Entenda como a ONU atua na solução de conflitos mundiais
Especialistas pontuam que Conselho de Segurança tem problemas de representatividade e eficiência, mas atuação das Nações Unidas na manutenção da paz e ajuda humanitária é fundamental
Os conflitos na Ucrânia e em Israel colocaram a Organização das Nações Unidas (ONU) em evidência, principalmente o Conselho de Segurança, que falhou em aprovar resoluções para as duas batalhas.
O objetivo da ONU é manter a paz e segurança internacional, assim como fornecer assistência humanitária e garantir os direitos humanos, segundo sua Carta.
Entretanto, 75 anos depois de sua criação e em um ambiente geopolítico extremamente modificado, diplomatas apontam para algumas defasagens em sua estrutura, como apontam especialistas ouvidos pela CNN.
O que a ONU pode fazer em conflitos?
A ONU pode agir de algumas maneiras frente aos conflitos armados, mas não impor a paralisação das guerras.
Christopher Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec Belo Horizonte, lembra que a ONU pode:
- monitorar possíveis crimes de guerra,
- observar o cumprimento dos direitos humanos,
- fornecer alimento e outros itens essenciais para as vítimas civis do conflito
- pode ser mediadora para criar mecanismos de uma resolução diplomática entre as partes envolvidas, sendo um espaço de debate entre as nações
Entretanto, sem o consenso dos membros-permanentes do Conselho de Segurança, o alcance da ONU é limitado quanto à resolução das batalhas, conforme explica Leandro Consentino, especialista em Relações Internacionais e professor de Ciências Políticas do Insper.
Ela pode trabalhar muito mais para prevenir a eclosão desses conflitos, sobretudo pensando no diálogo que ela propicia, do que de fato fazer alguma coisa depois que ele eclode
Leandro Consentino
Mas o professor lembra que, “em um sistema internacional de países soberanos, cada país tem a sua soberania”. “Então, não cabe a ninguém, sequer uma organização internacional, determinar o que um país deve ou não fazer”.
Encaminhamento
Priscila Caneparo, professora na Universidade Federal do Paraná e doutora em Direito Internacional, diz ainda que a Organização das Nações Unidas também pode:
- recomendar o encaminhamento de uma disputa para a Corte Internacional de Justiça, caso os países reconheçam a competência desse órgão.
- por meio da Assembleia-Geral da ONU, pedir a paralisação de guerras
Mas ela ressalta que todas as resoluções aprovadas no órgão são recomendações, não “mandando” nos Estados.
Isso foi visto na guerra da Ucrânia, por exemplo, quando a Assembleia-Geral aprovou duas resoluções contra o conflito, mas que não acabaram com as hostilidades.
Mas o principal órgão da ONU com competência para lidar com a paz e segurança internacional é o Conselho de Segurança.
Ele pode:
- impor sanções ou recomendar, em último recurso, intervenção militar,
- e autorizar operações de paz e segurança internacional, feitas pelos “capacetes azuis” e “capacetes brancos”, equipes formadas por militares dos Estados-membros da ONU para restabelecer ou reconstruir a paz, respectivamente.
- propor a mediação dos debates entre as partes e julgar um crime de agressão, possibilitando com que o Tribunal Penal Internacional processe e possivelmente condene as pessoas envolvidas.
O órgão possui cinco membros permanentes, que possuem poder de veto. Se algum deles, por exemplo, votar contra alguma resolução, ela não é aprovada, não importa quantos votos tenha a favor.
Esse foi o caso do texto brasileiro sobre a Guerra de Israel, que pedia um cessar-fogo e entrada imediata de ajuda humanitária em Gaza. O documento foi vetado pelos EUA.
VÍDEO – EUA vetam resolução do Brasil na ONU sobre guerra em Israel
Atuação “problemática”
A polarização mundial e embate entre potências tem dificultado ainda mais a criação de consensos dentro do órgão, colocando muitas vezes o “Ocidente” e o “Oriente” em lados opostos.
Assim, todos os especialistas concordam que a atuação do Conselho é “problemática” e tem falta de eficiência, com os vetos tornando o órgão, muitas vezes, “inoperante”. Ou, como classificou Mendonça, um período de “paralisia decisória”.
O representante do Brasil na ONU, Sérgio Danese, fez essa crítica após a rejeição da resolução brasileira, destacando que o veto significa que o Conselho de Segurança não conseguiu cumprir o seu papel.
Aliado a isso, especialistas e diplomatas concordam que há um problema de representatividade no órgão, que retrata um outro período da geopolítica mundial, não havendo, por exemplo, membros permanentes da América Latina ou da África.
Ainda assim, Caneparo alerta que a atuação das Nações Unidas não pode ser confundida com o Conselho de Segurança.
A ONU está em descrédito porque as pessoas tendem a confundir a ONU como sendo apenas sinônimo da atuação do conselho de segurança
Priscila Caneparo
Importância “fundamental”
Ainda assim, a importância da ONU na prevenção de conflitos, mediação e negociação de soluções para batalhas entre as nações, assim como disponibilização de ajuda humanitária, é fundamental.
A Organização Internacional tem créditos, de acordo com os especialistas, em evitar um novo conflito global desde sua criação, por exemplo, por mais que tenha dificuldade em diversas batalhas regionais.
“Então, se a gente assiste a conflitos de grande proporção em alguns locais, a gente ainda não assistiu a uma Terceira Guerra Mundial, que faz com que a ONU tenha problema, sem dúvida nenhuma, não seja esse mecanismo perfeito, mas também não seja essa organização tão inócua quanto alguns dos seus críticos gostam de dizer”, pondera Leandro Consentino.
Ajuda humanitária
A Organização das Nações Unidas possui diversos outros órgãos que fornecem ajuda fundamental durante momentos de conflito, desde o Conselho dos Direitos Humanos, o Programa Alimentar Mundial e Organização Mundial da Saúde, por exemplo.
Através deles, a ONU mantém hospitais, centros de refugiados e distribui comida e suprimentos para milhões de pessoas em áreas de conflito no mundo.
Além dos conflitos, as Nações Unidas auxiliam também na manutenção da democracia em diversos países, tendo ajudado mais de 100 nações com eleições desde 1991.