Entenda auditorias que CNE não realizou após eleições presidenciais na Venezuela
Supremo Tribunal de Justiça da confirmou vitória de Maduro nesta quinta (22)
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, que continua sem publicar os resultados detalhados da votação presidencial de 28 de julho, não cumpriu várias etapas do calendário eleitoral que incluem mecanismos de auditoria estabelecidos para dissipar dúvidas sobre o sistema, segundo ex-funcionários da organização, analistas e o relatório preliminar do painel eleitoral de especialistas da ONU.
“Tão importante quanto a irregularidade de uma proclamação de resultados sem um boletim definitivo que inclua todos os registros das urnas, foi a suspensão das auditorias”, enfatizou Jesús Castellanos, cientista político e especialista em questões eleitorais, à CNN.
Trata-se de várias etapas estabelecidas no calendário eleitoral oficial do CNE.
Auditoria de telecomunicações
Poucas horas depois da votação, no dia 29 de julho, deveria ter início a fase II da auditoria de telecomunicações, em que se compara a configuração dos sistemas de transmissão com a que foi auditada antes da eleição, com o objetivo de verificar se a estrutura utilizada foi a mesma.
O alerta cresceu depois do CNE ter relatado supostos ataques tecnológicos, que explicariam o atraso do primeiro boletim.
Castellanos, ex-funcionário do CNE, disse que a revisão permite verificar se houve alguma alteração ou ataque no momento da transmissão dos resultados. “Quão importante seria acionar as partes para verificar se houve algum tipo de hacker. Não houve nenhuma motivação ou explicação oficial”, acrescentou.
Verificação de cidadania
Além da verificação cidadã da fase I – ato público com testemunhas em 54% das mesas que permite verificar a precisão do sistema automatizado entre os comprovantes de voto em relação aos dados contidos exclusivamente nas atas – o cronograma prevê uma segunda fase, que audita novamente 1% das mesas dos centros de votação
“Todo o processo de resultado é revisado totalmente, as caixas dos comprovantes de verificação são abertas e verifica-se se o valor coincide com a ata e o caderno de votação”, explicou Castellanos.
O CNE indicou em documentos oficiais que com esta auditoria “procura passar confiança aos eleitores” e verifica novamente os resultados das urnas, para avaliar possíveis discrepâncias.
O cronograma previa que a auditoria em questão fosse realizada no dia 2 de agosto. De acordo com o regulamento, seria feito em um centro do CNE e contaria com a participação de representantes de organizações políticas, observadores nacionais e internacionais.
O CNE também não explicou as razões pelas quais aquela fase do calendário não foi cumprida e o site do Conselho está fora de serviço desde a noite das eleições.
Auditoria de dados eleitorais
Entre os dias 5 e 8 de agosto estava prevista a realização da auditoria dos dados eleitorais de fase II, que verifica o banco de impressões digitais, verifica a sua qualidade e se correspondem aos do registo eleitoral.
“Também é muito importante verificar se houve duplicação de impressões digitais, para cumprir o princípio de uma pessoa, um voto”, resumiu Castellanos. Com este processo, o suposto roubo de identidade pode ser comprovado ou descartado.
O analista político Eugenio Martínez, diretor do portal Votoscopio – organização dedicada à divulgação de questões eleitorais -, disse à CNN que as auditorias têm datas específicas “porque depois desse prazo a integridade dos dados utilizados não é garantida”.
Segundo Martínez, se o CNE quisesse fazê-lo neste momento, teria primeiro que fazer uma auditoria forense aos dados “para poder certificar que as bases de dados e o material eleitoral apresentado pelo CNE correspondem ao gerado em 28 de julho e não são materiais eleitorais gerados posteriormente”.
A perícia do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal de Justiça (TSJ, da sigla em espanhol) realizou uma perícia sobre o suposto resultado da eleição presidencial após admitir uma proteção eleitoral solicitada pelo presidente Nicolás Maduro. Nesta quinta-feira (22), o TSJ validou o resultado dado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que declarou Nicolás Maduro vencedor das eleições de 28 de julho.
“Há uma opacidade importante”, disse o cientista político Eduardo Repilloza, diretor-geral da organização civil Transparência Eleitoral e coautor do livro “É assim que se vota na Venezuela” (2020), à CNN.
No domingo (18), vídeos transmitidos pela emissora estatal VTV mostraram magistrados revisando caixas de material eleitoral. “É uma grande encenação de idas e vindas de funcionários”, declarou Repilloza, e ressaltou que não há precedentes para uma intervenção deste tipo.
Castellanos destacou que o TSJ “não tem competência” para certificar eleições, uma vez que o único órgão autorizado a fazê-lo é o CNE. “O recurso de Maduro nunca foi conhecido, não se sabe qual é o objetivo da perícia e ela descumpre padrões metodológicos internacionais.
Revisaram caixas que não sabem o que contêm, não se sabe a cadeia de custódia”, observou.
Martínez concordou que não se sabe o que o TSJ analisou nem quais são os critérios metodológicos para comparar os artigos. “E o mais importante é que não foi feito nenhum tipo de verificação que sugira que está a ser revista a autenticidade do material apresentado pelo CNE, que foi utilizado no dia 28 de julho. O TSJ aceita que o material e as bases de dados sejam aqueles gerados no dia 28 de julho”, acrescentou.
Para este processo, a Justiça não convocou os auditores dos partidos que participaram da eleição.
Ao invés disso, segundo a VTV, os magistrados foram acompanhados por especialistas e observadores internacionais, entre os quais estariam o Observatório Parlamentar Eleitoral para a Integração Regional (OPEIR, da sigla em espanhol) e o Conselho de Peritos Eleitorais da América Latina (CEELA, da sigla em espanhol).
Ambos os órgãos, que não possuem site, aceitaram os convites do CNE para participarem como observadores nas eleições, elogiando o sistema venezuelano, e foram apontados pela falta de questionamento do processo.
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