus membros têm cargo vitalício. Atualmente, ela tem cinco juízes considerados conservadores (John Roberts, Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh) e três liberais (Stephen Breyer, Sonia Sotomayor, Elena Kagan) — conhecida por sua luta por direitos das mulheres, Ginsburg também se alinhava à ala liberal da corte. Portanto, se o nome indicado por Trump for aprovado, essa composição vai mudar para seis conservadores e apenas três liberais.
Considerando o fato de que a média de tempo que os juízes ocupam uma cadeira na Corte vem crescendo cada vez mais – pode aumentar para até 35 anos nos próximos 100 anos, segundo uma pesquisa da revista Harvard Business Review –, se Trump conseguir aprovar sua indicação, pode garantir uma composição favorável aos conservadores por uma geração inteira ou mais.
Ginsburg tinha 60 anos quando o então presidente Bill Clinton a indicou, em 1992. Ela foi a pessoa mais velha a ser nomeada para o cargo em décadas. Mas a maioria dos juízes da Corte foi indicada entre o final dos 40 ou começo dos 50 anos. Allison Jones Rushing (um dos nomes favoritos de Trump até o momento), inclusive, tem 38 anos.
Quanto mais jovens, mais tempo essas pessoas tendem a ficar no cargo e a composição da Suprema Corte pode ser mantida por décadas.
Legislações em risco
A mudança ainda maior no equilíbrio de forças na Corte pode ter consequências para algumas das legislações mais importantes do país, como saúde, direitos de reprodução e resultados das eleições.
O Affordable Care Act (conhecido como Obamacare – lei que controla o preço e expande os planos de saúde para uma maior parcela da população), por exemplo, já resistiu a várias mudanças na Corte e vem sobrevivendo apenas porque um juiz conservador, John Roberts, decidiu ficar do lado dos liberais.
O assunto deve voltar à pauta da Suprema Corte depois das eleições e uma ampla maioria conservadora pode derrubá-la — sem um plano de Trump e dos republicanos para substitui-la, milhões de norte-americanos podem ficar sem cobertura de plano de saúde.
Outro ponto de atrito é o aborto. A prática foi autorizada no país em uma decisão de 1973. Se Ginsburg for substituída por um conservador, há uma grande chance de o aborto passar a ser considerado um crime em muitos estados do país.
Há ainda a disputa em torno da votação pelos correios nas eleições deste ano. Trump tem conduzido uma campanha em vários estados para tentar reduzir a votação por correspondência — uma alternativa que ganhou força com a pandemia de Covid-19. E os republicanos se mobilizam para levar o assunto á Suprema Corte.
Um dos argumentos utilizados pelos senadores republicanos para acelerar o processo de nomeação de um novo juiz da Suprema Corte é que a Casa não pode ficar dividida entre 4 conservadores e 4 liberais para decidir uma questão ligada à eleição presidencial, que acontece em novembro.
“Não podemos ter um dia de eleição com uma Corte 4-4. Corremos o risco de ter uma crise constitucional se não tivermos 9 juízes da Suprema Corte, principalmente quando há risco de uma eleição contestada”, escreveu o senador republicano Ted Cruz, do Texas, no Twitter.
O precedente de 2016
De um lado, os republicanos tentam correr com o processo de nomeação e, de outro, os democratas buscam fazer uso de um precedente para deixar essa decisão nas mãos do próximo presidente.
Em 2016, a morte do então juiz da Suprema Corte Antonin Scalia, em fevereiro, abriu uma vaga na Casa a menos de nove meses das eleições, vencidas por Donald Trump. Antes mesmo do então presidente, Barack Obama, indicar alguém para o lugar, o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, republicano, rejeitou qualquer autoridade do mandatário sobre o assunto.
“O povo norte-americano deve ter voz na escolha do próximo juiz da Suprema Corte. Portanto, essa vaga não deve ser preenchida até que tenhamos um novo presidente”, afirmou McConnell na época.
Vale lembrar que até Joe Biden seguia essa linha de pensamento. Em 1992, durante um discurso no Senado – quando não havia nenhum lugar a ser preenchido na Corte –, ele disse que “com uma temporada política em andamento, uma indicação à Suprema Corte precisa ser adiada até o fim da campanha eleitoral”.
Mesmo com a fala de McConnell, Obama indicou, em 16 de março, Merrick Garland para o cargo. Os republicanos deixaram claro que não pretendiam mudar sua posição e agiram como se nenhum nome tivesse sido indicado. E isso se manteve até janeiro de 2017, quando a indicação expirou, com a posse do novo Congresso do país.
Em menos de duas semanas após Trump assumir oficialmente a presidência, ele indicou Neil Gorsuch para o lugar de Scalia. O nome foi confirmado pelo Senado em abril de 2017.
Embora as eleições aconteçam em novembro, um novo Congresso toma posse somente no dia 3 de janeiro. O Senado tem até esta data para confirmar (ou não) um eventual indicado de Trump para a vaga na Suprema Corte. Resta saber se a mesma regra usada para vetar o indicado de Obama em 2016 será aplicada desta vez.
(Com informações da CNN, em Atlanta)